sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25874: Notas de leitura (1720): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, de 1872 a 1873) (17) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Escusado é dizer que o Governador do Distrito de Bissau indica para a cidade da Praia que o estado sanitário da Guiné Portuguesa é satisfatório, um tanto contraditado pelo que, sucessivamente, informam os serviços de saúde; agora já há uma chalupa que leva regularmente o correio nas duas direções entre a Praia e Bissau; há guerras tribais em Bolama, obras no Pidjiquiti, a chuva é abundante, a tranquilidade pública não tem sofrido alterações, a administração judicial não pode funcionar corretamente, não dispõe de recursos humanos e os serviços de saúde mencionam uma catadupa de maleitas, começa na letra A com aneurisma, amigdalite e alienação mental, findará com tuberculose pulmonar e úlceras. Já não se estranha o silêncio absoluto com o que se está a passar no Casamansa. Estamos em 1873, estes Boletins prolongar-se-ão até que a Guiné se torna numa província e disporá do seu próprio Boletim Official.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, de 1872 a 1873) (17)


Mário Beja Santos

É importante referir que o tema dominante se mantém, a saúde pública, as referências à cólera, à varíola, ao sarampo, o Governador Geral pretende que os serviços de saúde pública mandem regularmente notícias sobre a evolução do quadro sanitário. Mas, aqui e acolá, sentimos que algo vai mudando nas comunicações, no estabelecimento de infraestruturas, na adaptação da legislação, desde a fiscal à judicial.

No Boletim n.º 19, de 11 de maio, de 1872, publica-se a portaria n.º 136 referente ao contrato celebrado em 6 de maio com o proprietário António de Sousa Machado, dono da chalupa Cabo Verde para que esta embarcação seja empregue pelo serviço de correio entre Cabo Verde e o Distrito da Guiné pelo tempo de 1 ano. “Outrossim há por conveniente determinar que o Governador do Distrito da Guiné Portuguesa, servindo-se para isso da escuna Bissau, ou de qualquer navio ou navios fretados para tal fim, tome as medidas necessárias para que, na ocasião da partida mensal da chalupa Cabo Verde do porto de S. José de Bissau para este arquipélago, esteja habilitado com notícias recentes dos concelhos de Cacheu e Bolama e possa informar o Governo Geral do estado de todo o distrito confiado à sua administração.”

E na sequência desta notícia publica-se o contrato referente à chalupa Cabo Verde: o proprietário da chalupa obriga-se a prestar o serviço do correio uma só vez por mês, partindo da ilha de Santiago entre os dias 25 e 28 de cada mês, dirigindo-se direta e unicamente ao porto da vila de S. José de Bissau; o navio deverá demorar-se 48 horas em Bissau, exceto quando no Distrito da Guiné se tenham dado ocorrências imprevistas e importantes; o navio, nas viagens de serviço do correio, será obrigado a conduzir gratuitamente todos os passageiros de ré e até 15 de proa (mas sem abono de mantimentos) que forem mandados de um para outro ponto pelo Governo; o Governador Geral abonará ao proponente um subsídio de 200 mil réis por cada viagem redonda que a chalupa fizer nos termos contratuais.

No Boletim n.º 28, de 22 de julho, publica-se o extrato das notícias da Guiné Portuguesa:
“Era satisfatório o estado sanitário do distrito; bom o alimentício e pouco animado o comercial. A tranquilidade pública não havia sofrido alteração. Na ilha de Bolama continuavam as desinteligências entre as tribos gentílicas de Inté e Antula, tendo havido ataques em diversos dias, sempre com perda dos gentios de Antula. A guerra promete sustentar-se por terem ambas as tribos por auxiliar diversas outras de Balantas, e por se negar a entrar em negociações de paz o régulo de Antula, não obstante os esforços para isso empregados pelo governador do distrito.
Em Cacheu havia sido ratificada a paz feita em 27 de janeiro último entre a Praça e os gentios do Churo, assistindo à ratificação o governador do distrito, os grandes daquela tribo e os de Bassarel, por ser esta a que serviu de intermediário para a paz. Ficou, portanto, aquela praça em perfeita harmonia com todas as tribos limítrofes. Acham-se bastante adiantadas as obras da tabanca de Bissau, estando concluída a do Pidjiquiti em toda a sua extensão, na altura 2 metros. Também já se havia dado princípio à tabanca que fecha a vila do lado da Puana. O rendimento das alfândegas do distrito no mês de abril foi o seguinte: 2:087$708 réis em Bissau; 3:163$363 réis em Bolama; 192$000 réis em Cacheu.”


O Boletim n.º 86, de 29 de junho, traz o extrato das notícias da Guiné Portuguesa:
“Anunciou-se a estação chuvosa por fortes trovoadas e abundante chuva. Que à saída da chalupa Cabo Verde para a Praia era bom o estado sanitário em todo o distrito, continuando pouco animado o comercial. O estado alimentício, conquanto não abundante por ter sido escassa a colheita do arroz, não oferecia, todavia, receio. A tranquilidade pública não havia sofrido alteração.”

O Boletim n.º 27, de 6 de julho, insere o boletim sanitário de fevereiro de 1872, é extenso, alude às condições meteorológicas, ao vento predominante, ao estado do céu, nevoeiros nas manhãs, quais as doenças observadas na clínica hospitalar e na civil, há o movimento da população na freguesia de Nossa Senhora da Candelária, enuncia os batismos, os falecimentos e o estado de vacinação; dá-nos o quadro do mapa das doenças que foram tratadas no Hospital de Bissau e o resumo dos rendimentos das alfândegas de Bissau, Cacheu e Bolama.

Não se obtém mais informações sobre o ano de 1872, a não ser no Boletim seguinte, de 6 de julho, temos novamente o boletim sanitário, trata-se de fevereiro, muito afim ao anterior, irão aparecer mais, consideramos desnecessário a sua sucessiva citação. Na verdade, o que se diz no Boletim referente a fevereiro é que a febre lavra entre a população flutuante, caracterizada por dores articulares, semelhantes às do reumatismo, por dores nos ossos particularmente nas falanges, nos metacarpos e metatarsos, quanto ao mais temos o diagnóstico médico de mulheres indigentes, se houve ou não chuva, quais as doenças observadas e as doenças que foram tratadas no hospital militar de Bissau.

No Boletim Official n.º 4, de 25 de janeiro de 1873, diz-se que não há no território de Bolama o pessoal e mais condições necessárias para que ali funcione na plenitude a administração judicial na região. Neste mesmo Boletim, o Governador Geral manda executar uma igreja na vila de S. José de Bissau na importância de 9:000$00 réis.
Acontecimento histórico que se relata neste Boletim Official n.º 43, de 22 de outubro de 1870, a posse de Bolama por Portugal, estão presentes o Governador Geral, Caetano de Almeida e Albuquerque, representante britânico, J. Craig Loggie, secretariou o auto da posse o Segundo-Tenente da Armada Guilherme Augusto de Brito Capelo
Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796
Máscara representando um búfalo, ilha de Uno, Bijagós, Museu Nacional de Etnologia, Lisboa

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 16 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25847: Notas de leitura (1718): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, de 1870 a 1872) (16) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 19 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25859: Notas de leitura (1719): Breve história da evangelização da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25873: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte IV: Proprietário ou concessionário de terras ?






Guiné > Fulacunda > 5 de setembro de 1935 > Resposta do administrador da circunscrição de Fulacuna, Ernesto Lima Wahnom, ao chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, sediada em Bolama.  

A vermelho, vem o parecer do chefe da repartição, José Peixoto Ponces de Carvalho (que entre maio e setembro de 1933, exerceu interinamente o lugar de Governador). O assunto acabou por ser submetido a despacho do Governador... e não sabemos qual o desfecho. 

O processo, de 10 folhas, é encabeçado por  um oficío, que a seguir reproduzimos, assinado por um adjunto do Ponces Carvalho, e dirigido ao Chefe da Repartição Técnica dos Serviços de Obras Públicas, Agrimensura e Cadastro. (É o documento mais antigo do proceesso, correspondendo à folha nº 1.)


Cópia do ofício, datado de Bolama, 26 de setembro de 1935, assinado por António Pereira Cardoso, por delegação do Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, dirigido ao Chefe da Repartição Técnica dos Serviços de Obras Públicas, Agrimensura e Cadastro, e cujo teor se transcreve:

"A fim de solucionar conflitos que surgem a cada momento, entre proprietários e concessionários e as autoridades administrativas, Sua Excia. o Governador incumbe-me de solicitar de V. Exª para apresentar ao mesmo Exmo. Senhor a informação de, se foram cumpridas as disposições do Diploma Legislativo nº 747, de 22 de fevereiro de 1933, e, bem assim, de proceder nos termos da lei". (Negritos nossos)


Citação: (1935-1935), Sem Título, Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10429.230 (2024-8-20)



1. Recorde-se o assunto em questão (*): o Manuel de Pinho Brandão, "maior, solteiro, proprietário e comerciante, residente em Bolama", vem junto da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil pedir a restituição da importância proveniente da licença para extração de vinho de palma, que julga ter sido cobrada ilegalmente aos índígenas, manjacos,  colonos da sua propriedade, denominada "Belém", sita na circunscrição de Fulacunda.

Depois de uma informação aparentememnte favorável daqueles serviços, temos a resposta do administrador de Fulacunda, que resumimos a seguir:

(i) desconhecia se a dita propriedade era ou não uma "propriedade perfeita" (que na Guiné, nessa época, se confundia muitas vezes com os "baldios do Estado";

(ii) por essa razão mandou cobrar, ao chefe de posto do Cubisseque, "na defesa dos interesses do Estado", a competente licença de extração de vinho de palma;

(iii) os indígenas foram presos porque não procederam expontaneamento ao pagamento da licença;

(iv) o Manuel de Pinho Brandão não faz prova de que a propriedade era sua (confrontava de norte com o rio de Buba, e a sul, leste e oeste com baldios);

(v) os indígenas, para se furtarem ao pagamento da citada licença, "escond(ia)m-se nas chamadas propriedades dos supostos proprietários" e ofereciam resistência às autoridades;

(vi) O Diploma Legislativ nº 747, de 1933, dizia na última parte do seu artigo 2º: "sob pena de se promover à anulação dos respetivos registos prediais", o que seria aplicável a este caso;

(vii) o administrador julgava ter agido bem, na defesa dos interesses do Estado;

(viii) e, finalmente, deixava um remoque ao reclamante, que devia ser seu conhecido (naquele tempo eram poucos os colonos, comerciantes e funcionários civis): 

"Quanto à emigração dos indígenas para a vizinha colónia francesa, devo informar V. Excia. que é uma história muito antiga, que muitos nesta terra se servem para explorar a credulidade do Governo da Colónia".

O Brandão (ou o seu advogado), na sua reclamação,  pedia também a defesa dos interesses dos "indígenas,   que muito tem custado para se ali conservar, pois seus desejos só são seguir para a colónia vizinha, aonde já têm seus bastantes parentes" (sic)  



Excerto da reclamção do Manuel de Pinho Brandão


2. A tinta vermelha, o Chefe da Repartição anotou, no cabeçalho do ofício:

 "Chame-se a atenção do comerciante Pinho Brandão para os art. 1º e 2º do D. L. nº 747, de 22-2-933, sem o que a sua reclamação não pode ser atendida. Diga-se aos Serv. de Agrimensura para  apresentação ou (ilegível),  por uma ordem,  a informção se foram cumpridas as disposições do D. L. 747 e proceder nos termos da lei. 26-9-1935. (Assinatura ilegível)".

Nessa altura era Governador da Guiné o oficial do exército Luís António de Carvalho Viegas. "Enquanto governador da Guiné Portuguesa, deslocou-se à metrópole em 10 de maio de 1933, deixando como encarregado do governo da Guiné, José Peixoto Ponces de Carvalho que se manteve nessas funções até setembro desse ano, altura em que Viegas regressou".

Ainda não conseguimos consultar o Diploma Legislativo nº 747, de 22 de fevereiro de 1933. Mas parece haver aqui um confito entre duas figuras jurídicas, a "propriedade" e a "concessão"... Dez anos depois, os interesses do Manuel de Pinho Brandão concentram-se na Região de Tombali (Catió) e não na Região de Quínara (Fulacunda).  Ali conseguiu várias concessões de terrenos (no setor de Catió, incluindo a ilha do Como). 

Graças ao desenvolvimento da cultura do arroz, Catió tornou-se uma terra próspera, elevada em 1942 ao estatuto de circunscrição, enquanto Fulacunda decaiu. (Curiosamente, Catió foi criada por um antigo degredado, Abel Gil de Matos, natural de Aldeia Galega do Ribatej0, hoje Montijo, condenado em 1913 pelo tribunal da comarca a 6 anos de prisão maior celular ou, em alternativa, a 9 anos de degredo.) (***)

Continuem, entretanto, muitos outros aspetos da vida de Manuel de Pinho Brandão, por esclarecer, e nomeadamente o seu início e o seu fim... Há diversos mitos, de que o nosso blogue se tem feito eco, entre eles o de ter colaborado com o PAIGC (ele, e alguns membros do seu clã). Nem sequer sabemos, ao certo, se era um degredado, nem quantos anos tinha quando se instalou na Guiné.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 22 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25870: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte III (Reclamação apresentada, em 1935, ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, Bolama)

(**) Vd. poste de 21 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25863: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte II (J. L. Mendes Gomes / Victor Condeço, 1943-2010)

Guiné 61/74 - P25872: II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte XI: um futuro promissor, com mais de 60% da população abaixo dos 30 anos


Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > 2023 > Rui Chamusco e Gaspar Sobral no recreio com os miúdos da ESFA (Escola de São Francisco de Assis)

Foto © Rui Chamusco (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Rui Chamusco partiu para Timor, em 25 de janeiro de 2018. Foi companheiro de viagem o seu amigo luso-timorense Gaspar Sobral. Ambos são cofundadores e dirigentes da ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste), criada em 2015, com sede em Coimbra.

De Timor Leste o Rui mandou-nos na altura as crónicas dessa viagem (a segunda, de cinco já feitas, de 2016 a 2024). Achámos agora oportuno e relevante publicar no nosso blogue uma seleção. Elas ajudam-nos a perceber melhor a idiossincrasia timorense, a história recente e passada deste povo a que nos ligam laços linguísticos, culturais e afetivos.

O Rui é membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de maio último. Natural da Malpaca, Sabugal, vive na Lourinhã onde durante cerca de 4 décadas foi professor de música no ensino secundário. Em Timor, o Rui tem-se dedicado de alma e coração aos projetos que a ASTIL tem lá desenvolvido, nas montanhas de Liquiçá, e nomeadamente a Escola de São Francisco de Assis, em Manati / Boebau, frequentada por cerca de 150 crianças locais.

Em Dili ele costuma ficar em Ailok Laran, bairro dos arredores,  na casa do Eustáquio (alcunha do João Moniz) , irmão (mais novo) do Gaspar Sobral,

Recorde-se algumas datas da nossa história comum:

  • os portugueses chegaram a Timor no início do século XVI no âmbito das suas navegações globais;
  • a primeira referência à ilha é atribuída ao capitão de Malaca em carta de 1514 para o Rei D. Manuel:
  • a partir do fim do século XVII Portugal começou a nomear governadores de Timor, dependentes do Vice-rei da India;
  • em meados do século XIX Timor passou a ter o estatuto de colónia portuguesa que manteve até 1975;
  • no final de 1975 a Indonésia invade e ocupa o território, anexando-o no ano seguinte como sua vigésima sétima província; 
  • a 30 de agosto de 1999 a população de Timor votou em referendo a favor da independência; o país esteve então sob administração transitória das Nações Unidas;
  • a 20 de maio de 2002 é formalmente proclamada a independência de Timor-Leste na presença dos Chefes de Estado de Portugal e Indonésia; nesta data  é reconhecida internacionalmente a independência de Timor-Leste. (Fonte: adapt. de  República Portuguesa > Portal do Governo > Portal Diplomático  > Timor Leste) (com a devida vénia...)


II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL)

Parte XI - Um futuro promissor


Dia 20.05.2018,  domingo - Restauração 
da Independência...


É uma data que não se esquece, até por que a memória ainda está muito fresca.

E neste dia logo de manhã anunciado pela música que se fazia aqui ouvir, convém que, mesmo em clima de festa, se recorde o passado, se viva o presente e se prepare o futuro. 

Mas quem sou eu para fazer comentários ou considerações? Por mais que me digam que tenho alma timorense, o corpo não engana. Sou um malaio, um estrangeiro que vem de fora e que pouca ou nenhuma autoridade moral tem para falar de um povo, de Timor Leste. Por isso tudo o que eu disser terá um valor relativo. No entanto, não quero deixar de dar o meu contributo com esta análise que me é dado fazer no dia de hoje.

Timor Leste é um jovem país independente 
que  depois de se libertar do domínio português e da opressão indonésia está dando passos gigantes no caminho da sua autonomia e independência. O seu crescimento demográfico leva-nos a ter esperança de que este não voltará atrás, apesar das crises de qualquer crescimento. A sua grande riqueza são as pessoas, sobretudo os jovens. Mais de sessenta por cento da sua população tem menos de trinta anos.

Edgar Morin, sociólogo francês, já nos anos 80 dizia que há três grandes fatores para o desenvolvimento de um país, de uma região, de uma terra, a saber: escolas, fábricas e igrejas.

 Se olharmos para a realidade timorense constatamos que existe uma razoável rede escolar, que há bastantes igrejas, mas as fábricas são quase inexistentes. O país está muito dependente dos outros (sobretudo Indonésia e China) naquilo que diariamente consome. No entanto toda a gente sabe que Timor Leste é um país rico graças aos recursos naturais e particularmente o petróleo.


Dia 23.05.2018, quarta feira - um estilo de vida diferente


Para nós ocidentais, há comportamentos e estilos de vida destas gentes que podemos estranhar e até nos podem incomodar. O modo de encarar as coisas é bem diferente do nosso: pontualidade, marcação de encontros, ausências... nada disto tira a calma a um timorense. Por tudo e por nada se falta à escola, por tudo e por nada se chega atrasado, por tudo e por nada se desmarca um encontro.

 Razão tinha o amigo D.Basílio do Nascimento quando dizia: “ O timorense pega na guitarra e vai vender bananas ao mercado. Á sombra da bananeira vai tocando a viola enquanto espera os compradores. Se vende, tudo bem. Se não vende, come a banana, toca a guitarra, volta para casa e tubo bem também.”

É esta filosofia de vida que nós ocidentais perdemos ou nunca tivemos. Será bom, será mau? O que é certo é que nós estranhamos e custa a habituar-mo-nos. Até nem sei se serei capaz de viver com estes padrões. Mas como quem chega é que tem de se aculturar  não nos resta senão “comer e engolir”. E quem não está bem que se mude. 

Agora imaginem quando o cenário é ao contrário: um timorense que, em Portugal, na Suíça ou noutro país onde o contra relógio é rei, o esforço que terá de fazer para se adaptar. Por isso nada de julgamentos antecipados. O respeito mútuo é muito lindo...




O "malaio" Rui Chamusco
 e o luso-timorense Gaspar Sobral.
 Foto: LG (2017)

Dia 24.05.2018, quinta feira - E agora, Gaspar ?!...


Hoje o Gaspar conseguiu o que queria. Foi recebido pelo Reitor da UNTL (Universidade Nacional de Timor Leste) e, segundo ele nos diz, tem a porta aberta para no próximo ano letivo dar aulas neste estabelecimento de ensino.

E agora? Imagino o seu dilema interior: “Venho ou não venho? Aceito ou não aceito? Em todo o caso ele vai apresentar por escrito as suas pretensões e só depois, já com o contrato formalizado, se poderá dizer se vai ou não vai lecionar as disciplinas que pretende que, a meu ver, terão de ser disciplinas em que ele possa falar muito e à vontade. O Gaspar é um homem muito culto e sabe demais. Por isso, atenção alunos porque quando ele liga o motor nunca mais ninguém o para...

Quanto a mim, só vendo é que acredito. Já me vou habituando a perceber que nem tudo o que agora se diz terá força de lei. Poderá ser, e poderá não ser. Veremos...

Mas fico contente que o meu camarada tenha conseguido o que há muito tempo sonhava. Avante
camarada, avante!...


Dia 25.05.2018, sexta feira  - Inocência...curiosidade...  ou outra coisa qualquer



O tempo de “não fazer nada” dá para tudo. Aqui estamos nós, em Ailok Laran, à espera de que o tempo passe até fazermos pequenas coisas: ir à cidade, ir a Liquiçá, ir a Boebau, e ir para Portugal. 

Já disse anteriormente que os nossos relógios não são iguais. Esta gente não tem pressa de nada. E por isso, o que para eles é normal para nós, os apressados ocidentais, é impaciência, nervosismo, preocupação. O que se não fizer hoje faz-se amanhã. O que é preciso é manter a calma, o que nem sempre é fácil para quem pensa o contrário:”Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje.

Hoje ao mata bicho, pequeno almoço, a conversa derivou para relatos de episódios hilariantes. O Eustáquio, que esteve quase dois anos ao serviço dos médicos sem fronteiras como chauffer, contou-nos que durante muito tempo estranhou um certo material que as senhoras francesas traziam consigo. Algo parecido com um cigarro de filtro, com um fio para puxar. Intrigado durante dias com aquele objeto estranho, decidiu perguntar à senhora o que era aquilo, ao que ela lhe respondeu: “não posso dizer”. 

O Eustáquio veio depois a saber que o tal objeto estranho fazia parte da higiene íntima das senhoras. Fartámo-nos de rir, e ele também, alguém comentando a seguir: ”tiveste uma sorte!... Fumador como tu és, olha se te dava para chupares o dito cigarro?!...

Inocentes são as crianças. Nós, os mais crescidos, parece-me que é mais a curiosidade ou outra coisa qualquer, por exemplo malandrice.


Dia 26.05.2018, sábado  - Lágrimas pela Prety...


Esta vai custar a digerir...

Prety é (era) a cadela cá de casa, que em fevereiro passado foi mãe de cinco lindos cachorros e dos quais só o mais pequeno sobrevive. Agora que já estava refeita dos achaques da maternidade, desapareceu para sempre, segundo convicção geral. 

Morreu? Não, mataram-na!... E venderam a sua carne para consumo. A Adobe e a Eza choram inconsoláveis, mas foi este o destino deste canídeo.

Então é assim. A invasão indonésia trouxe consigo muita coisa boa e algumas coisas más. O consumo da carne de cão, por mais repugnância que tenhamos, é um hábito nestes países sul asiáticos. Pelos vistos este costume veio para ficar, aqui em Timor. 

Verifica-se que a carne de cão tem um preço e apreço elevado. Não é para todas as bolsas nem para o comum dos mortais. Há restaurantes referenciados que fazem deste prato uma iguaria muito procurada.

Estão mesmo a ver no negócio em que isto se transformou. Cão que se distraia tem os dias contados. Há caçadores de cães furtivos, mas especializados em técnicas de captura e de morte. Aqui todos sabem quem é o prevaricador. Até lhe chamam “Naok ten Asu” (ladrão de cão) e “Asu Ulun” (cabeça de cão), mas ninguém ousa denunciá-lo até porque têm medo dele, e pena pois dizem que é pai de duas crianças deficientes. 

Ou seja, “come e cala”  mesmo que sintas muita pena dos teus “fiéis amigos”. E, já agora, aqui fica a técnica da apanha de cães: preparam um balde com carne lá dentro, circundam a abertura do balde com um laço, sobem para uma árvore com o fio, e quando o animal meter a cabeça à procura do alimento, puxam o artefacto que fica logo degolado. Nem ai nem ui, o vivo passa de imediato a morto.

E agora, em jeito de comentário: Como se pode ser tão cruel para com um animal que nos olha nos olhos, nos faz festas e meiguices, cujo epíteto é a fidelidade ao dono? Deus nos livre!... E Deus lhes perdoe...



Dia 28.05.1018,  segunda feira - Olha a chibinha, mé...mé...mé...


Quem já conhece Timor ou outros países similares da Ásia, da África ou da América com certeza que já se deu conta do tipo de transportes terrestres que por cá podemos encontrar. Motores (motorizadas, táxis, microletes e angunas) são os mais comuns. 

As microletes, veículos pelos quais tenho enorme simpatia pois é o transporte de todos e particularmente dos mais pobres, têm uma versão maior que em Timor chamam “ Bis “ e internacionalmente Bus, destinados a transportes de maior percurso. 

Durante o dia e a qualquer hora na cidade de Dili, é um ver se te avias para apanhar o “bis” desejado. Quem tiver paciência para tal e possa observar o fenómeno, vai dar-se conta da quantidade e variedade de passageiros e seus pertences que, de forma mais ou menos organizada (o que interessa é que todos possam viajar) circula por estas estradas.

Hoje, enquanto esperávamos pelo Gaspar, tive a oportunidade de me manter ocupado observando o trânsito que passava em frente do Timor Plaza. E eis que avisto um “Bis” com algo insólito sobre o seu telhado: Uma cabra ou chiba toda airosa e de pé, cabeça ao vento, como se fosse ela a controlar a situação. Sem qualquer esforço de equilíbrio, mantinha-se altiva e desafiadora, como a querer dizer-nos: “Eh pá! Isto aqui é que é bom!...”

Não sei é qual foi o destino deste caprino. Dote de casamento? Faca e garfo? Talvez continue a sua vida nas mãos de outro dono e noutra região. Talvez um dia nos voltemos a ver ou encontrar. Que sejas feliz. irmã cabra (bibi)!...



Dar flor, dar fruto e... morrer


Mais uma lição de vida. A caminho de Maubara, a paisagem é dominada pelas palapeiras, uma árvore da família das palmeiras que tem uma particularidade: só dá flor uma vez na vida, da qual nascem alguns frutos, e a seguir seca...morre. 

Esta árvore que enquanto só dá ramos e folhas é tão utilizada para colmos das casas e para confeção de algum artesanato local, tem esta nobre missão: florir, dar fruto e morrer, de pé, porque como declamava a nossa Palmira Bastos já na fase final da sua vida artística “ As árvores morrem de pé!”.

No imenso palapal que acompanha a estrada de Liquiçá para Maubaura são muitas e muitas heroínas, que já mortas ou quase mortas imperam na paisagem junto ao mar, como que a querer dizer-nos adeus e a lembrar-nos de que a vida é assim. 

Nascer, viver, dar frutos e morrer vale a pena, porque se assim não fosse a vida não se renovava, o devir não acontecia. “Se o grão de trigo não for lançado à terra e não apodrecer não poderá dar o seu fruto”. Todos nós somos grãos de trigo.

(Continua)

(Seleção, alguns dos substítulos, revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25858: II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte X: "Obrigadu, malae" João Crisóstomo!

Guiné 61/74 - P25871: Parabéns a você (2303): Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art da CART 1689 / BART 1913 (Catió, Cabedú, Gandembel e Canquelifá, 1967/69)

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Nota do editor

Último post da série de 22 de Agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25865: Parabéns a você (2302): José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Bambadinca, 1969/71)

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25870: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte III (Reclamação apresentada, em 1935, ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, Bolama)

 







Guiné > Bolama > 1935 > Repartição Central dos Serviços de Administração Civil - 4ª secção: Negócios Indígenas. Informação: Assunto - Refere-se ao pedido de restituição da importância proveniente da licença para extração de vinho de palma, que julga ter sido cobrada ilegalmente aos índígenas,  colonos da sua propriedade. Informação, datada de Bolama, 27 de julho de 1935. Assinatura ilegível.

Citação:(1935-1935), Sem Título, Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10429.230 (2024-8-20)


1. Não percebo nada de direito administrativo colonial... Nem sequer alguma vez li o Acto Colonial de 1933 (mas hoje tive que o ler, está aqui disponível em formato pdf, no sítio da Assembleia da República). O artº 3º é taxativo: "Os domínios ultramarinos de Portugal denoninam-se colónias e constituem o Império Colonial Português". 

O Pacto Colonial (Decreto-Lei nº 22 465, de 22 de abril de 1933) tem apenas 47 artigos. Retive estes:



A leitura do Pacto Colonial deve ser complementada pela da Carta Orgânica do Império Colonial Português.

Segundo entrada na Wikipedia, "o Acto Colonial definiu durante muito tempo o conceito ultramarino português, tendo sido revogado na revisão da Constituição portuguesa feita em 1951, que o modificou e integrou no texto da Constituição.

"Com a revisão constitucional de 1951, a visão imperalista foi teoricamente abandonada, sendo substituída por uma estratégia que visava a assimilação civilizadora das colónias à metrópole, com o objectivo final de criar uma nova ordem política, que podia ser a integração total, autonomia, federação, confederação, etc. Reflectindo esta nova visão teórica, as colónias passaram a designar-se por 'províncias ultramarinas' ".

2. Em 1935, o Manuel de Pinho Brandão já estava na colónia da Guiné, como se infere da reclamação que ele apresentou ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, com sede  em Bolama.

Na reclamação,que já reproduzimos em poste anterior (*), ficamos a saber que:

 (i) o Manuel de Pinho Brandão era maior, solteiro, proprietário e comerciante, residente em Bolama (então a capital); 

(ii) era dono e senhor de uma propriedade rústica denominado "Belém", na área da circunscrição civil de Fulacunda,  região de Quínara, exercendo legítima e legalmente o comércio com os indígenas da propriedade, a quem concedia regalias na agricultura e exploração dentro dela;

(iii) o reclamente insurge-se contra a cobrança de imposto de extração de vinho de palma ("licença de furação") a indígenas manjacos, que ele trouxera consigo há vários anos atrás, e  que, com a sua autorização, praticavam esta atividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio;

(iv) o administrador de Fulacunda mandou-lhes cobrar, indevidamente, o imposto na importância de 760$00 (talvez mais de 500 euros, a preços de hoje):

(v) além disso, terá usado e abusado da sua autoridade, mandando prender e conduzir ao posto de Empada aqueles indígenas;

(vi) pede. por fim, que sejam "restituídos aos indígenas interessados os escudos 760$00 para o bom nome das autoridades administrativas e para o bem geral da colónia" (sic).


3. Um funcionário da 4ª secção (Negócios Indígenas) da Repartição Central  dos Serviços de Administração Civil, dá um parecer em que arrasa o administrador de Fulacunda: a comprovarem-se os factos alegados pelo requerente, o administrador de Fulacunda (na altura teria violado a lei (Código Civil, artºs. 2167 e 2187; Carta Orgânica do Império Colonial Português, artºs.231, 232 e 233).

Era chefe da Repartição José Peixoto Ponces de Carvalho. E o administrador de Fulacunda era o Ernesto Lima Wahnon (cuja resposta ao chefe da repartição publicaremos em próximo poste.)

PS - O Ernesto Lima Wahnon terá nascido na Praia, Santiago, Cabo Verde, em 1895.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste anterior da série > 21 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25863: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte II (J. L. Mendes Gomes / Victor Condeço, 1943-2010)

Guiné 61/74 - P25869: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (57): Ataque ao Destacamento do Dugal em 09 de Junho de 1971

1. Mensagem do nosso camarada João Moreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 19 de Agosto de 2024:

Boa noite Carlos e Luís
Este é o meu último "post" sobre a história da minha Companhia (CCAV 2721).

É natural que com o passar do tempo me lembre de mais "estórias" passadas na Guiné. Quando isso acontecer enviar-vos-ei para analisarem e publicarem, se acharem que vale a pena.
Entretanto, informo-vos que trouxe várias peças de artesanato (madeira e missanga).
Se entenderem que tem interesse para publicação digam, para mandar as fotos, mas só daqui a algum tempo, porque tenho as próximas semanas destinadas a outro "trabalho".

Com os meus desejos de saúde para vós e vossas famílias, um abraço.
João Moreira


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"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


ATAQUE AO DESTACAMENTO DO DUGAL EM 09 DE JUNHO DE 1971

Na noite de 09 de Junho de 1971 o PAIGC atacou os quartéis desde Mansoa até Nhacra, para fixar as nossas tropas nos quartéis e desencadear um ataque a Bissau com os foguetões da rampa de lançamento que tinha instalado em CUMERÉ.

No ataque que foi feito ao nosso destacamento do Dugal, tivemos vários mortos e feridos.

Morreu o nosso soldado Sebastião do 1.º Grupo de Combate, que estava colocado neste destacamento e foi vítima dos estilhaços de um engenho explosivo.
Também morreram 1 furriel miliciano e vários soldados, pertencentes ao pelotão de morteiros que estava sediado em NHACRA e tinha uma secção em DUGAL.1

Foram vítimas da explosão de uma granada de morteiro que rebentou dentro do nosso espaldão de morteiro.

Constou que a granada de morteiro era "nossa" - foi enviada de outro destacamento nosso com direcção errada.

Após os ataques, os quartéis desta zona foram reforçados e passaram a noite em patrulhamentos


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Nota do editor:

[1] - De acordo com o Livro 2 - Guiné - Mortos em Campanha, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), neste ataque ao Destacamento do Dugal no dia 9 de Junho de 1971, faleceram: um Furriel e um Soldado  de Armas Pesadas do Pel Mort 2174 e um Soldado At da CCAV 2721. 

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Nota do editor

Último post da série de 15 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25844: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (56): Partida do Olossato para Nhacra em 09 de Junho de 1971 e ataque a Nhacra mal chegados

Guiné 61/74 - P25868: Agenda cultural (858): O nosso camarada Fernando de Jesus Sousa, (ex-1.º Cabo At Inf DFA da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71), vai estar presente no próximo dia 24 de Agosto, sábado, às 18 horas, na Feira do Livro do Porto, Jardins do Palácio de Cristal, para uma sessão de autógrafos no Pavilhão 118



O nosso camarada Fernando de Jesus Sousa, (ex-1.º Cabo At Inf DFA da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71), vai estar presente no próximo dia 24 de Agosto, sábado, às 18 horas, na Feira do Livro do Porto, Jardins do Palácio de Cristal, para uma sessão de autógrafos no Pavilhão 118.

Sobre o autor:

Fernando de Jesus Sousa, nascido e criado em Bebeses, Penedono, Viseu, lá por terras profundas do Alto Douro, como o menino da serra, do rio e da natureza.
Hoje, é o homem de pensamento e alma livre, fonte de onde emanam os seus estados de espírito, que dão vida à prosa e à poesia como sua expressão.
Este é o caminho dos seus sentimentos, onde os seus passos se equilibram na medida do seu saber, entre o estar e o ser, no seu fecundo viver.


Sinopse:

Textos Em Contextos são a síntese de mim por dentro deste livro, é uma narração sobre estados de espírito que, pelas várias fases da vida, estiveram presentes em cada ato meu. São a minha contemplação do comboio da vida em movimento.
Ficam aqui presentes, como grãos de areia transportados pela água de um rio, que se foram aglutinando na praia dos sentimentos e emoções, de que é constituída a personagem do autor, neste mar de desafios aqui bem presente em cada parágrafo.
Foi minha intenção levar o leitor às recordações de si e do seu passado. Em cada texto deste livro encontrará motivação para seguir, em paralelo, estas páginas com instantâneos seus, que tendem a fugir-lhe da memória para o baú do esquecimento.
Se lhe conseguir avivar na memória certas coisas boas, que tendem a desvanecer-se no mais recôndito de si, valeu a pena ler este livro.

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Nota do editor

Último post da série de 18 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25755: Agenda cultural (857): Inauguração, sexta feira, dia 19, do Museu Aristides de Sousa Mendes (Casal do Passal e jardins) em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal... (Há 20 anos, quando João Crisóstomo e António Rodrigues, do LAMETA, lá estiveram, e puseram "mãos à obra", a casa estava na iminência de ruir! ")

Guiné 61/74 - P25867: S(C)em Comentários (46): Timor: "No subsolo há petróleo, ouro e cobre" (Livro de leitura para a 4ª classe - Ensino primário: textos com aprovação oficial", Porto, Editora Educação Nacional, s/d, c. 1970)



Capa do "Livro de leitura para a 4ª classe - Ensino primário: textos com aprovação oficial" (Porto, Editora Educação Nacional, s/d, c. 1970) ...




1. De resto, de Timor, da sua história, geografia, demografia, econ0mia, cultura, etc.,  o que sabíamos nós ?  Mas, espantoso!,  os portugueses tinham lá chegado há 5 séculos...

Fui revisitar o "Livro de leitura para a 4ª classe - Ensino primário: textos com aprovação oficial" (Porto, Editora Educação Nacional, s/d, c. 1970) ... (Não tenho a certeza se,  no ano letivo de 1957/58, em que fiz a 4ª classe e e o exame aos liceus, era este o manual que estava em vigor, na minha "escolinha" do Conde Ferreira...)

Tirando os búfalos, e da capital em Díli, não me lembrava de nada sobre o que terei aprendido sobre aquela meia-ilha longínqua que nos pertencia, dizia a senhora professora dona Helena...

 Sobre Timor os putos da escola desse tempo ficavam a saber o seguinte (pág. 117, do livro supracitado):

"É a mais distante província portuguesa. Apenas metade da ilha, aproximadamente, pertence a Portugal; no território restante, pertencente à Indonésia, existe ainda o enclave português de Ocussi-Ambeno
 [hoje escreve-se Oecussi] .

"A capital é a cidade de Díli,

"A ilha é muito montanhosa: o monte mais alto, o Monte Ramelau, atinge très mil metros de altitude, a mais elevada de todo o Portugal.

"No interior, devido à altitude e ausência de pântanos, a temperatura diminiu e permite a colonização dos brancos.

"A terra é fértil e granjeia-se sem esforço; é lavrada por búfalos mansos,

"As florestas timorenses têm madeiras de grande valor. A agricultura é a principal ocupação do indígena. Cultiva-se o milho, o cafezeiro, o coqueiro, o chá e o algodão e procede-se à extração da borracha.

"No subsolo há petróleo, ouro e cobre".


O autor do texto é D. E. , s/d.  O artigo é encimado por uma foto, a preto e branco, do palácio do governador.

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P25866: Humor de caserna (70): um "tuga"... (de)composto, ou uma estória pícara num almoço fula (Alberto Branquinho, autor de "Cambança final", 2013)



Fonte: Excertos de Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 95/96




Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa),
advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,
ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913,
Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69),
tem 140 referências no nosso blogue:
é autor das notáveis séries "Contraponto"
e "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".


Um "tuga"... (de)composto

por Alberto Branquinho


Era a segunda vez que o alferes ia almoçar àquela tabanca fula, a convite do Bacar e do Jau, soldados do seu pelotão.

Feitos os cumprimentos às várias mulheres e depois de umas brincadeiras com a garotada, estava o alferes a passear pela morança com os dois soldados, quando as mulheres começaram a chamar para o almoço.

Balaios e alguidares esmaltados estavam já colocados no interior de um círculo de esteiras, colocadas no chão batido. Arroz, muito arroz, peixe miúdo da bolanha em molho de palma, galinha em pequenos pedaços e condimentos.

As mulheres ficaram do lado da casa, com as crianças. No lado oposto o alferes, no meio dos dois soldados nativos. Todos sentados no chão, com as pernas cruzadas, em cima das esteiras e por baixo do telheiro, também feito de esteira.

Começou o almoço e a conversa. As mulheres deram indicações sobre comida e
  
temperos e os homens passaram-nas, em crioulo, ao alferes.

Falaram sobre a última operação, sobre os outros militares, sobre os vizinhos, enquanto as mulheres algaraviavam entre elas, no meio gargalhadas.

Comiam fazendo as habituais bolas de arroz com a mão direita ou esquerda (ao jeito de cada um), que, depois, uma a uma, eram molhadas nos condimentos dos alguidares mais pequenos, acrescentadas do conduto, depois mordidas, mastigadas, engolidas. Toda a gente conversava em fula, exceto quando os soldados falavam com o alferes em crioulo.

As mulheres tinham que se levantar continuamente para obrigar as crianças mais pequenas e fugidias a dar as suas dentadas na bola de arroz ou a petiscar pequenas doses, agarradas entre o polegar e o indicador.

A meio do almoço o alferes notou uns risos abafados e brejeiros de duas ou três mulheres à sua frente. Logo a seguir um dos rapazes, com cinco ou seis anos, levantou-se e colocou-se atrás delas. Com ar enojado e mantendo sempre a sua bola de arroz na mão, começou a olhar o alferes no rosto e, alternadamente, para as pernas. Depois começou a cuspir, cuspir, cuspir para o chão, ao mesmo tempo que limpava, com os pés, as cuspidelas do chão.

O alferes olhou para as suas pernas e viu que o testículo esquerdo se tinha libertado do controle das cuecas e assomava, curioso, espreitando para fora dos calções. Discretamente levantou-se, arrumou o indiscreto como pôde e… tudo voltou ao seu lugar.

O almoço decorreu sem mais incidentes.


(Título,  revisão / fixação de texto: LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25856: Humor de caserna (69): Na Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques na praia, com uns bons nacos de vitela, uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga (Excerto de Armor Pires Mota, "Tarrafo", 1965, pp. 52/53)

Guiné 61/74 - P25865: Parabéns a você (2302): José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Bambadinca, 1969/71)

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Nota do editor

Último post da série de 19 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25857: Parabéns a você (2301): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25864: Historiografia da presença portuguesa em África (437): Um comerciante francês, Georges Courrent faz um estudo da Guiné em 1914 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
É inegável que o texto elaborado pelo comerciante francês Georges Courrent visava dar um quadro atrativo a potenciais investidores que desconheciam as potencialidades e oportunidades que o autor relata com um certo entusiasmo: uma Guiné com a reforma administrativa, pacificada, baixas tarifas aduaneiras, uma agricultura atraente, etc; deu-se ao trabalho de ilustrar este rincão colonial, explica cuidadosamente como se fazem as ações comerciais na Guiné, disseca convenientemente o regulamento aduaneiro e termina aludindo a projetos de lei que estavam naquele momento a ser apreciados no Parlamento sobre o novo modelo de administração e de organização financeira; há sempre uma tecla em que insiste; a prosperidade da Guiné é incontestável. O artigo é publicado em abril, em agosto começa a Primeira Guerra Mundial, e lembrei-me de que valia a pena pôr em cima da mesa o contraditório. E deste contraditório fui buscar os relatos do chefe da delegação do BNU em Bolama a partir de 1917, a imagem que ele dá diverge completamente: os Bijagós estão sublevados; os governadores são ineptos, uns atrás dos outros; o comércio de Bolama começa a ter um forte e temível concorrente, Bissau; a inflação arrasou as economias locais; o BNU, também funcionava como casa de penhores, encheu-se de joalharia e ourivesaria. Enfim, as previsões do Sr. Courrent não bateram certo.

Um abraço do
Mário



Um comerciante francês, Georges Courrent faz um estudo da Guiné em 1914 (2)

Mário Beja Santos

Confesso que foi uma agradável surpresa conhecer este estudo do comerciante francês Georges Courrent publicado numa importante revista destinada a leitores com conhecimento do mundo colonial sobre o que ele entendia ser mais útil dar como síntese da Guiné Portuguesa. Vale a pena ter em conta a data da edição, 15 de abril de 1914. Considero significativo não só o que ele escreve como a qualidade das imagens que ilustram o seu trabalho, julgo que algumas delas são mesmo inéditas, e até mesmo de grande beleza, como é o caso do efeito do tornado no porto de Bissau, a vista de Bissau tomada numa embarcação no Geba, o interior da Fortaleza de S. José, o mapa que ele apresenta e que diz ser do serviço geográfico da revista, a deslocação de um efetivo militar dentro de Bissau, o que seria a vila indígena de Bambadinca e o aldeamento indígena de Geba.

Recapitulando, dá-nos a situação geográfica, expõe os serviços marítimos, as comunicações e transportes no interior (diz expressamente que o transporte de mercadorias terá de ser feito em pequenas embarcações e que a construção de vias-férreas é quase impossível e no arquipélago dos Bijagós seria totalmente inútil). Elenca os principais produtos exportados e dá um quadro aprofundado da natureza das operações comerciais e como elas podem ser efetuadas; lista as casas comerciais e companhias instaladas na Guiné Portuguesa, numa lista de oito a A.S.G., de Lisboa, aparece em penúltimo lugar. Revela-se seguro quanto à natureza do seu auditório, fala das operações bancárias, das tarifas aduaneiras, dá-nos o quadro dos produtos exportados e do movimento comercial entre 1903 a 1912; apresenta o novo regime aduaneiro e as respetivas taxas, tudo esmiuçado.

Faz um destaque à administração colonial portuguesa. Começa por dizer que o ministro das colónias acabara por enviar ao Parlamento português dois importantes projetos lei, um relativo à administração das possessões ultramarinas e o outro à sua organização financeira. Tais projetos baseiam-se no princípio de que as colónias são parcelas do território nacional, indissoluvelmente ligadas à metrópole, constituindo entidades administrativas autónomas. E faz menção de referir que o sistema ainda em vigor caracteriza-se por uma assimilação sem discussão e uma centralização excessiva. Se aprovados estes projetos de lei, haverá em cada uma das colónias um governador encarregado da administração geral, tudo na dependência do respetivo ministro; em cada uma das colónias haverá um conselho de governo que compreende os representantes dos interesses locais, tal conselho deliberará em sintonia com o governador; o conselho terá alguns membros eleitos mas haverá também na sua composição funcionários civis e judiciais; afigurar estes projetos lei, os antigos conselhos de província serão transformados em tribunais encarregados de conhecer os contenciosos administrativos e fiscais; as colónias são divididas em distritos tendo à frente os governadores distritais, haverá depois as circunscrições lideradas por administradores ou então por comandantes militares.

O regime financeiro está estabelecido nestas mesmas bases de descentralização, cada colónia estará investida de autonomia financeira, o mesmo é dizer que será dotada de personalidade jurídica, agirá sobre a sua própria responsabilidade; compete ao conselho de governo elaborar o orçamento. Para Georges Courrent era importante lembrar aos portugueses que as instituições valem sobretudo pelos homens que as dirigem. Quanto à reforma administrativa, não se pode eludir a questão que está estritamente ligada ao valor económico da região. Eis a síntese do que este negociante francês publicou antes da Primeira Guerra Mundial numa importante publicação francesa destinada a potenciais investidores, certamente também analistas da política colonial e funcionários. Meditando no quadro deixado por Georges Courrent, lembrei-me de um trabalho que publiquei há anos: Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné, Edições Húmus, 2019. Desapareceu imensa documentação dos primeiros anos do BNU, em termos cronológicos, a primeira documentação interessante data de 2017, o chefe da delegação de Bolama estava certamente autorizado a dizer verdades com punhos, como deixou escrito e eu limitei-me a transcrever: a qualidade dos governadores era péssima, vinham impreparados e regressavam impreparados, mostrando-se incapazes de inverter a degradação dos serviços públicos, gente ronceira, pouco amiga do trabalho, praticamente inerte na época das chuvas; comerciantes estrangeiros astutos, nada interessados em projetos agrícolas ou industriais, simplesmente à procura de bons preços para os produtos da terra e para as mercadorias vindas do estrangeiro; o comerciante francês em nenhuma circunstância falava em tumultos e sublevações, elas aconteciam ainda nos Bijagós, a campanha do capitão Teixeira Pinto fora determinante para a pacificação dos regulados da ilha de Bissau.

Há que fazer justiça ao senhor Courrent, ele não podia prever que dentro de meses se iniciaria uma guerra mundial, era inevitável deixar marcas na Guiné, como deixou: os interesses alemães, altamente representativos, foram neutralizados; manteve-se um bom quadro de exportações, mas perdera-se o principal mercado das oleaginosas, que era o alemão; a inflação delapidou quem tinha dinheiro, o BNU, que na época funcionava também como uma casa de penhores, encheu-se de joias e ourivesaria, o sistema de funcionamento deste comércio baseava-se nas puras operações de intermediários, havia que pagar aos produtores, os comerciantes pagavam depois das operações de exportação. Vai-se viver um período calamitoso, aparecerá nos anos 1920 um governador de mão cheia, Vellez Caroço, tentará um saneamento financeiro, mas sempre com os comerciantes a queixarem-se para Lisboa. A época áurea que o senhor Courrent preconizava não aconteceu, e a falta de infraestruturas que ele observou ao longo do seu estudo também demorou a ser invertida, Lisboa exigia um controlo rigoroso das contas, o dinheiro vai aparecer com o Comandante Sarmento Rodrigues, será ele o Governador que lançará a Guiné num modelo de progresso, de desenvolvimento, de valores culturais e até da promoção dos direitos humanos.

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Nota do editor

Último post da série de 14 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25841: Historiografia da presença portuguesa em África (436): Um comerciante francês, Georges Courrent faz um estudo da Guiné em 1914 (1) (Mário Beja Santos)