Lisboa > Beira Tejo > Pôr do sol no Atlântico, visto do estuário do Tejo, em Belém, junto ao Museu do Combatente (Forte do Bom Sucesso). 5/11/2011
Foto: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados
Foi você que pediu uma Kalash ?
Luís Graça
Há uma luz difusa,
mistura de ternura e de saudade,
quando o sol se põe
em Lisboa,
e tudo à volta é a humanidade
que arde.
Impensável o fado da idiossincrasia lusa
sob o céu de chumbo
de Atenas.
Impensável
ou improvável, apenas ?
Porque de pias intenções,
maus pensamentos
e piores ações está o inferno cheio,
as praças, do Comércio ao Rossio,
e os marcos do correio.
Ah!, o bravo Ulisses, o grego,
o que ele andou p’ra aqui chegar,
depois de transpostas as colunas de Hércules,
e fundar
a mítica cidade atlântica de Olissipo.
Ah!, a Lisboa,
que os poetas amaram
e onde nunca foram amados,
do Cesário Verde ao Álvaro de Campos.
Ah!, Lisboa
com as suas casas de muitas cores,
caiadas de branco.
Chora, e não é de medo,
o judeu sefardita,
a sua desdita,
cristão novo, marrano,
a caminho do degredo:
─ Ai!, a doce luz de Lisboa,
filtrada pelo espelho de água do Tejo,
mais o pôr do sol sobre o Atlântico Norte
que começa no Bugio.
Não sei se estarei cá, p’ró ano,
que a vida e a morte
são jogos de azar e sorte.
Só sei que o que sinto,
é já saudade,
porque… é arrepio!
No tempo em que a terra era plana,
antes das viagens de circum-navegação,
não podias imaginar o novo mundo
e, lá ao fundo,
Copacabana,
mais as cataratas de Iguassu,
Darwin e a teoria da evolução,
e o tu-cá-tu-lá de deus com a ciência.
Muito menos a crioula e o seu cretcheu,
o tango,
o flamengo, o fado,
o dundum, a coladera,
o samba, a morna,
o lançado, o tangomau,
o escravo do Cacheu,
e a santa paciência
com que a gente vive, morre e não retorna.
Chama-lhe o que quiseres,
mas tens uma dívida de gratidão,
à Grécia antiga,
ao Homero,
ao Platão,
à bela e pérfida Helena de Troia,
ao ateniense e ao espartano,
aos deuses e deusas do Olimpo…
Que serias tu, sem o Ícaro,
mas também sem boia
nem colete de salvação ?
Que importa, afinal, a nobreza de um povo,
grego, judeu ou lusitano,
se a espada do sacro imperador romano
está suspensa por um fio
sobre a tua cabeça ?!
Em Lisboa, a norte,
no caminho do São Tiago,
o santo decapitado,
guiando os feros exércitos da Reconquista,
no seu constante vaivém do ir e vir,
à volta da Europa e dos seus picos
de civilização.
E a sul, a autoestrada da globalização
onde cada turista
tem direito ao seu recuerdo,
um postal ilustrado do futuro
que seguirá dentro de momentos…
Allah Akbar!, ainda ecoa o último grito
da batalha de Alcácer Quibir.
a mítica cidade atlântica de Olissipo.
Ah!, a Lisboa,
que os poetas amaram
e onde nunca foram amados,
do Cesário Verde ao Álvaro de Campos.
Ah!, Lisboa
com as suas casas de muitas cores,
caiadas de branco.
Chora, e não é de medo,
o judeu sefardita,
a sua desdita,
cristão novo, marrano,
a caminho do degredo:
─ Ai!, a doce luz de Lisboa,
filtrada pelo espelho de água do Tejo,
mais o pôr do sol sobre o Atlântico Norte
que começa no Bugio.
Não sei se estarei cá, p’ró ano,
que a vida e a morte
são jogos de azar e sorte.
Só sei que o que sinto,
é já saudade,
porque… é arrepio!
No tempo em que a terra era plana,
antes das viagens de circum-navegação,
não podias imaginar o novo mundo
e, lá ao fundo,
Copacabana,
mais as cataratas de Iguassu,
Darwin e a teoria da evolução,
e o tu-cá-tu-lá de deus com a ciência.
Muito menos a crioula e o seu cretcheu,
o tango,
o flamengo, o fado,
o dundum, a coladera,
o samba, a morna,
o lançado, o tangomau,
o escravo do Cacheu,
e a santa paciência
com que a gente vive, morre e não retorna.
Chama-lhe o que quiseres,
mas tens uma dívida de gratidão,
à Grécia antiga,
ao Homero,
ao Platão,
à bela e pérfida Helena de Troia,
ao ateniense e ao espartano,
aos deuses e deusas do Olimpo…
Que serias tu, sem o Ícaro,
mas também sem boia
nem colete de salvação ?
Que importa, afinal, a nobreza de um povo,
grego, judeu ou lusitano,
se a espada do sacro imperador romano
está suspensa por um fio
sobre a tua cabeça ?!
Em Lisboa, a norte,
no caminho do São Tiago,
o santo decapitado,
guiando os feros exércitos da Reconquista,
no seu constante vaivém do ir e vir,
à volta da Europa e dos seus picos
de civilização.
E a sul, a autoestrada da globalização
onde cada turista
tem direito ao seu recuerdo,
um postal ilustrado do futuro
que seguirá dentro de momentos…
Allah Akbar!, ainda ecoa o último grito
da batalha de Alcácer Quibir.
Mais a sul,
as febres palúdicas do Geba e do Corubal,
grau 35 do frio polar,
esmagando os teus ossos;
grau 42 do fogo infernal,
implodindo a tua cabeça.
Viras na curva do rio,
para desceres ao fundo da terra,
verde e vermelha,
dos pesadelos.
Dos miradouros dos grandes cruzeiros
que demandam o Tejo
não se vê a solidão dos velhos,
à beira rio,
tentando em vão
reacender o pavio
do desejo.
Muito menos os mariscadores
do mar da Palha
onde apodrece a última nau
do caminho marítimo para a Índia.
Ou ainda os moços que partem na frota branca
para os bancos de pesca do bacalhau,
na Terra Nova,
sete vidas, sete safras,
servindo a velha pátria
em alternativa à guerra de África.
Lisboa, forrada a dourada talha,
estremece,
sob o peso da carruagem
do senhor dom João Quinto.
Dizes adeus a Fernão Mendes Pinto
que parte em viagem
para o império do sol nascente,
levando consigo os botões,
as armas de fogo
e as emoções
dos bárbaros do sul.
─ Canta-lhe, Mísia, aquele fado,
que diz: “Arrefece
a última lava do vulcão
as febres palúdicas do Geba e do Corubal,
grau 35 do frio polar,
esmagando os teus ossos;
grau 42 do fogo infernal,
implodindo a tua cabeça.
Viras na curva do rio,
para desceres ao fundo da terra,
verde e vermelha,
dos pesadelos.
Dos miradouros dos grandes cruzeiros
que demandam o Tejo
não se vê a solidão dos velhos,
à beira rio,
tentando em vão
reacender o pavio
do desejo.
Muito menos os mariscadores
do mar da Palha
onde apodrece a última nau
do caminho marítimo para a Índia.
Ou ainda os moços que partem na frota branca
para os bancos de pesca do bacalhau,
na Terra Nova,
sete vidas, sete safras,
servindo a velha pátria
em alternativa à guerra de África.
Lisboa, forrada a dourada talha,
estremece,
sob o peso da carruagem
do senhor dom João Quinto.
Dizes adeus a Fernão Mendes Pinto
que parte em viagem
para o império do sol nascente,
levando consigo os botões,
as armas de fogo
e as emoções
dos bárbaros do sul.
─ Canta-lhe, Mísia, aquele fado,
que diz: “Arrefece
a última lava do vulcão
do teu corpo, amor,
mas ainda estremece,
ou não foras tu, velha Lisboa,
sempre (e)terna,
menina e moça, bajuda, mulher”.
Entardece,
ensandece a cidade,
todas as sextas-feiras treze
do novo milénio.
Valha-nos as cruzes, canhoto,
contra o mau olhado.
E vade retro, Cronos,
que, depois de devorares os teus filhos,
hás de devorar-te a ti próprio!
E quem tem bula come
carne,
não precisa de engenho e arte,
diz o cristão, velho e relho.
Mas é amarga a ostra,
e mortal a ameijoa
com que os pobres matam a sua fome.
Afogas-te em absinto,
bebida antiga de poeta,
depois de teres mandado cortar
as copas dos pinheiros bravos
por te taparem
a linha perdida do horizonte.
Mas já não há horizonte,
querida,
nem rosas nem cravos,
quebrada que foi a linha da vida.
Sem ajuda do Google Earth,
à vista desarmada,
encontras aqui o teu lugar,
definitivamente provisório,
provisoriamente definitivo,
porque sabes que é tão irrisório
partir como absurdo ficar,
para quem da vida é fugitivo.
Sentas-te numa esplanada
na doca de Belém,
com vista de mar:
─ Foi você que pediu uma Kalash ? ─
pergunta-te um dos sem-abrigo,
antigos estivadores e fragateiros,
pescadores e marinheiros,
agora tristes desempregados de mesa,
predadores à espera de presa.
Estão ali simplesmente à coca do turista.
─ Não, obrigado, amigo,
mas não me faltava a vontade…
─ Temos as melhores Kalash da cidade,
das originais e das contrafeitas…
É só puxar a culatra
e meter uma bala na câmara,
e ficar à escuta...
─ Não insista!...
Para que haveria eu de querer uma arma,
essa é boa!,
se não tenho licença… para matar?!
Mal por mal,
protestas contra o autocrata,
metes uma baixa psiquiátrica,
e pedes uma azeitona ou uma tâmara
e um copo… de cicuta,
enquanto o sol se põe em Lisboa!...
Lisboa, beira Tejo, fev 2015
Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > Uma Kalash, capturada ao PAIGC...
Foto do álbum fotográfico do nosso camarada Manuel Caldeira Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68).
Foto: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
17 de janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2445: Em louvor da G3, no duelo com a AK47 (Mário Dias)
17 de maio de 2005 > Guiné 63/74 - P20: Foi você que pediu uma kalash ? (David Guimarães)
mas ainda estremece,
ou não foras tu, velha Lisboa,
sempre (e)terna,
menina e moça, bajuda, mulher”.
Entardece,
ensandece a cidade,
todas as sextas-feiras treze
do novo milénio.
Valha-nos as cruzes, canhoto,
contra o mau olhado.
E vade retro, Cronos,
que, depois de devorares os teus filhos,
hás de devorar-te a ti próprio!
E quem tem bula come
carne,
não precisa de engenho e arte,
diz o cristão, velho e relho.
Mas é amarga a ostra,
e mortal a ameijoa
com que os pobres matam a sua fome.
Afogas-te em absinto,
bebida antiga de poeta,
depois de teres mandado cortar
as copas dos pinheiros bravos
por te taparem
a linha perdida do horizonte.
Mas já não há horizonte,
querida,
nem rosas nem cravos,
quebrada que foi a linha da vida.
Sem ajuda do Google Earth,
à vista desarmada,
encontras aqui o teu lugar,
definitivamente provisório,
provisoriamente definitivo,
porque sabes que é tão irrisório
partir como absurdo ficar,
para quem da vida é fugitivo.
Sentas-te numa esplanada
na doca de Belém,
com vista de mar:
─ Foi você que pediu uma Kalash ? ─
pergunta-te um dos sem-abrigo,
antigos estivadores e fragateiros,
pescadores e marinheiros,
agora tristes desempregados de mesa,
predadores à espera de presa.
Estão ali simplesmente à coca do turista.
─ Não, obrigado, amigo,
mas não me faltava a vontade…
─ Temos as melhores Kalash da cidade,
das originais e das contrafeitas…
É só puxar a culatra
e meter uma bala na câmara,
Para que haveria eu de querer uma arma,
essa é boa!,
se não tenho licença… para matar?!
Mal por mal,
protestas contra o autocrata,
metes uma baixa psiquiátrica,
e pedes uma azeitona ou uma tâmara
e um copo… de cicuta,
enquanto o sol se põe em Lisboa!...
Lisboa, beira Tejo, fev 2015
Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > Uma Kalash, capturada ao PAIGC...
Foto do álbum fotográfico do nosso camarada Manuel Caldeira Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68).
Foto: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
________________________
Nota do editor:
Último poste da série > 28 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14308: Manuscrito(s) (Luís Graça) (47): Quem em caça, política, guerra e amores se meter, não sairá quando quiser...
Sobre a Kalash e a Kalashnikovmania, vd. entre outros os postes de:
25 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7335: Kalashnikovmania (5): Passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3 (Mário Dias)
Nota do editor:
Último poste da série > 28 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14308: Manuscrito(s) (Luís Graça) (47): Quem em caça, política, guerra e amores se meter, não sairá quando quiser...
Sobre a Kalash e a Kalashnikovmania, vd. entre outros os postes de:
25 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7335: Kalashnikovmania (5): Passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3 (Mário Dias)
17 de janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2445: Em louvor da G3, no duelo com a AK47 (Mário Dias)
17 de maio de 2005 > Guiné 63/74 - P20: Foi você que pediu uma kalash ? (David Guimarães)