Bilhete Postal > "11- Raça Maometana (sic). Trajos Típicos [da] Guiné. Edição Foto Iris, Bissau, Guiné, Portugal. Impresso em Portugal [...] Lisboa. Reprodução proibida."
Foto: © Beja Santos (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Bilhete postal, ilustrado, dos anos 60, que o Beja Santos teve a gentileza de nos confiar, para divulgação através do blogue... No verso, pode ler-se a mensagem que ele mandou a um familiar muito próximo:
Missirá , 8 de Julho [de 1969]
(...) Como há uma ano atrás, muita chuva, lama, trovoadas, a viatura atascada na bolanha, problemas sanitários, etc. Um grande desgosto, agora: meus comandante e capitão punidos e forçados a abandonar Bambadinca. Creio que era altura de visitar a Sra. Dona Alzira Bastos (...) (2).
2. Comentário de L.G.:
Um observação para não deixar passar, impunemente, uma grossa asneira que pode ser atribuída, no mínimo, a ligeireza ou a santa ignorância e, no máximo, a racismo encapotado, a incultura geral, a apressada exploração comercial, por parte do editor deste postal, a Foto Iris, do exotismo da Guiné - aos olhos dos tugas que chegavam, aos milhares, nos T/T Niassa, Uíge, Alfredo da Silva, Ana Mafalda... Presumo, de resto, que o negócio dos postais ilustrados tenha sido altamente lucrativo, no período da guerra colonial (1961/74).
Primeiro, não existe o conceito (antropológico) de raça aplicado aos seres humanos. Só há uma raça (ou melhor: uma espécie), a do Homo Sapiens Sapiens... Os grupos humanos distinguem-se sobretudo pela cultura (etnia, língua, apropriação do espaço, usos e costumes...), embora haja diferenças a nível do fenótipo (por exemplo, a cor da pele).
Por outro lado, não havendo mais do que uma raça (o que remete para o genótipo e não para o fenótipo), também não poderá existir um raça...maometana. Tal como não existe uma raça... cristã. Maomé e Cristo são apenas fundadores de religiões, o islamismo e o cristianismo.
Na Guiné-Bissau, o que havia (e há) são diferentes grupos étnicos ou étnico-linguísticos, alguns dos quais islamizados, ou muçulmanos, como os fulas, os mandingas e os biafadas, que tendiam (tendem) a adoptar o vestuário árabe, de resto generalizado entre as populações norte-africanas e subsarianas, porque muito mais apropriado ao clima, e mais confortável e saudável, do que o vestuário ocidental.
Por razões de aliança estratégica, as autoridades portugueses, sob o governo de Spínola (1968-1973), deram um tratamento especial às autoridades políticas e religiosas locais, ligadas aos grupos muçulmanos e, em especial, aos fulas que habitavam maioritariamente na Zona Leste (concelhos de Bafatá e Nova Lamego) (3).
A expressão, árabe, Allahu Akbar, significa Deus é grande. E uma declaração ou expressão de elogio e glorificação. Vd. Jornal Público > Livro de Estilo > Religiões.
Vd. também artigo de Sofia Branco: Dados sobre a Guiné-Bissau e os guineenses em Portugal. Público. 4 de Agosto de 2002.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. o último post desta série: 10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1164: Postais Ilustrados (7): Campune tatuada, Bijagó (Zé Teixeira).
Vd. posts anteriores, desta série (que no futuro poderá constituir uma base de dados interessante para investigadores na área da sociologia, da antropologia e da história que queiram estudar os estereótipos e as representações sociais que os tugas produziam e reproduziam sobre os guineenses e as guineenses durante a guerra colonial):
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1023: Postais Ilustrados (1): Pescadora, de etnia papel (Beja Santos)
7 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1030: Postais Ilustrados (2): Dança nalu, Cacine (Beja Santos)
8 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1031: Postais Ilustrados (3): Tocador fula, Bafatá (Beja Santos)
28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1125: Postais Ilustrados (4): Rapaz balanta, cesteiro (Beja Santos)
2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1140: Postais Ilustrados (5): Bajuda manjaca, Ilha de Pecixe (Beja Santos)
7 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1157: Postais Ilustrados (6): Rapariga Papel, tatuada, do Biombo (Beja Santos)
(2) Alzira Bastos, esposa do 1º comandante do BCAÇ 2852, Pimentel Bastos, punido por motivos disciplinares, na sequência do ataque da guerrilha à sede do Sector L1, Bambadinca, em 28 de Maio de 1969.
Vd. posts de:
28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos
30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)
16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)
(3) Vd. posts de:
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)
(...) "Cheguei à Guiné em 23 de Março de 1972 e fiz parte de CCAÇ 3566 - Os Metralhas (...); a partir de 4 de Janeiro de 1973 e até ao fim da comissão passei a fazer parte da Companhia Africana CCAÇ 18 - Aldeia Formosa (Quebo para os africanos), tendo regressado [ à Metrópole] em 24 de Junho de 1974.
"De momento pretendo somente acrescentar uma nota acerca do chefe religioso Cherno Rachid que também conheci pessoalmente: faleceu em 1973 (...) durante o período em que estive em Aldeia Formosa.
"Na realidade o poder deste chefe religioso era enorme: a guerra parou para que um conjunto de autoridades religiosas dos países vizinhos se deslocasse a Aldeia Formosa para participar no seu funeral" (...).
15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça)
(...) "Bambadinca. 10 de Janeiro de 1970. (...) Tive hoje, aliás, a oportunidade de conhecer pessoalmente o Cherno Rachid e constatar o seu carisma e o poder de atracção que ele exerce sobre os africanos islamizados. Esteve vários dias em Bambadinca, de visita ao chão fula. Com avioneta ou helicóptero, às ordens, claro!
"Sentado numa esteira, de pernas trançadas, recebia nos seus aposentos privativos os fiéis que, descalços como na mesquita, o iam cumprimentar, trazendo-lhe presentes, sobretudo em dinheiro (às vezes mesmo somas importantes!) em troca duma oração, dum conselho ou dum objecto cabalístico.
"Como seria de esperar, o Cherno Rachid, acompanhado da sua comitiva de servos e discípulos, foi depois por seu turno apresentar cumprimentos às autoridades militares locais (comando do batalhão)... Noblesse oblige!" (...).