1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Humberto Martins Nunes (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º PelArt, Gadamael Porto e Cuntima, 1972/74, com data de 3 de Agosto de 2012):
Caro Luís
Finalmente, depois de muitos meses de leitura do magnífico instrumento que criaram para evocar/relembrar os tempos que passámos na Guiné, consegui escrever alguma coisa sobre a minha estadia e poder juntar-me à Tabanca.
Aqui vai, portanto, a minha “história”.
Um abraço
Humberto Nunes
2. APRESENTAÇÃO:
Humberto Martins Nunes
Alferes Miliciano de Artilharia
Comandante do 23.º PELART
Chegada à Guiné – 15 de Julho de 1972
Partida da Guiné e chegada à Metrópole - 9 de Junho de1974
Nascimento - 27/4/1949
Morador em Bobadela-Loures e Marinha Grande
Casado – Um filho
Engenheiro Técnico - Reformado – Trabalhei na Sorefame/Adtranz/Bombardier desde 1975 até ao seu fim na Amadora–Junho de 2004
e-mail:
humbertomnunes@netcabo.pt
Locais de permanência:
Gadamael Porto – de Julho de 1972 a Abril de 1973
Cuntima – de Maio de 1973 a Junho de 1974
3. A MINHA HISTÓRIA
Cheguei a Bissau, em rendição individual, no dia 15 de Julho de 1972 como Alferes Miliciano de Artilharia.
Durante a apresentação ao comandante do GA7, com mais três camaradas que viajaram comigo num Boeing 707 dos TAM, o comandante deu-nos a prelecção habitual em relação à nossa missão e indicou-nos os quatro locais para onde iríamos.
A escolha seria feita por sorteio porque havia uns considerados maus e outros piores.
Num intervalo da prelecção, um dos camaradas perguntou:
"meu comandante quando é que podemos ir de férias"? Esta pergunta, aparentemente pacífica, “azedou” o ambiente e, a partir desse momento, o comandante zangou-se, a conversa acabou e o sorteio também.
Um vai para Gadamael (o meu caso)
, outro para ??, outro para ??....... e podem sair.
Assim começou – mal – a minha estadia na Guiné.
Após uns dias de curso de reciclagem/aprendizagem sobre obuses, uma avioneta DO27 levou-me de Bissau até Catió, ponto de escala e estadia de três dias.
Comigo viajou o Alferes Trindade que eu ia substituir e que se encontrava em Bissau nessa altura.
Outro DO27 levou-nos ao destino final Gadamael Porto.
Aqui encontrei o 23.º Pelotão de Artilharia com três obuses 10,5 , a CCAÇ 3518 e o Pelotão de Reconhecimento Fox.
Em relação ao que me tinham indicado - Gadamael era um “buraco” – considero que os meses que estive em Gadamael foram relativamente calmos.
Uns batimentos de zona com os obuses e 3 ataques com morteiros do PAIGC, sem quaisquer consequências físicas para o pessoal, foram as actividades que podem ser consideradas de guerra.
Uns jogos de futebol entre Artilharia, CCAÇ (vários pelotões) e o Pelotão Fox proporcionaram bons momentos de descontracção mas com cada um a querer ganhar.
Para variar de desporto organizou-se um Rali, dentro do aquartelamento, em que as viaturas concorrentes eram as ”mais indicadas” para esta modalidade: Unimog, Berliet, GMC e o jipe do capitão Manuel Nunes Sousa. Como era lógico, tudo apontava para a vitória do capitão mas, quando deixou o motor do jipe ir-se abaixo, logo apareceram alguns “ajudantes amigos inocentes” para empurrá- lo e voltar a pegar.
(o empurrão era normalmente a chave de ignição do Jipe)
Foi uma pena o Regulamento ( feito com malandrice) não permitir empurrões....!!!
Em Março de 1973 “assistimos” à queda do primeiro Fiat sobre a zona de Guileje: vimos chegar dois e
pouco depois já só víamos um, sem imaginar o que tinha acontecido.
Em 1973 acompanhei a chegada da CCAÇ 4743 e a partida da CCAÇ 3518 que, aparentemente, ía para uma zona boa como compensação da estadia em Gadamael. Afinal, essa compensação teve o efeito contrário, já que foi então que aconteceram as perdas de vidas de alguns camaradas.
Em Abril de 1973, recebi a indicação de que o Pelotão – material e guarnição - iria ser transferido para Cuntima.
A princípio houve alguma sensação de desagrado, já que, apesar do local não ser propriamente um campo de férias, estavamos habituados, conhecíamos nos mapas os locais onde as nossas tropas faziam o reconhecimento nas matas e onde o PAIGC tinha os seus corredores de passagem e os momentos de guerra propriamente vividos estavam longe do que era previsto.
No entanto, quando passados apenas 15/20 dias da nossa partida, Gadamael se transformou, em conjunto com Guileje e Guidage, num dos mais terríficos locais da Guiné, com dezenas de mortos e feridos verificámos que tínhamos tido a sorte que, infelizmente, não tiveram muitos dos camaradas que lá ficaram.
A viagem de Gadamael para Cacine foi feita em duas LDM.
Uma vez que o braço do rio que banhava Gadamael estava sujeito às marés, só havia cerca de 2 horas para efectuar o carregamento dos obuses, granadas, do pessoal e de todos os seus pertences que eram constituídos por roupa e outros objectos pessoais, patos, cabras, galinhas, coisas inimagináveis. No que respeitava ao pessoal do pelotão oriundo da Guiné – cerca de 15 pessoas – no fundo, era o transporte de todas as suas vidas já que as suas mulheres e filhos viviam ali no quartel.
No meio de uma confusão indescritível, lá se conseguiu fazer o carregamento e, com a água do rio já a fugir, as LDM iniciaram a viagem até Cacine onde estivemos cinco dias a aguardar a chegada de transporte para Bissau. Uma LDG levou-nos até Bissau, com um desvio e uma paragem de duas horas junto à Ilha de Bubaque, zona onde dezenas de golfinhos nos saudaram.
Quando saímos de Gadamael, o aquartelamento ficou sem a protecção da Artilharia, uma vez que os obuses 14 que iriam substituir os 10,5 se encontravam em Cacine à espera de transporte. Além disso, as dimensões dos espaldões de protecção dos obuses 10,5 não permitiam que os mesmos servissem para os obuses 14 com uma envergadura bastante maior.
Chegados a Bissau, os obuses e granadas foram entregues no GA7.
Após alguns dias em Bissau a aguardar a formação de uma coluna para Farim, partimos com destino a Cuntima/Colina do Norte.
Em Farim, seis dias de estadia à espera de coluna para Cuntima, notavam-se já os efeitos dos ataques em Guidage.
A viagem de Farim para Cuntima, feita numa picada muito concorrida pelo PAIGC e muito minada, foi feita com alguma ansiedade já que o pessoal do pelotão não estava habituado a deslocações deste tipo. Após paragem em Jumbembem lá seguimos para Cuntima
O Pelotão de Artilharia aqui destacado tinha dois obuses 10,5 e o 3.º estava destacado em Jumbembem “à guarda” de um dos furriéis.
A calma foi alterada algumas vezes quando umas dezenas de morteiradas caíram no interior do quartel mas apenas causaram susto e danos materiais. No entanto, um ataque com foguetões deu origem a vários feridos, um deles muito grave. A noite impediu que a evacuação daquele se fizesse porque os hélis já não voavam. Nessa noite, a messe, que tinha o tecto mais ou menos reforçado, transformou-se em enfermaria. A mesa de refeições serviu de cama onde foi montado o melhor dispositivo possível para tratar o ferido. A imagem de montes de ligaduras ensanguentadas em conjunto com as emoções e ansiedade devidas aos acontecimentos daquela noite foi o momento mais marcante da “minha guerra”.
A evacuação, feita na manhã seguinte, já não deu para salvar aquela vida.
Chega o 25 de Abril de 1974. Ouvimos qualquer coisa sobre o que se estava a passar na Metrópole mas as notícias eram muito vagas.
Quando acabou o prazo previsto da minha estadia, preparei as malas e, assim que o meu substituto chegou, “saltei” para um heli que levava o correio. A viagem até Bissau, feita rente ao chão para evitar os mísseis – a guerra ainda não tinha terminado totalmente – foi bastante emocionante.
Cheguei a Bissau, era sábado de manhã, e ao saber que o transporte para a Metrópole poderia demorar muito, fui a correr à TAP, comprei um bilhete para Lisboa para o dia seguinte 9/6/74.
Corri em seguida para o QG, onde todo o pessoal estava já a sair para o fim de semana, para obter os documentos de “libertação”. A última assinatura, a do 2-º Comandante – Spínola estava em Lisboa - foi o último acto militar.
Ao chegar a casa provoquei uma agradável surpresa já que não tinha avisado ninguém.
4. MEMÓRIAS FOTOGRÁFICAS:
Cuntima > A minha 2.ª suite > 1.ª porta à esquerda
Cuntima > As casas dos Artilheiros
Cuntima > Obús à espera de acção
Cuntima > Alf Mil Soares (de costas), Alf Mil Martins, Alf Mil Ferreira e eu
5. COMENTÁRIO DE CV:
Caro camarada Humberto Nunes, bem-vindo e muito obrigado por acreditares no nosso projecto.
O nosso Blogue está a caminho dos 9 anos de existência, e com muito orgulho que recebemos, ainda hoje, os camaradas que se nos dirigem com a vontade de pertencer a esta já grande família de ex-combatentes da Guiné, onde também colaboram pessoas que de alguma maneira se sentem ligadas àquela terra ou a quem por lá fez a guerra.
A partir de hoje contamos com a tua colaboração em memórias ou fotos, ou ainda comentando o que por aqui se vai escrevendo.
Sobre Gadamael muito já foi escrito nesta página, basta clicares, por exemplo, nos marcadores
Gadamael e
Memórias da CCAÇ 798 para acederes aos diversos postes existentes.
Deves ter conhecido o nosso camarada Daniel Matos, ex-Fur Mil, recentemente falecido, que nos deixou um excelente contributo (
"Os Marados de Gadamael") sobre a sua Companhia, CCAÇ 3518, a que fazes referência na tua apresentação.
As fotos que mandaste e que hoje não foram publicadas, sê-lo-ão brevemente na série "Memória dos Lugares". Se tiveres outras que gostasses de ver publicadas, manda para mim.
Antes de terminar crê-nos ao teu dispor para qualquer esclarecimento adicional.
Recebe um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Agosto de 2012 >
Guiné 63/74 - P10217: Tabanca Grande (352): Ricardo Marques de Almeida, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Farim, K3, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)