quinta-feira, 29 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22151: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte I: Tallinn, Estónia (2012)


Foto nº 1 > Estónia >Tallinn > Centro histórico: praça Raekoj, do séc. XI.



Foto nº 2 > Estónia > Tallinn > Centro histórico


Foto nº 3 > Estónia > Tallinn > Centro histórico >  A igreja de Oliveste


1. Mensagem de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: escritor e docente universitário, epecialista em língua, literatura e história da China; natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos dessa união, João e Pedro; membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem 270 referências no blogue]

Data - terça, 27/04, 20:02
Assunto - Publicação de minitextos



Meu caro Luís

Talvez já tenhas visto no meu Facebook uns textozinhos que recentemente tenho publicado sobre lugares do mundo que tenho visitado, ao longo de cinco décadas de viagens pelo mundo. Acho que têm alguma originalidade e qualidade literária.

O que te tenho a propôr é publicar alguns deles no blogue. Acho que encaixam. Seguem dois, um sobre Tallinn, na Letónia, de 2012, e outro sobre Buenos Aires, de 2020, ainda inédito.

Procuro que as fotos sejam sempre minhas (na Argentina, por exemplo), mas às vezes tenho de recorrer à Net.
Espero que não haja problemas, com a publicação de algumas dessas fotos no blogue.

Diz-me qualquer coisa.

Abraço e saúde, estamos na força da vida, não pode haver achaque que nos faça recuar. António


2. Resposta do editor Luís Graça, na volta do correio:

Obrigado, António, nada como um ombro amigo!... Dá-me uma sugestão para um título, chamativo, da tua nova série...Temos a série "Os nossos seres, saberes e lazeres", mas é muito generalista... Se me garantires no mínimo 6 postes, faço uma série com o teu nome, exclusivemente tua, como outras anteriores:

(i) Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74)

(ii) Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira & António Graça de Abreu)

(iii) Os nossos seres, saberes e lazeres: excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu)

(iv) Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu)

Depois destes 14 meses de "clausura", sabe bem viajar por esse mundo fora...

Tu tens 270 referências no nosso blogue, não te esqueças que és "senador" da Tabanca Grande, entraste em 2007 (*)

Quando quiseres (e eu tiver tempo livre...) , envio-te a lista dos 270 postes em que vem a referência "António Graça de Abreu"...

Espero ficar com mais tempo para o blogue, depois de acabar, na quinta feira, as minhas 28 sessões de radioterapia externa à próstata (carcinoma da próstata de grau 3, numa escala de gravidade de 1 a 5, com um bom prognóstico)... Mas até ao fim de semana publico o teu primeiro poste: uma cidade por poste, gosto dos teus "olhares"... Temos uma série "Memória dos lugares" , mas tem sido dedicada sobretudo à Guiné...

Um abraço fraterno, Luís

3. Resposta do António Graça de Abreu, com data de 28 do corrente:

Obrigado, Luís, pela tua disponibilidade em publicar estes pequenos retratos das minhas muitas andanças pelo mundo, depois da Guiné. Tenho muitos para enviar.

Podes-lhe chamar, "Depois da Guiné, no Espelho do Mundo." [Sugestão do editor: Depois de Canchungo,  Mansoa e Cufar, 1972/74".. Evita-se assim, repetir o topónimo "Guiné" no título do poste]

Forte abraço, António.

4. Série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo > Parte I: Tallinn, Estónia (2012)

Não chego nas barcas vikings de outrora, nem nos veleiros vetustos dos mercadores das ligas hanseáticas, navegando por mares a norte, por enseadas e reentrâncias bálticas. Venho a direito, desde Estocolmo, por águas plácidas, levemente azuis. 

O meu pequeno navio entretém-se lançando a âncora quase no centro de Tallinn, no âmago da cidade histórica. Temos as muralhas, tudo circundando, as torres da Pátria, das Freiras, da Donzela ou dos Monges. Um jogo de peças quase perfeitas, encaixando umas nas outras, no pleno vazio do tempo.

Atravesso a praça Raekoj, do século XI [Foto nº 1[, chego à igreja de Oliveste, uma torre com 159 metros de altura, tão alta, tão alta que, há quinhentos anos atrás, era a mais elevada construção levantada da terra pela mão dos homens. [Foto nº 3].

Os russos, ocupantes, partiram, há três ou quatro décadas e hoje, ninguém os quer recordar. Levaram com eles o comunismo, princípios e práticas que, tal como o nazismo, acabaram por ser proibidos neste pequeno país.

Livre, abanco ao acaso num tasco letão, num recanto do centro do burgo, entre turistas de passagem e jovens bonitos borboleteando por esta Europa do norte.

Trazem-me uma cerveja de mel para açucarar a tarde. Doce Tallinn. [Foto nº 2]

[Texto e fotos do António Graça de Abreu, enviados em 27/4/2021]

__________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22150: Parabéns a você (1957): Giselda Pessoa, ex-Sarg Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Bissau, 1974/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 27 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22144: Parabéns a você (1956): Belmiro Tavares, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e Cor Inf DFA Ref Hugo Guerra, ex-Alf Mil Inf, CMDT dos Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22149: Efemérides (348): Um discurso para a História ? Mais do que isso: um discurso sobre a nossa história e a nossa identidade, o do Presidente da República Portuguesa nos 47 anos do 25 de Abril... Para ler, reler, analisar e comentar... (Luís Graça, editor)


Portugal > Assembleia da República > 25 de abril de 2021 > O Presidente da República Portuguesa  Marcelo Rebelo de Sousa, no seu discurso solone de encerramento, por ocasião dos 47 anos do 25 de Abril.

Foto: Página oficial da Presidência da República Portuguesa (com a devida vénia...)



1. A intervenção do Presidente da República Portuguesa [PRP], Marcelo Rebelo de Sousa, na Assembleia da República, por ocasião dos 47 anos do 25 de Abril, mereceu  um amplo e justo eco na sociedade civil, na classe política, na comunicação social.... E tem sido comentado como um dos melhores discursos da sua carreira. 

Mais do que o unamismo, importa realçar o seu apelo a um consenso na leitura histórica não só da "revolução dos cravos" como de todos os seus antecedentes, imediatos e mediatos.  60 anos não é nada para se poder compreender e explicar como é que que em 1974 Portugal iniciou um processo de  tão profundas (e também dolorosas) mudanças políticas, económicas, militares, demográficas, sociais, mentais, culturais e geográficas, voltando às suas fronteiras (terrestres e marítimas) do séc. XIV, depois dos 13 anos e tal da guerra colonial / guerra do ultramar.

Mais do que um discurso para a História, é, no nosso entender,  uma discurso  sobre a nossa história e a nossa identidade,  sobre Portugal enquanto Nação, Estado e Pátria, e que merece ser lido, relido, analisado e comentado num blogue como o nosso, de amigos e camaradas da Guiné, antigos combatentes, para quem a Pátria tem sido madrasta...

Não é um discurso neutro, muito menos "populista", pelo contrário, é também uma proposta de afectos, um discurso, liberto da tradicional ganga ideológica ou do tom panfletário do discurso político, à esquerda ou à direita... Um discurso que também não é meramente institucional, tem um propósito pedagógico, em que se arrisca e se partilha uma visão sinótica do nosso porvir e devir enquanto portugueses, no que temos de melhor, de bom e de menos bom (, de resto, como todos os povos). Nunca, em caso algum, um discurso maniqueísta, separando bons e maus, esquerda e direita, vencedores e vencidos, "nós e os outros"... Intecionalmente ou não, o PRP evitou os "ismos" que não nos unem, só nos separam...

É ainda um discurso que faz bem à nossa autoestima depois de um mais ano, duro, difícil, doloroso, trágico, de luta contra a pandemia de Covid-19. E contra uma certa tendência das nossas elites (, que o povo depois replica) para, a torto e a direito, com ou sem razão, se invocar aquilo que chamam a nossa "pecha nacional", a nosso "transtormo bipolar coletivo",  que, depois de Alcácer Quibir, nos tem  levado, como diz o PRP, a periodos de autoflagelação, por um lado, ou de autoglorificação,  por outro... Na realidade, parece termos gozo em passar, muito rapidamente,  "de bestiais a bestas" e vice-versa....

Enfim, é  um discurso de inclusão, de tolerância, de reconciliação (connosco, com os outros povos lusófonos, irmãos, com a nossa História comum...), e de esperança, ao fim e ao cabo, no Portugal futuro (, como diria o poeta Ruy Belo).

Embora podendo incorrer na acusação de violação  de uma das nossas regras editoriais básicas (, o blogue não se deve imiscuir na atulidade noticiosa, e mormemente em questões de política partidária, religião proselitista e clubismo desportivo), achamos que este discurso está para além da efeméride e do efémero, devendo chegar ao conhecimento do maior número dos nossos leitores e, se possível, ser amplamente comentado. 

Na realidade, o PRP não se limita a evocar aqui os "shareholders" (os atores pincipais do 25 de Abril e da descolonização) mas todos os "stakeholders" (todos os que, direta ou indiretamente, foram afectados, positiva ou negativamente pelos acontecimentos de há 60 anos): não só os combatentes de um lado e do outro, mas também todas as vítimas do(s) conflito(s), dos retornados aos povos das ex-colónias que se viram depois envolvidos em guerras civis  e invasões estrangeiras (em especial Angola, Guiné, Moçambique e Timor), em esquecer os que "alinharam no lado errado da história", os nossos camaradas africanos que integraram as fileiras das Forças Armadas Portugueses [mais de 400 mil num milhão de homens em armas], e que foram esquecidos e abandonados por uns, e condenados por outros.

Para tornar a  leitura do discurso mais fácil, vamos intercalá-lo com subtítulos e comentários da nossa lavra, em negrito,  metidos em parêntes rectos [  ]. O discurso do PRP vai em itálico. Algumas palavras e frases  também vão simulataneamente em itálico e negrito. Os substítulos estão alinnhados ao centro, os nossos comentários à direita. (LG)


Discurso do Presidente da República na Sessão Solene Comemorativa do 47.º aniversário do 25 de Abril 

25 de abril de 2021

(...) Portugueses,

 
[15 de março de 1961: o início da guerra do ultramar / guerra colonial]

Passaram, há um mês, sessenta anos sobre o início de um tempo que haveria de anteceder e determinar a data de hoje, aquela que aqui evocamos, 25 de Abril de 74.

Um tempo feito de vários tempos e modos que para sempre marcou a vida de mais de um milhão de jovens saídos das suas terras para atravessarem mares e viverem e morrerem noutro continente ou dele regressarem alguns com traços indeléveis na sua saúde.

Que para sempre marcou a vida das suas famílias, dos seus lugares, das suas aldeias, das suas vilas e mesmo das suas cidades, no fundo de todo um Portugal durante treze anos ou um pouco mais.

Que para sempre marcou a vida daqueles que, por opção de princípio, recusaram aquela partida e rumaram a outros destinos continuando ou iniciando uma luta contra o que estava e queria permanecer. 

[Referêna a exilados políticos e militantes da(s) oposição(ões)
 ao Estado Novo ,  mas também faltosos, refractários, desertores 
das Forças Armadas Portuguesas]

Que para sempre marcou a vida dos que já lá vivendo idos eles ou os seus antepassados de terras daquém mar de lá vieram, no termo desses longos anos, ou lá ficaram e estão para ficar.

[Referências aos habitantes das colónias/províncias ultramarinas, 
essencialmente de origem europeia, que, na sua grande maioria, 
perto de um milhão, tiveram que refazer as suas vidas, noutros territórios: 
Portugal Continental e Insular, Brasil, Africa do Sul, Venezuela, etc.]

Que para sempre marcou a vida dos que viveram e morreram do outro lado da trincheira para conquistarem o que alcançaram definitivamente depois do 25 de Abril de 74.

[Referência aos militantes e simpatisantes 
dos movimentos nacionalistas - PAIGC, FLING, MPLA, 
UPA, FNLA,  UNITA, FRELIMO, RENAMO, FRETILIN, etc., 
que lutaram e morreram no conflito.]


Que para sempre marcou a vida de famílias, de lugares, de aldeias, de vilas e mesmo de cidades de Pátrias afirmadas como Estados independentes após treze anos ou um pouco mais de um tempo ainda não tão vizinho de nós e todavia já tão longínquo para tantas gerações.


[Império Colonial Português: dos "Descobrimentos" ao "Colonialismo"]


Que não foi um tempo desprendido de outros tempos. Foi o que foi porque as décadas que o precederam, o século que o precedeu, os cinco séculos que o precederam criaram ou prolongaram contextos que o haveriam de definir e condicionar.

E por isso é tão difícil dir-se-ia até impossível explicar qualquer que seja a visão de cada qual esses treze anos ou um pouco mais sem falar do Portugal dos anos 20 aos anos 70; do Portugal do final do século XIX aos anos 20; do Portugal dos vários pequenos ciclos de que se fizeram o Império Colonial e as relações coloniais nele vividas.

[Olhares: os de hoje e os do passado]

Olhar com os olhos de hoje e tentar olhar com os olhos do passado que as mais das vezes não nos é fácil entender sabendo que outros, ainda, nos olharão no futuro de forma diversa dos nossos olhos de hoje.

Acreditando muitos, nos quais me incluo, que há no olhar de hoje uma densidade personalista, isto é, isto é de respeito da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos, na condenação da escravatura e do esclavagismo, na recusa do racismo e das demais xenofobias que se foi apurando e enriquecendo, representando um avanço cultural e civilizacional irreversível.

Acreditando muitos, nos quais também me incluo, que o olhar de hoje não era nas mais das vezes o olhar desses outros tempos.

O que obriga a uma missão ingrata: a de julgar o passado com os olhos de hoje, sem exigir, nalgumas situações, aos que viveram esse passado que pudessem antecipar valores ou o seu entendimento para nós agora tidos por evidentes, intemporais e universais, sobretudo se não adotados nas sociedades mais avançadas de então.

Se esta faina é ingrata para séculos remotos que não se pense que ela é desprovida de dificuldades para tempos bem mais recentes
.

[Colonialismo: o continente africano dividido a régua e esquadro]

Continua a ser complexo entendermos tantos olhares do fim do século XIX quando os impérios esquartejaram a régua e esquadro o continente africano ou do começo do século XX quando o império monárquico passou a império republicanos.

[Referência à conferência de Berlim, de 1884-86
e à divisão e partilha de África 
pelas principais potências europeias]


Mais óbvio é pelo contrário o juízo sobre o passado ainda mais recente quando outros impérios terminaram e o império português retardou, por décadas, o processo descolonizador, recusando-se a ouvir conselhos da História e apenas extinguindo o indigenato nos anos 60, ou seja, uma dúzia de anos antes de 74.

[Referência  às reformas feitas no Estado Novo, 
no que diz respeito à adminuistração colonial, 
nomeadamente a partir de 1951, 
e culminado na abolição do estatuto do indígena, 
com Adriano Moreira, em 1961]


[Revisitar a história, com recauções: 
a 1ª precaução: nem santificação nem diabolização]


Este revisitar da história aconselha algumas precauções. A primeira é de não levarmos as consequências do olhar de hoje, sobre os olhares de há 8,7,6,5,4,3, 2 séculos ao ponto de passarmos de um culto acrítico triunfalista exclusivamente glorioso da nossa história, para uma demolição global e igualmente acrítica de toda ela, mesmo que a que a vários títulos é sublinhada noutras latitudes e longitudes.

Monarcas absolutos e portanto ditatoriais aos olhos de hoje, e foram a maioria, seriam globalmente condenados independentemente do seu papel na Fundação, na unificação territorial, na Restauração, na diplomacia europeia intercontinental.

Com monarcas e governantes no liberalismo, que os houve, prospetivos na história que fizeram ou refizeram no século XIX às vezes com a singularidade improvável de um Príncipe Regente no Brasil, filho primogénito do nosso Rei, que declarou a independência dessa potência do presente e do futuro sendo o seu primeiro Imperador e vindo a lutar pela liberdade e a morrer em Portugal, no mesmo quarto onde nascera trinta e cinco anos duas coroas e uma independência antes. Ou personalidades do liberalismo republicano importantes no centro ou na periferia do Império como Norton de Matos.

[Referência a figuras relevantes na história da colonização portuguesa 
como D. Pedro IV filho de D. João VI,  ou o gen Norton de Matos, 
político da República demoliberal e colonial, mas poderiam citar-se outros 
que foram  dissidentes do Estado Novo, como o gen Humberto Delgado 
ou o capitão Henrique Galvão ]


[2ª Precaução: 
adotar também o olhar do "outro", o "colonizado"]

Segunda precaução: é de aprendermos a olhar, em particular quanto ao passado mais imediato, com os olhos que não são os nossos, os do antigo colonizador, mas os olhos dos antigos colonizados, tentando descobrir e compreender, tanto quanto nos seja possível, como eles nos foram vendo e julgando, e sofrendo, nomeadamente onde e quando as relações se tornaram mais intensas e duradouras e delas pode haver o correspondente e impressivo testemunho.

[3ª Precaução: 
o desfasamento geracional]

Terceira precaução: essa a mais sensível de todas por respeitar a tempos muito, muito presentes nas nossas vidas. 

Aqueles de nós portugueses que têm menos de 50 anos não conheceram o Império colonial nem nas lonjuras nem na vivência, aqui, no centro. O seu juízo é naturalmente menos emocional, menos apaixonado. Admito que assim não seja, porém, em muitos jovens das sociedades que alcançaram a independência contra o Império Português e viveram depois décadas conturbadas pelos reflexos de vária natureza da anterior situação colonial.

Já para os portugueses com mais de 50 ou 55 anos o revisitarem a infância ou a juventude é mais desafiante. É uma mistura de recordações, de novos mundos descobertos, de desenraizamentos ou novos enraizamentos, de primeira desertificação do interior do Continente, de migrações e muitas mais imigrações, de transformações pessoais, familiares, comunitárias, de mortes choradas, de sinais na saúde e na vida, de traumas os mais diversos e em momentos diferentes por aquilo que sonharam e se fez, por aquilo que sonharam e se desfez, pelo que sofreram e ficou, pelo que esperaram aguentaram e sentem nunca ter tido reconhecimento bastante.


[Dos 3 DDD do 25 de Abril à atual Pandemia de Covid-19]

Para todos eles e muitos mais o juízo é tão complexo como complexa foi a mudança histórica que neste dia evocamos, na sua abertura para a Descolonização, para o Desenvolvimento, para a Liberdade, para a Democracia. Desenvolvimento, Liberdade e Democracia, sabemo-lo todos, sempre foram imperfeitos e por isso não plenos. Porque nunca tendo resolvido uma pobreza estrutural de dois milhões de portugueses e desigualdades pessoais e territoriais, e desinstitucionalizações, que aqui referi em 2016 e 2018, que a pandemia veio revelar e acentuar.

[25 de Abril de 1974; a complexidade e perplexidade da mudança histórica]

Mas foi complexa essa mudança histórica em 74. Fruto da resistência de muitas e muitos durante meio século com os seus lseguidores políticos sentados neste hemiciclo. Ela ganhou o seu tempo e o seu modo decisivos no gesto essencial dos Capitães de Abril, aqui qualificadamente representados pela Associação 25 de Abril e que saúdo, reconhecido, em nome de todos os portugueses. 

Esses Capitães de Abril não vieram de outras galáxias, nem de outras nações, nem surgiram num ápice naquela madrugada para fazerem história. Transportavam consigo já a sua história, as suas comissões em África, uma, duas, três, alguns quatro, anos seguidos nas nossas Forças Armadas, tendo de optar todos os dias entre cumprir ou questionar, entre acreditar num futuro querido ou que outros definiam ou não acreditar, entre aceitar ou a partir de certo instante romper, tudo em situações em que a linha que separa o viver e morrer é muito ténue apesar dos princípios, das regras, dos ditames escritos por políticos e juristas em gabinetes, que não são os cenários em que a coragem se soma à sobrevivência e à solidariedade na camaradagem. Pois foram estes homens, eles mesmos, não outros, os heróis naquela madrugada do 25 de Abril.

Como haviam sido eles e muitos, muitos mais os combatentes ano após ano nas longínquas fronteiras do Império. Como foram eles quem acabou por aceitar para símbolos públicos face visível da mudança oficiais mais antigos encimados pelos que haveriam de ser os dois primeiros Presidentes da República na transição para a Democracia. Que não eram, não tinham sido militares de alcatifa. Tinham sido grandes chefes militares no terreno e nele responsáveis por anos de combate, de coordenação com serviços de informação e de atuação anti guerrilha, de proximidade das populações.

[Referência a Spínola e Costa Gomes, 
dois brilhantes combatenetes, 
que foram os primeiros PRP da transição para a Democracia, 
sem esquecer depois o primeiro presidente eleito, 
António Ramalho Eanes, que significativa e simbolicamente 
recusou o bastão de Marechal]

Foi assim aquele dia 25 de Abril antes de suscitar o Processo Popular Revolucionário que o seguiu e apoiou. Antes de ser hoje património nacional em que o seu único soberano é o povo português.

Foi no seu eclodir resultado de décadas de resistência e depois crucialmente grito de revolta de militares que tinham dado anos das suas vidas à Pátria no campo de luta e que sentiam estar a combater sem futuro político visível ou viável presididos eles, e todos nós, por dois Chefes Militares um após outro que tinham conhecido intensa e prolongadamente o que é a guerra de guerrilha em missões militares e cargos politico ou militares os mais relevantes.

Eis por que razão é tão justo galardoar os Militares de Abril tendo merecido já uma homenagem muito especial aquele, de entre eles, que depois de ter estado no terreno veio a ser peça chave na mudança de regime e primeiro Presidente da República eleito da democracia portuguesa, e que sempre recusou o Marechalato que merecia e merece, o Presidente António Ramalho Eanes.

Eis também porque é tão difícil o juízo sobre uma história tão recente salvo naquilo que é de mais óbvio consenso: o consenso naquilo em que o Império não entendeu o tempo que o condenara. A ditadura não podia entender o tempo que a tinha condenado de forma irrefragável e ainda mais evidente a partir de 58 e da saga de Humberto Delgado e a relação colonial não conseguira entender a raiz da inevitabilidade da sua inconsequência.


[Prioridades: (re)pensar passado, presente e futuro]


Estas reflexões são atuais porque nada como o 25 de Abril para repensar o nosso passado quando o nosso presente ainda é tão duro e o nosso futuro é tão urgente.

E ainda porque a cada passo pode ressurgir a tentação de converter esse repensar do passado em argumento de mera movimentação tática ou estratégica num tempo que ainda é será de crise na vida e na saúde e de crise económica e social encaremos com lúcida serenidade o que pode agitar o confronto político conjuntural, mas não corresponde ao que é prioritário para os portugueses. E além de não ser prioritário nestes dias de crises é duvidoso que o seja alguma vez.

É prioritário estudar o passado e nele dissecar tudo: o que houve de bom e o que houve de mau. É prioritário assumir tudo, todo esse passado, sem autojustificações ou autocontemplações globais indevidas, nem autoflagelações globais excessivas.


E no caso do passado mais recente assumir a justiça largamente por fazer ao mais de um milhão de portugueses que serviram pelas armas o que entendiam ou lhes faziam entender constituir o interesse nacional. Aos outros milhões que cá ou lá viveram a mesma odisseia. Aos milhões que lá e cá a viveram do outro lado da história combatendo o Império colonial português batendo-se pelas suas causas nacionais ou a viveram do mesmo lado, mas ficaram esquecidos, abandonados por quem regressou e condenados por quem nunca lhes perdoou o terem alinhado com o oponente.

Aos muitos, e eram quase um milhão, que chegaram rigorosamente sem nada depois de terem projetado uma vida que era ou se tornou impossível. Aos muitos, e eram milhões, que sofreram nas suas novas Pátrias conflitos internos herdados da colonização ou dos termos da descolonização.

Até por respeito para com todas estas e a todos estes, que se faça história e história da História, que se retire lições de uma e de outra sem temores nem complexos, com a natural diversidade de juízos, própria da democracia. Mas que se não transforme o que liberta, e toda a revisitação o mais serena possível e liberta ou deve libertar em mera prisão de sentimentos, úteis para campanhas de certos instantes, mas não úteis para a compreensão do passado a pensar no presente e no futuro.

[O MFA e a CPLP: entender o essencial que nos une]

O 25 de Abril foi feito para libertar, sem esquecer nem esconder, mas para libertar e os que o fizeram souberam superar muitas das suas divisões durante a Revolução e depois dela a pensar na unidade essencial da mesma Pátria tomando os termos simplificadores desses tempos sensibilidades diferentes no Movimento das Forças Aramadas que se chocaram então, não deixaram de entender depois que a unidade essencial de uma rutura depois feita Revolução ela própria composta de várias revoluções tudo o mais sobrepuja. Nações irmãs na língua têm sabido encontrar-se connosco e nós com elas e têm sabido julgar um percurso comum olhando para o futuro ultrapassando séculos de dominação política, económica, social, cultural e humana.


[2024: meio século do 25 de Abril]

Que os anos que faltam até ao meio século do 25 de Abril sirvam a todos nós para trilharmos um tal caminho como a maioria dos portugueses o tem feito nas décadas volvidas fazendo de cada dia um passo mais no assumir as glórias que nos honram e os fracassos pelos quais nos responsabilizamos, e bem assim no construir hoje coesões e inclusões e no combater hoje intolerâncias pessoais ou sociais.

Quem vos apela a isso mesmo é o filho de um governante na Ditadura e no Império, que viveu na que apelida de sua segunda Pátria o ocaso tardio inexorável desse Império, e viveu depois, como constituinte, o arranque do novo tempo democrática. Charneira como milhões de portugueses, entre duas histórias da mesma História e nem por exercer a função que exerce olvida ou apaga a história que testemunhou. Como nem por ter testemunhando essa história deixou de ser eleito e reeleito pelos portugueses em democracia. Democracia que ajudou a consagrar na Constituição que há 45 anos nos rege.

[A humildade e acoragem de assumir o seu lugar no passado e no presente, 
por parte do atual PRP que, nascido em 1948, viveu parte da juventude 
em Moçambique  quando o pai, o médico Baltazar Rebelo de Sousa (1921-2002), 
foi lá Governador Geral, em 1968/70,  
e homem forte do regime, no consulado de Marcelo Caetano: 
ministro da Saúde e Assistência, em 1970/73, 
e depois Ministro do Ultramar, 1973/74 ]


Que o 25 de Abril viva sempre, como gesto libertador e refundador da história. Que saibamos fazer dessa nossa história lição de presente e de futuro, sem álibis nem omissões, mas sem apoucamentos injustificados querendo muito mais e muito melhor.

Não há, nunca houve um Portugal perfeito. Como não há, nunca houve um Portugal condenado.

Houve, há e haverá sempre um só Portugal. Um Portugal que amamos e nos orgulhamos para além dos seus claros e escuros também porque é nosso.

Nós somos esse Portugal.

Viva o 25 de Abril!

Viva Portugal!
__________

Fonte: 

https://www.presidencia.pt/atualidade/toda-a-atualidade/2021/04/discurso-do-presidente-da-republica-na-sessao-solene-comemorativa-do-47-o-aniversario-do-25-de-abril/ 

[Seleção, revisão, substítulos, comentários, itálicos e negritos, para efeitos de edição neste blogue: LG, com a devida vénia...]

__________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22148: Efemérides (347): AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã, evoca os 47 anos da revolução do 25 de Abril e o final da Guerra Colonial (Jaime Silva, ex-alf mil, pqdt, BCP 21, ANGOLA, 1970/72)

O nosso  amigo e camarada Jaime [Bonifácio Marques da] Silva, natural de 
(e residente em) Lourinhã,  professor de educação física, aposemtado, 
e ex-autarca em Fafe, é membo da AVECO e da nossa Tabanca Grande;  
tem  mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue.


AVECO evoca os 47 anos da revolução do 25 de abril 
e o final da Guerra Colonial,

por Jaime Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72)


No dia 25 de abril 2021, pelas dez horas da manhã, um grupo de combatentes da Lourinhã comemorou os 47 anos da revolução de Abril e o final da Guerra Colonial.

O ato simbólico foi realizado junto ao monumento erguido em memória dos combatentes mortos na Guerra Colonial do concelho da Lourinhã, ato restrito a cerca de meia dezena de combatentes e alguns familiares, em virtude das restrições sanitárias impostas pelas DGS.

Usaram da palavra o Presidente da AVECO, Fernando Castro,  e Jaime Silva, ambos alferes milicianos que cumpriram uma comissão de serviço obrigatório em Angola.

No momento, foi realçada, não só a importância e o papel fundamental dos militares de Abril no derrube da ditadura e na implantação da democracia em Portugal, mas também reforçar como a revolução de Abril nos permite hoje, viver numa sociedade mais justa, aberta e desenvolvida, apesar das desigualdades sociais, particularmente para os mais pobres no acesso à saúde, educação, trabalho, cultura, desporto e lazer!

Mais ainda, foi relembrado como naquele tempo de ditadura a grande maioria da população do concelho vivia numa pobreza extrema a diversos níveis, por exemplo: os homens trabalhavam de sol a sol no campo, sem qualquer regalia ou apoio social; a jorna e a força dos braços era a única forma de sustento da família, sempre numerosa; os homens só ganhavam a jorna quando trabalhavam no campo e os invernos pareciam muito longos e chuvosos com largos períodos sem trabalho e sem “o pão para a boca” (como se dizia).


Lourinhã > Largo António Granjo > Monumento aos Combatentes do Ultramar >  2014 > Aspeto parcial do monumento, inaugurado em 2005

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Ouvia-se muitas vezes as mulheres da aldeia dizer, quando falavam umas com as outras a lavar a roupa no rio:

- O “meu” já vai para um mês que só trabalhou três quartéis. Como é que a gente pode viver assim? Olha, vai para o “rol” da mercearia. O pior, é que, quando vendermos a seara, o ganho fica todo lá. Como é que os pobres podem levantar a cabeça! Estamos condenados!

Foi evocada a frase comum dos mais velhos quando perante a adversidade diziam: “o que é preciso é ter saúde e sorte, que Deus não dá tudo”, tal o estado de resignação da gente desafortunada!

 Na minha intervenção lembrei também, a propósito da atual crise provocada pela Covid - 19 que, por volta do ano de 1955, quando andava na escola, houve no concelho um surto de varíola (“bexigas doidas”, como era designado pelo povo). 

No Seixal, a minha aldeia, foi uma “arrazia”. Ocorreu até um episódio em que um dia o delegado de saúde do concelho da Lourinhã, Dr. José Carvalho, ali se deslocou para consultar uma criança nossa colega de escola, chamado pelo pai que era pescador e como pertencia ao sindicato dos pescadores, era o único que tinha direito a consulta médica para a filha. 

Entretanto uma mulher que, mal viu o médico entrar na casa do nosso vizinho, alertou as outras mães para a sua presença e mal o Dr. Carvalho ultrapassou a soleira da porta, foi confrontado com este alarido todo. Não teve outro remédio de, mesmo ali, e em plena rua, observar o estado das outras crianças, todas, já, em tronco nu. Eu fui uma delas! O médico foi embora… e as nossas mães lá nos continuaram a tratar com o único e milagroso remédio (o mercúrio crómio) que tinham às mãos para curar as “bexigas doidas”.

A segunda parte da cerimónia os combatentes evocaram o fim da Guerra Colonial e os seus longos e pesados treze anos de duração. Recordaram que mais de um milhão de portugueses foram mobilizados para combater em África e cujas consequências se saldou em mais de oito mil mortes, cento e vinte mil feridos, quatro mil estropiados e, estima-se que, cerca de cem mil combatentes ficaram a sofrer de stress pós traumático de guerra.

 Lembraram e nomearam todos os jovens do concelho da Lourinhã que tombaram durante a Guerra,  em Angola (9), na Guiné (6) e em Moçambique (5) e recordou-se, particularmente, o 1.º combatente da Lourinhã a morrer na guerra em consequência dos ferimentos que recebeu em combate. 

Trata-se do Soldado Atirador Joaquim Alexandre Neto Martins, natural dos Casais de Porto Dinheiro em 12.6.1961. Pertencia à Companhia de Caçadores n.º 105 do Batalhão de Caçadores n.º 96. Foi mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 7 em Leiria. Faleceu no Hospital Central de Luanda,  vítima de ferimentos em combate. Ficou sepultado no cemitério Novo de Luanda, uma vez que a “Pátria”, nessa altura, não suportava as despesas com a trasladação dos corpos, cabendo às famílias suportar esses custos.

A cerimónia encerrou com a colocação de uma coroa de flores junto ao Monumento e com a leitura de um poema de Manuel Alegre que cumpriu uma comissão de serviço como Alferes Miliciano no Norte de Angola e cuja mensagem traduz de uma forma sublime o que cada um de nós, combatentes em Angola, Guiné ou Moçambique, sentíamos naquele “tempo de combate”.

 "Nambuangongo meu amor” 

[por Manuel Alegre]


“Em Nambuangongo tu não viste nada
não viste nada nesse dia longo longo
a cabeça cortada
e a flor bombardeada
tu não viste nada em Nambuangongo.

Falavas de Hiroxima tu que nunca viste
em cada homem um morto que não morre.
Sim nós sabemos Hiroxima é triste
mas ouve em Nambuangongo existe
em cada homem um rio que não corre

Em Nambuangongo o tempo cabe num minuto
em Nambuangongo a gente lembra a gente esquece
em Nambuangongo olhei a morte e fiquei nu. Tu
não sabes mas eu digo-te: dói muito.
Em Nambuangongo há gente que apodrece

Em Nambuangongo a gente pensa que não volta
cada carta é um adeus em cada carta se morre
cada carta é um silêncio e uma revolta.
Em Lisboa na mesma isto é a vida corre.
E em Nambuangongo a gente pensa que não volta

É justo que me fales de Hiroxima.
Porém tu nada sabes deste tempo longo longo
tempo exatamente em cima
do nosso tempo. Ai tempo onde a palavra vida rima
com a palavra morte em Nambuangongo” 
(e, acrescentaria eu, em Mueda, Guileje ou Gadamael).

Lourinhã, 27 de abril 2021

Jaime Silva


CONCELHO DA LOURINHÃ
RELAÇÃO DOS COMBATENTES FALECIDOS NA GUERRA DO ULTRAMAR
ANGOLA

NOMES
POSTO
FREGUESIA
FALECIMENTO
Joaquim Alexandre Neto Martins
Soldado
Ribamar/C.P. Dinheiro
12.06.1961
João Cláudio Fernandes
Soldado
Atalaia
05.07.1963
Leonel Lourenço dos Santos
Soldado
Marteleira
10.08.1963
João António Fonseca Martins
Soldado
Lourinhã
14.01.1964
Joaquim Domingos Santos Oliveira
Soldado
Reguengo Grande
24.05. 1964
Frutuoso Brás Ferreira
1.º Cabo
Reguengo Grande
30.08.1964
João dos Santos Correia
Soldado
Pena Seca
07.07 1970
Arsénio Bonifácio da Silva
Soldado
Seixal
04.09.1972
Henrique Luís Rodrigues
Soldado
Pena Seca
01.03.1973

MOÇAMBIQUE

NOMES
POSTO
FREGUESIA
FALECIMENTO
Manuel Filipe Henriques
1.º Cabo
Casal das Barrocas
02.10.1967
Henrique Lino Antunes Marques
Furriel
Marteleira
07.02.1968
Avelino augusto Corado
Soldado
Paço
30.10.1969
Jorge Maceira Santos
Soldado
Reguengo Grande
26.09.1970
Israel António Onofre
Alferes
Moita dos Ferreiros
11.01.1972

GUINÉ

NOMES
POSTO
FREGUESIA
FALECIMENTO
José António Canôa Nogueira
Soldado
Lourinhã
23.01.1965
José Henriques Mateus
Soldado
Areia Branca
09.07.1966
Albino Cláudio
Soldado
Ribamar
23.07.1968
Alfredo Manuel Martins Félix
Soldado
Toxofal
26.01.1970
Carlos Alberto Ferreira Martins 
Soldado
Toledo
15.04.1971
José João Marques Agostinho
1.º Cabo
Reguengo Grande
05.05.1973

Fonte: Jaime Silva (2014). vd. poste P13118

 ____________

Nota do editor:

Último poste da série> 25 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22035: Efemérides (346): No Dia Mundial da Árvore, lembrando o castanheiro do Barriguinho a que cheguei fogo involuntariamente (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

Guiné 61/74 - P22147: Historiografia da presença portuguesa em África (260): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Que importância se pode atribuir às descrições do então Tenente do Corpo de Engenharia que terá percorrido com algum cuidado uma Guiné Portuguesa ainda sem fronteiras definidas no final da década de 1830? Traz-nos elementos esclarecedores de uma presença portuguesa em regiões do Litoral, na região dos rios, uma presença sem profundidade no Interior, e já não se fala de estabelecimentos para além do Tombali, veja-se o mapa de 1843. Tudo precário, com compras de negociantes, uma tropa indesejável, padres degredados, os franceses a cercar o Casamansa. Poucos anos depois da publicação desta Corografia Cabo-Verdiana é a vez de Honório Pereira Barreto vir apelar às autoridades em Lisboa para cuidarem da Guiné, uma colónia praticamente reduzida a praças e presídios, e tudo parecia que estava condenada à extinção. Atenda-se a estes documentos da época para melhor se perceber como decorreu a luta pela independência.

Um abraço do
Mário


Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (2)

Mário Beja Santos


José Conrado Carlos de Chelmicki é autor da Corografia Cabo-Verdiana ou Descrição Geográfico-Histórica da Província das Ilhas de Cabo Verde e Guiné, em dois volumes, tendo sido o primeiro publicado em 1841. Este Tenente do Corpo de Engenharia nasceu em Varsóvia, é um jovem quando vem combater pela causa liberal em Portugal, distingue-se pela sua bravura, foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, da Torre e Espada, de Nossa Senhora da Vila Viçosa, igualmente condecorado em Espanha, distintíssimo oficial colocado em vários pontos do país, deve-se-lhe uma obra singular, uma descrição ampla e certamente documentada de uma Guiné que poucos anos depois da publicação do Tomo I é alvo de um documento que vem confirmar o que ele observara na sua digressão numa Guiné sem fronteiras, refiro-me concretamente à Memória da Senegâmbia, de Honório Pereira Barreto.

Recorde-se o que já se escreveu anteriormente. Começa por nos dizer que a Costa da Guiné que nos antigos portugueses abrangia o espaço compreendido entre o Rio de Senegal e a Serra Leoa, começou a ser descoberto depois que Gil Eanes, pelos anos de 1433, dobrou o Cabo Bojador. Dá-nos depois a dimensão do refluxo, dizendo que ainda em 1650, o distrito da Guiné, que pertencia à capitania de Cabo Verde, começava no Rio Sanaga (Senegal), estendendo-se até ao princípio do distrito da Serra Leoa. A sua descrição começa no Rio Casamansa, dizendo que na sua embocadura tem o Ilhéu dos Mosquitos, “agora segundo nos consta ocupado pelos franceses; este rio dista da foz do Gâmbia vinte léguas. No Casamansa fica situado Ziguinchor. Dali até ao Rio de Cacheu, ou de S. Domingos, toda a terra é habitada por Felupes. O Rio de Cacheu tem duas entradas, vinte léguas acima da foz do rio está a Praça de Cacheu. Do Sul, a primeira terra de frente de Bolor é a Mata de Putama, ponta cheia de arvoredo e que é terra de Felupes. Daqui para Bissau há três caminhos, o primeiro entre a terra dos Felupes e Papéis; o segundo, por fora, pelo Canal das Caravelas ou pelo Canal das Âncoras; o terceiro, partindo da Mata de Putama e correndo a terra dos Felupes”.

Fala pormenorizadamente de S. José de Bissau, de várias ilhas dos Bijagós, situa perfeitamente a embocadura do Rio Grande, dizendo que houve povoações e estabelecimentos portugueses de que só restam alguns sinais.
Continuando o percurso, fala do Rio dos Tombalis dizendo que os moradores são Beafadas e que daqui à boca do Rio Nuno são trinta léguas de costa, habitadas por Nalus. Mudando de agulha diz que a Guiné Portuguesa é dividida em dois distritos: o de Bissau e o de Cacheu. O distrito de Cacheu abrange Cacheu, Ziguinchor, Bolor e Farim; terá dois mil habitantes sujeitos ao domínio português, espalhados por todos estes pontos, incluindo 93 soldados que os guarnecem. Ziguinchor situa-se no Rio Casamansa nas terras dos Banhus e tem comunicação pelo interior com o Rio Gâmbia. “Negoceia-se aqui com os gentios Felupes, Cassangas, Banhus e Mandingas, comprando cera, arroz, marfim, couros de vários animais a troco de contas miúdas, ferro, pólvora, alambre (âmbar), cristal e cola”. E logo regista a crescente presença francesa no Casamansa, fazendo notar que no Tratado de Paz celebrado em Paris em 1814 fora reconhecido o Rio de Casamansa como propriedade da Coroa de Portugal, e sugerindo que o Governo devia tomar esta violação em consideração. Descreve Ziguinchor, adiantando que a sua guarnição em 1836 era de nove soldados, admitindo que ao tempo em que escreveu a sua corografia não fosse maior.

Falando de Cacheu, adianta que é cabeça de concelho e distrito do mesmo nome, situada na terra de Papéis e Brames. No princípio era uma feitoria, em que habitaram alguns negociantes portugueses, comprando escravos, cera e marfim dos gentios Papéis. Atualmente, “aquilo que chamam casa-forte não tem de fortaleza senão o ser de pedra e cal”. Quase sempre está Cacheu em guerra com o gentio vizinho, e diz com toda a franqueza que a guarnição é de 74 praças, tanto oficiais como soldados dos piores. O caminho por terra de Cacheu a Ziguinchor era o mais conveniente e cómodo.
Quanto a Bolor, dá a saber que os reis gentios cederam esta ponta à Coroa Portuguesa, é a ponta chamada do Baluarte de Bolor, onde então o Sr. Lopes de Lima, que fez este tratado de aquisição, principiou a formar um estabelecimento, e diz mesmo que antes de chegar a Bolor há ainda à beira-mar duas grandes aldeias, Usol e Jafunco. “Em todas estas partes se cultiva arroz, que pode ser um grande ramo de comércio a troco de ferro, pólvora, tabaco, treçados, missanga, aguardentes, panos, quinquilharias, etc.”. Identifica Farim, dizendo que dista 60 léguas de Cacheu pelo rio de S. Domingos acima, ficando em terra de Mandingas. “Até 1692, era uma simples feitoria de negociantes sujeitos a todas as insolências e maus-tratos dos gentios”. Aqui viviam dois naturais de Santiago, o padre João Cabral e Pereira Simão Vassalo, degredados então pelo bispo D. Frei Vitoriano Portuense, fortificaram a povoação e persuadindo aos cristãos que ali se achavam que pegassem em armas e se defendessem dos gentios. E observa que Honório Pereira Barreto, em 1835, aqui montou seis peças de artilharia à sua custa. “O melhor negócio é o da cola. Os naturais compram também com muita avidez prata para fazerem manilhas e apreciam este metal mais do que o ouro”. E termina esta digressão pelo distrito de Cacheu dizendo que é o único ponto na Guiné onde uma grande extensão de terreno vizinho a Farim pertence de facto e de direito aos portugueses, terreno esse que terá sido comprado por um tal senhor Pascoal e outros comerciantes ali estabelecidos. “Este ponto é muitíssimo importante por ser ponto de passagem de todos os gentios que vão levar à Gâmbia e ao Senegal os seus marfins, ouro em pó, etc., por não acharem aqui sortimento de fazendas próprias”.
Concluída que fica a descrição do distrito de Cacheu, segue-se Bissau.

(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22123: Historiografia da presença portuguesa em África (259): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (1) (Mário Beja Santos)