terça-feira, 11 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P950: Antologia (46): Domingo Diaz Delgado, médico cubano na guerrilha do PAIGC, 1966/67 ()

Luis Graça:

Anexo um artigo sobre Domingo Diaz Delgado, medico cubano, participante na Luta Armada de Libertação contra o Colonialismo Português, desde 1966, na Guiné-Bissau.

Trata-se de um resumo, feita pela Agência de Bissau, de um artigo publicado no jornal cubano digital Juventud Rebelde, de 8 de Junho de 2006 (1)

Jorge Santos

MÉDICOS CUBANOS DURANTE A LUTA CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÉS

por Amadila Balde

Agência Bissau (19 de Junho de 2006)

Domingo Díaz Delgado nasceu em 1936 na província cubana de Camagüey, foi um dos primeiros médicos cubanos a chegar a Guiné em 1966, então recém licenciado em medicina cirúrgica. Hoje, 40 anos depois, Domingos Díaz conta a sua “impressionante” história para o diário cubano "Juventud Rebelde” a que a Agência Bissau teve acesso. E que faz parte de um dos capítulos do livro “Histórias secretas de médicos cubanos” do Jornalista Hedelberto Lopes Blanch, apresentado recentemente na feira de livros de Havana (Cuba).

E são trechos da vida deste médico cirurgião, importante figura na história da Guiné-Bissau, que agora damos a conhecer aos nossos leitores. Com base na obra acima referida.

Em 1966, três anos após o início da Luta de Libertação Nacional, o médico Domingos Díaz Delgado consegue integrar-se no primeiro contingente formado por instrutores, artilheiros, canhoneiros e médicos cubanos que participaram na Luta Armada de Libertação contra o colonialismo português na Guiné-Bissau. O contingente chegara ao porto de Conacri, após 20 dias de viagem, desde a capital cubana a bordo de um navio danificado, numa difícil trajectória. À chegada foram recebidos pelo Fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral. Com quem Domingos Diaz Delgado manifesta ter aprendido muitas coisas e considera um companheiro notável.

Depois da chegada do contingente cubano em Conacri, alguns companheiros foram enviados para o sul e leste do país e Domingos Díaz Delgado é nomeado como cirurgião para o norte. Cujo percurso terrestre desde Conacri era perigoso, por ser difícil de realizar sem que se fosse descoberto pelos inimigos. O PAIGC atribui-lhe um cartão que o identifica como militante do partido com um nome fictício de nacionalidade cabo-verdiana. Com esse cartão o cirurgião em companhia de dois guineenses empreendem voo até Dacar (Senegal) onde foram recebidos pela secretária de Amílcar Cabral, Lilica Cabral.

Desde Dacar, o médico é conduzido pelo antigo presidente da República da Guiné-Bissau, Luís Cabral, numa viatura para Ziguinchor, cidade situada na região senegalesa de Casamansa, a 400 quilómetros de Dacar, onde viria a permanecer durante cerca de três dias. O médico foi o primeiro cubano a chegar à zona, aonde conversa com o chefe militar mais importante da Frente Norte, o comandante Osvaldo Vieira.

Domingos Diaz Delgado explica os obstáculos que enfrentou durante as caminhadas que fez de uma base a outra sem água potável, alimentando-se daquilo que encontrava pelo caminho. “Nessa região o tempo não se calcula com relógio, mas sim por distância, quer dizer meio-dia de caminho, dois dias de caminho, o que se pode demorar em chegar de uma localidade a outra”. Relatando ainda que comia-se alimento uma vez por dia, durante dois dias de caminho. O cirurgião recorda a sua chegada à base de Morés (norte) aonde havia passado poucas semanas depois dos bombarde[amentos] lançados pelas tropas portuguesas.

Dois dias depois, continuaram até chegarem à base de Saará [Sara-Sarauol] quase no centro do país, aonde já estavam outros médicos cubanos que tinham chegado por avião: um ortopédico, Teudi Ojeda e um clínico Pedro Labarrere. A poucos quilómetros da capital Bissau onde já estavam a organizar um ataque no sentido de chamar atenção às autoridades, acção que era conduzida pelo chefe da segurança territorial do Norte, Irene [ou Irineu ?] de Nascimento.

Domingos Diaz Delgado disse que, apesar da escassez de medicamentos e materiais cirúrgicos, o pouco que havia, era suficiente para resolver problemas para aquela ocasião, ainda por questão de segurança, era necessário constantemente mudar de um lugar a outro. O cirurgião permaneceu seis meses na base de Saará, e depois integrou um grupo de 72 homens, equipados com certos armamentos para realizar ataques em várias zonas da região dirigidos pelo comandante Julião. Naquela ocasião começou a movimentar-se com o grupo participando em várias incursões.

O primeiro combate em que o médico cubano participou foi em São Domingos numa guerra de guerrilha onde os combatentes destruíam os quartéis e retiravam-se. Também participou num dos ataques realizados ao quartel de Guileje, no sul do país, que considera mais efectivo, do qual saíram três feridos do seu grupo, dos quais tratou um rapidamente no local e continuou com os outros até a base.

Mais tarde em Fevereiro ou Março de 1967, Domingos Diaz Delgado teve que retirar-se da zona de combate para Conacri alegadamente por doença, para se submeter a tratamento médico, regressa já restabelecido clinicamente, na altura o chefe da missão militar cubana, era o comandante Victor Dreke. Desta vez foi nomeado para a frente Leste concretamente em Madina de Boé, onde mais tarde viria a terminar a sua missão na Guiné.

O Dr. Domingos Diaz Delgado disse que a história não terminou aqui. “Há muita coisa a contar. Fiquei com o hábito, e actualmente faço cinco quilómetros de caminhada todos os dias em Havana”. Actualmente é professor titular de neurocirurgia e vice-director de docência de investigações do Centro de Investigação Médico-Cirúrgico (CIMEQ).

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Nota de L.G.

(1) Vd. artigo original, mais completo, em espanhol, no post seguinte.

segunda-feira, 10 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P949: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (14): regresso às tabancas em autodefesa

Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCAÇ 2405 > 1968 > O Alf Mil Raposo, com o Fur Mil Ribas e mais alguns soldados, fotografados com uma giboia morta.

Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCAÇ 2405 > 1968 > Aspecto da tabanca local.

Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > CCAÇ 2405 > O Paulo Raposo com um homem grande

Texto e fotos: © Paulo Raposo (2006)


XIV parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).

Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. 40-41 (1).


Regressamos à rotina

Vivíamos pois no meio da população e nunca tivemos qualquer tipo de problemas. Em que condições íamos para lá? Aos soldados era-Ihes dado um colchão pneumático Repimpa de cor verde-tropa, igual aos que se utilizam na praia. As formigas baga-baga tinham umas tenazes que chegavam a ferir. Resultado: no dia seguinte o colchão estava furado, o ar ia-se e os rapazes passavam a dormir no chão.

No que me diz respeito, levava a minha cama, colchão, mosquiteiro, frigorífico e cimento, que roubava ao Furriel Tavares, para pavimentar a Tabanca (2) aonde ia dormir.

No exterior desta colocava um tambor aberto para receber água, e, com duas esteiras, uma no chão e outra lateral, fazia uma casa de banho onde diariamnete, ao fim do dia, tomava o meu banho e fazia a barba.Junto à cozinha, fazíamos um forno para cozer pão. Tínhamos sempre pão fresco.

Sempre achei que pelo facto de viver nesta adversidade deveria manter uma postura limpa e civilizada. Mudava de roupa constantemente, que era lavada por uma mulher local, que dava cabo dela em pouco tempo. Tinham o hábito de lavar a roupa com pedras, pois sabão era coisa que conheciam pouco. Todo este serviço era gerido pelo meu impedido, o Figueiredo.

Vou contar alguns episódios que se passaram quando estive nas Tabancas a nível do meu grupo de combate (3). Os africanos tinham umas cadeiras de verga compridas, construídas por eles, para se estenderem à porta das Tabancas para fumarem o seu cachimbo. Com o incómodo do calor, era também estendido numa daquelas cadeiras que eu arranjava posição para ler.

Um dia estava eu numa dessas cadeiras, debaixo de uma árvore, à sombra, a ler, quando de repente vejo o que me parecia uma folha muito verde, a mexer-se com o vento.

Fixo melhor a vista, e então o que era? Uma serpente muito verde que não tinha mais de um palmo. Vinha na minha direcção ou na direcção da árvore. Dou um salto. O cozinheiro, que passava ali por perto, assistiu à cena, vai buscar a G3 e, com um único tiro, corta a cobra que já estava em cima da árvore, em dois.

Com este alvoroço, aparecem uns africanos, que logo explicam:
- É a serpente mais venenosa que há! - Quando os africanos sobem aos coqueiros e vêem lá uma atiram-se ao chão pois preferem partir uma perna do que serem picados por ela.

Nunca vi ninguém com mais pontaria do que aquele rapaz que fazia de cozinheiro.
Na cozinha tínhamos, além do cozinheiro, o adjunto que ia rodando. Um dia calhou a vez a um rapaz a quem chamávamos de picapau. Já estava bem apanhado pelo clima. Quando havia galinha ou frango para comer, o nosso picapau primeiro depenava o bicho e só depois é que lhe cortava o pescoço.

Como as nossas ementas não variavam muito, resolvi uma vez, por minha iniciativa, comprar uma vaca. Além de ser uma distracção, era uma oportunidade de comermos uns bons e belos bifes.

Os soldados, que muito gostaram deste programa, lá mataram e cortaram o animal. Comemos umas belas refeições e ainda sobrou muita carne que foi guardada cuidadosamente no meu célebre frigorífico de campanha.

Neste entretanto passa pela nossa Tabanca uma companhia de pára-quedistas, que vinha com dois grupos de combate. A solidariedade em Africa é ou era uma coisa que só vista. Fizemos pão e demos de comer a toda aquela gente, quando no fundo nós éramos bem menos do que eles.

Verdade se diga que o Capitão daquela companhia me recebeu na base dos Páras, em Bissau, como um VIP. Tinha o sentido da gratidão.
___________

Notas de L.G.

(1) Vd último post > 6 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P941: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (13): Operação ao Fiofioli

(2) Tabanca é sinónimo de povoação, composta por um conjunto de moranças (habitações familiares, de forma redonda ou rectangular) que, por sua vez, podiam era constituídas por mais do que uma casa ou palhota. A generalidade dos militares portugueses também usava o termo para designar uma morança ou, melhor, uma palhota. As casas melhores, com mais do que uma divisão, de forma rectangular, eram de tijolo de adobe, rachas de cibe e cobertura de colmo (ou até zinco, fornecido pela tropa). O Paulo Raposo refere-se aqui a tabanca como sinónimo de aglomerado habitacional ou casa.

(3) Vd. outros posts, da minha autoria, relacionados com tabancas em autodefesa:
30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXI: Sare Ganá, a última tabanca de Joladu

Excertos do diário de um tuga (3). Texto de L.G.:


15 de Agosto de 1969:

1. Sare Ganá. A última das tabancas do regulado de Joladu, no sub-sector de Geba. Estive aqui destacado duas semanas, em reforço ao sistema de autodefesa. O que não é irónico, porque a população é fula.

Armadilhada entre as duas fiadas de arame farpado e guarnecida por um pelotão de milícia e grupos civis de autodefesa, Sare Ganá é uma espécie de aldeia estratégica. Aqui termina a nossa soberania territorial, a norte do Rio Geba e começa a zona de intervenção do Com-Chefe que inclui, entre outras, as regiões de Mansomine, Caresse e Oio.

É aqui que vive o régulo, uma solitária figura de aristocrata fula. Todos os seus súbditos, mandingas, balantas e manjacos, que viviam em Joladu, 'foram no mato' (leia-se: aderiram à guerrilha ou fugiram das NT). Hoje o seu regulado está circunscrito ao perímetro de Sare Gana e a mais duas ou três tabancas (Sare Banda, Sinchã Satu...).

Quase todos os dias ouvíamos os Fiats bombardearem Sinchã Jobel, uma base de guerrilheiros a 10 km a norte, e que é inacessível no tempo das chuvas devido às bolanhas e lalas que a rodeiam. Até Farim é tudo terra para queimar. Nenhuma tropa apeada, ao que parece, se atreve a penetrar neste santuário do IN. Fala-se aqui da 'mata do Óio' como um misto de temor e de terror, domínio do sagrado e da morte
(...)

30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXII: As aldeias fulas em autodefesa

17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLII: Fátima, a furtiva gazela

domingo, 9 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P948: Memórias de Mansabá (3): A angústia do minas e armadilhas (Carlos Vinhal)


Guiné > Região do Oio > Bironque > Uma mina anticarro, detectada a tempo... e pronta para ser levantada.




Região do Oio > Bironque > Levantamento da mina... Foto tirada à distância regulamentar...


Guiné > Região do Oio > Bironque > O Carlos Vinhal e o Sousa à sua esquerda... Nos dias que correm - de Campeonato do Mundo de Futebol - muito se tem falado da angústia do guarda-redes na hora do penalti... Ora, raramente se tem falado aqui da angústia dos nossos camaradas, Furriéis Milicianos de Minas e Armadilhas, quando se tratava de levantar um engenho explosivo montado pela guerrilha... (LG)


Texto e fotos: © Carlos Vinhal (2006), ex-Furriel Miliciano de Artilharia, com a especialidade de Minas e Armadilhas, CART 2732, Mansabá (1970/72)


Durante uma grande parte da comissão fui encarregue da gerência dos bares do aquartelamento. Por inerência do cargo ia quase todos os meses com o meu camarada Costa, Fur Mil Alimentação, a Bissau para acompanharmos no regresso os reabastecimentos da Cantina e Bares.

As colunas de reabastecimento eram compostas por um número elevado de viaturas de carga civis e militares, carregadas com víveres destinados a Mansoa, Mansabá, K3 e Farim. As viaturas militares de mercadorias eram pertença da Companhia de Transportes Militares e eram comandadas normalmente por um Furriel Miliciano que coordenava também as viaturas civis, alugadas para reforço. A protecção da coluna era assegurada entre Bissau e Mansoa pelas forças de Mansoa. A minha Companhia, por sua vez, esperava ali a coluna de onde fazia protecção até Mansabá e daqui ao K3. As viaturas de carga destinadas a cada aquartelamento iam ficando sucessivamente a descarregar, sendo apanhadas, mais tarde, no regresso da coluna para Bissau.

No dia 3 de Dezembro de 1971, num desses reabastecimentos, chegou, ainda em Bissau, uma informação de que teria sido montada, pelo IN, uma mina anticarro no trajecto entre Mansoa e o K3. Deram-me conhecimento do facto por eu ser o único graduado com o curso Minas e Armadilhas na coluna. Dirigi-me ao comandante das viaturas de reabastecimento, por sinal um Furriel Miliciano recentemente chegado à Guiné, para o avisar de que os condutores das viaturas de carga deveriam conduzir com cuidado, porque a todo o momento poderiam surgir complicações. Julgando que eu estava a amedrontá-lo por ele ser periquito, não me levou muito a sério.

Percorridos cerca de sessenta quilómetros, chegamos a Mansoa sem problemas onde os camaradas da minha Companhia nos esperavam para continuar a escolta até Mansabá. Pela frente ainda tínhamos cerca de quarenta difíceis quilómetros, porque iríamos atravessar uma zona de passagem do IN para o Morés. Neste percurso circulávamos sempre com cuidados redobrados.

Assim se fez e chegámos a Mansabá sem sobressaltos, faltando agora cerca de quinze quilómetros até ao K3. Para chegar a Farim era só atravessar o rio na jangada.

Como eu ia ficar e a coluna continuar, dirigi-me ao furriel da Companhia de Transportes para lhe desejar a continuação de boa viagem, bom regresso a Bissau e uma boa estadia na Guiné. Aproveitou ele para dizer que eu tinha brincado, porque nada tinha acontecido.

A coluna continuou e eu pensava já num bom banho e roupa lavada.

Passado algum tempo, estava eu no quarto quando fui chamado ao Comandante. Afinal sempre tinha aparecido uma mina anticarro. Exactamente no Bironque, num buraco existente na estrada, feito pelo rebentamento de uma outra mina em 16 de Julho de 1971 (1), a qual tinha danificado irremediavelmente a nossa GMC, causando ainda seis feridos, um dos quais com gravidade. O Comandante deu-me ordem para avançar para o local a fim de neutralizar o engenho. Fui chamar o meu camarada Sousa para que ele me acompanhasse na missão e lá seguimos numa reduzida e improvisada coluna até ao local.


Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > GMC destruída por mina A/C no Bironque, a 16 de Julho de 1971.


A detecção da mina deveu-se à informação recolhida em Bissau e ao bom hábito de picar a zona da cratera sempre que ali passávamos.

A coluna tinha interrompido a sua marcha e o furriel da Companhia de Transportes veio logo ter comigo, pediu-me desculpa por não ter acreditado em mim e desejou-me felicidades para a operação de neutralização da mina.

Analisada a situação, afastámos toda a gente para uma distância de segurança e metemos mãos à obra. Por sorte a mina, uma TM42, que possui uma asa própria para transporte, tinha-a acessível sem necessidade de lhe mexer muito. Foi só afastar um pouco de terra com cuidado não fosse estar armadilhada. Atámos-lhe uma corda estendendo esta de modo a, por de trás de uma árvore, puxar a mina até ela se soltar. À conta de alguma força, lá a conseguimos soltar. Para a tornar inofensiva, removi-lhe a espoleta e ei-la em condições de ser tocada e fotografada para a posteridade.

O pessoal reapareceu todo, recebemos as felicitações da ordem e voltou tudo à normalidade.

A coluna continuou o seu caminho até ao K3 e nós voltámos ao aquartelamento para finalmente eu tomar o meu banho e vestir roupa lavada. A rotina no aquartelamento esperava-me (2).

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732,
Mansabá (1970/72)
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P890: Uma mina no Bironque (Carlos Vinhal)

(2) Outros posts, inseridos no nosso blogue, relacionados com minas e armadilhas:

26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P911: Uma mina para o 'tigre de Missirá'

24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P904: SPM 3778 ou estórias de Missirá (3): carta a Alcino Barbosa, com muita intranquilidade (Beja Santos)

21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P889: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (11): Férias em Portugal


(...) "Terminado o serviço, regressámos e Nossa Senhora nos valeu novamente. Saímos do aquartelamento de madrugada e passados uns 200 metros, ao começarmos a descer um relevo da estrada, no cimo da subida à nossa frente, dá-se um grande rebentamento e surge um grande tiroteio.

"Eu ia logo à frente, atrás dos picadores (picadores eram os rapazes que iam à frente com umas varas, com um ferro na ponta para picar o chão à procura de minas), e deito-me imediatamente para o chão. A árvore atrás de mim fica toda picada com tiros do inimigo. De repente noto que algo se passa de estranho, que havia outro tiroteio cruzado.

"Então o que se passara? Vinha na estrada, em sentido inverso ao nosso, uma secção de milícias nativas. O inimigo tinha na estrada uma mina comandada e montara uma emboscada. Como eles chegaram primeiro à mina foram eles a apanhar com a metralha.

"Resultado: 3 mortos e três feridos graves evacuados de heli Se tivéssemos sido nós a lá chegar primeiro, tinha apanhado eu e os picadores com aquela mina. Durante toda a tarde andei com o caixão daqueles rapazes noUnimog para os entregar às famílias. Ao fim do dia, por causa do calor, o sangue ainda não tinha coagulado" (...).

30 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXII: As minas do nosso descontentamento

26 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLIII: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

(...) "Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!

"A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!

"Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então" (...).

20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (15): um dia negro para a 15ª Companhia de Comandos (Setembro de 1969)

(...) "Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anti-carro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência" (...).

11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (14): De que lado estaria Deus ? (Agosto de 1969)

(...) "As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projectando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado" (...).

26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias do Xitole ao Saltinho: duas pontes, um fornilho e uma trovoada tropical (David Guimarães)


24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVI: Um mês a feijão frade... e desenfiado (Mondajane, Dulombi, Galomaro, 1969) (Carlos Marques Santos)

(...) "No cruzamento para Dulombi rebenta uma mina na GMC que segue à minha frente (nós íamos apeados, fazendo a segurança à coluna que integrava uma nova Companhia em treino operacional e que era de madeiraenses) a cerca de 15/20 metros, destruindo a sua frente. Resultado: um morto (desintegrado) e um ferido (condutor) que faleceu ainda nesse dia.

"Impossibilitados de prosseguir fomos para Dulombi com os reabastecimentos. Aí fomos informados que deveríamos seguir a pé para Mondajane, que atingimos e onde nos instalámos" (...).


22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXI: Quando até os picadores tinham medo (Mansambo, 1968)
... Às 14.00h a coluna iniciou a retirada, tendo a cerca de 2 Kms da Ponte dos Fulas (XIME 7C-2) sido emboscada do lado Oeste por grupo IN estimado em 40/50 elementos. Esta emboscada foi iniciada pelo accionamemto de uma mina A/C comandada e simultaneamente pelo lançamento de granadas de Mort e LGFog, tendo dois destes últimos atingido duas viaturas GMC, uma das quais ficando imobilizada.

A emboscada foi feita no princípio do regresso da coluna tendo a ela ficado sujeitos o Pel Caç Nat 53 e 2 Gr Comb da CART 2339, durante cerca da 30 minutos, tendo as NT reagido pelo fogo e manobra.

Tratados os feridos, apagado um foco de incêndio manifestado numa das viaturas atingidas, atrelada a que ficara imobilizada, [foi depois] procurado na ausência do PCV contacto com qualquer um dos postos fixos de Bambadinca, Mansambo e Xitole, [tendo-se] conseguido a ligação com este último, por onde foi feito o pedido de apoio de fogo da aviação de Bambadinca – Agrupamento.

"Iniciada a marcha com todo o pessoal apeado, pouco tempo depois nova emboscada IN do mesmo lado da estrada e com os mesmos efectivos e armamento (Mort 60, Met Lig e Armas Aut)(...)


19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas

(...) "Na Guerra do Ultramar, em África,
De todos os temores, o mais terrível
Era a mina dissimulada no chão,
Traiçoeira... funesta... invisível" (...)

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

(...) "E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca" (...).


23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)


(...) "Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C.

"0 condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf. Mil. Moreira] (a), 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917)(...).

(...) "Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur. Mil. Marques e Henriques] (d) , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.

"Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf. Mil. Rodrigues, o Sold TRMS Pereira e os Sold Cherno e Samba"(...).



11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)


(...) "Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (...) considerava-me já quase um veterano…

"Recordo-me da viatura: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… O Dalot, que ia a atrás de mim, levava um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, várias toneladas de ferro, mais três de arroz… Daquela vez vez foi ele e a sua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão" (...).

10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez' (David Guimarães)

(...) "E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!

"Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…

"O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado, o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!! - Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida" (...)


23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas (David J. Guimarães)

20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho (Luís Graça)

sábado, 8 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P947: Antologia (45): o abandono de Portugal por parte dos EUA (Luís Graça)

Amílcar Cabral, o malogrado dirigente do PAIGC, assassinado pelos seus próprios camaradas em Janeiro de 1973, em Conacri... Durante muito tempo, viu-se neste atentado o dedo da PIDE/DGS, a polícia política portuguesa que teve uma íntíma colaboração com as Forças Armadas Portuguesas. Foto: CaboVerde 'on line' (2006)

Notíca do Expresso - África, de 7 de Junho de 2006:

Documentos oficiais foram tornados públicos: EUA concluem que Portugal não esteve envolvido na morte de Amílcar Cabral

Menos de um mês após o assassínio do dirigente histórico do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral, os Estados Unidos concluíram que Portugal não esteve directamente envolvido na sua morte. A conclusão foi revelada através de documentos oficiais tornados públicos esta semana em Washington.

De acordo com a agência Lusa, os documentos incluem telegramas, minutas de reuniões ao mais alto nível do governo norte-americano e ainda propostas sobre a política a seguir por Washington face à deterioração da situação militar na Guiné-Bissau e Moçambique.

Amílcar Cabral foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973 em Conackry e a 1 de Fevereiro aqueles serviços do Departamento de Estado emitiram um relatório onde referiam: «a maior parte dos sinais indicam (que o assassínio de Cabral) foi resultado de um feudo entre mulatos das ilhas de Cabo Verde e africanos do continente», acrescentando contudo «haver sinais de envolvimento português».

Os documentos revelam ainda que a diplomacia norte-americana se encontrava a par de planos do PAIGC de declarar a independência da Guiné-Bissau nas zonas libertadas do território (o que veio a acontecer em Setembro de 1973) e ainda que, face à deterioração da situação militar, Portugal esteve envolvido em contactos com representantes do movimento de libertação nesse ano. Um estudo dos Serviços de Informações e Investigação do Departamento de Estado datado de 5 de Outubro de 1973 diz que o PAIGC controlava na altura «aproximadamente um terço do território» e avisa que o PAIGC irá pedir a adesão do país à ONU «ainda este ano ou no próximo».

Em Dezembro de 1973, o então secretário de Estado, Henry Kissinger, presidiu a uma reunião em que a situação na Guiné foi discutida e em que Kissinger e outros destacados funcionários manifestaram a sua irritação face à inflexibilidade de Portugal na questão colonial. No encontro o então sub-secretário de Estado para questões políticas, William Porter, queixa-se amargamente que «o problema é que eles (os portugueses) não nos dão nada com que possamos trabalhar. Não nos dão nada para que os possamos defender. Não nos dão uma única coisa. Falam muito», disse Porter. Kissinger afirma a certa altura que «não há solução excepto tirar-lhes (os territórios)».

Cinco meses depois o golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 evitou que Washington tivesse que tomar uma «decisão política» quanto às colónias portuguesas (1).
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Nota de L.G.

(1) A verdade é que Portugal, sob o regime político de Salazar/Caetano, estava completamente isolado no plano diplomático, sendo a longa guerra do ultramar (como alguns dos nossos camaradas ainda hoje gostam de dizer, em vez de guerra colonial) insustentável, sobretudo depois de 1973: assassinato de Amílcar Cabral, um dos mais prestigiados líderes revolucionários da época, proclamação0 unilateral da independência da Guiné e Cabo Verde em Madina do Boé; cheque-mate à nossa Força Aérea com os foguetões Strella, de origem soviética; abandono de Portugal por parte dos nossos velhos aliados; crise petrolífera e económica...
A fórmula do orgulhosamente sós tinha-se tornado suicidária... Foi pena que a nossa elite dirigente da época tenha perdido a oportunidade histórica de encontrar um solução política para o impasse da maior guerra colonial, em três frentes, do Séc. XX... Foi pena, por todos nós: portugueses, caboverdianos, guineenses, angolanos, moçambicanos... Hoje os nossos países seriam bem diferentes, para mellhor...

Guiné 63/74 - P946: Destacado no Gabu, em Cansissé, de Julho de 1973 a Setembro de 1974 (Américo Marques)

1. Mensagem do A. Santos (ex-soldado de transmissões, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74), para o Américo Marques:

Boa tarde:
Estou a transmitir para o teu posto, depois de o Luís Graça e o Sousa de Castro me falarem de ti. Por eles sei que estiveste em Cansissé mas dizem que estiveste lá em 72/74. Gostaria de saber se possível mais pormenores, pois, pelo que sei, Cansissé só tinha um grupo de combate e pertencia à CCAV 3405/BCAV 3854 de Nova Lamego (1971/73)... Aqui está qualquer coisa que não se encaixa.

Por meu lado, tirei a especialidade em Campolide - Lisboa, no BCAÇ 5, de 2 de Janeiro a 10 de Março de 1972 e marchei para Bissau em 15 de Julho de 1972.

Fico aguardar as tuas noticias um grande alfa bravo [abraço]


2. Resposta do Américo Marques, ex-soldado de transmissões da 3ª CART do BART 6523, com sede em Nova Lamego (Gabu), destacado em Cansissé (Julho de 1973 / Setembro de 1974):

A. Santos:
Não bate certo e com razão! Eu fui formando de transmissões no primeiro trimestre de 1973 no BC5, em Campolide. E embarquei para a Guiné no verão desse ano. Ou já se esqueceram dos meus dados? No texto último (A Estibordo do Niassa) estão referências a datas (1).

Américo
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Nota de L.G.

(1) Vd. posts referentes ao Américo Marques e a Cansissé:

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P901: De Viana do Castelo a Cansissé (Américo Marques)

21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P891: Recordando o Xime do Sousa de Castro (A.Santos)

12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)

Guiné 63/74 - P945: 'Gente feliz com lágrimas': o Zé da Ilha, o furriel Sousa, madeirense, da CCAÇ 12

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Nhabijões > 1970 > Pessoal da CCAÇ 12, destacada no reordenamento de Nhabijões. O furriel Sousa é o primeiro da direita, seguido dos furriéis Reis e Henriques. O tocador de acordeão era o nosso 1º cabo escriturário, se não me engano.

Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

© Humberto Reis (2006).

Fão, Esposende > 1994 > Encontro da malta de Bambadinca (1968/71): CCS do BCAÇ 2852 (1969/71), CCAÇ 12 (1969/71), Pel Daimler 2606 (1970/71) e outras unidades adidas.

Na foto, o José Luís Sousa é o segundo a contar da esquerda para a direita, ladeado pelo Humberto Reis, o António Carlão e o J.L. Vacas de Carvalho.

Foto: © Humberto Reis (2006).

Mensagem do José Luís Sousa, ex-furriel miliciano da CCAÇ 12, o nosso baladeiro, tocador de viola, o nosso camarada madeirense que era a doçura em pessoa...

Recordo-me de, no regresso a casa, em Março de 1971, o Uíge ter parado no Funchal o tempo suficiente para nós irmos, em grupo (em bando!), cantar e dançar o bailinho da Madeira na famosa Rua do Comboio, em casa do Sousa, a mesa farta, e à volta uma alegre e numerosa família madeirense, jovial, simpatiquíssima, alegre, de que guardei para sempre a melhor memória...

A família do Sousa, o nosso Zé da Ilha - era assim que o tratavamos, afectuosamente - , os seus numerosos manos e manas, ainda hoje os associo, a todos, por um qualquer automatismo da memória, ao filme Música no Coração... Foi um momento único e mágico na viagem do nosso regresso a Lisboa...

Vocês, amigos e camaradas da Guiné, não imaginam a alegria que foi, naquela casa, o regresso do mano Sousa, vivinho da costa, devolvido aos pais e irmãos, rodeado por todos os cacimbados dos seus camaradas, os furriéis e alferes da CCAÇ 12...

Voltei a encontrar o Sousa em 1994, em Fão, Esposende, e logo a seguir na sua terra natal... Fui depois várias vezes ao Funchal, por motivos profissionais, e nomeadamente nos últimos meses, mas confesso que não tive o mínimo de tempo para o procurar... Até pela simples razão de ter perdido o seu contacto telefónico... Vejo que o Sousa continua a trabalhar nos seguros... Mais assíduo e mais amigo tem sido o Humberto Reis que nunca deixa de porocurar o Zé Luís quando vai à Madeira...

Com a entrada do Zé Luís, são já cinco os camaradas da CCAÇ 12, da época de 1969/71, que fazem parte da nossa terúlia: eu próprio, o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Jaquim Fernandes e agora o Zé da Ilha...Há ainda o António Duarte, mas este camarada, que nos sucedeu na CCAÇ 12, é já de outra geração (1973/74)... Dois ou três anos de diferença, lá no cu de Judas, no inferno da Guiné, era mesmo uam diferença abissal...

Zé: para a próxima, não me escapas!... Mais tarde ou mais cedo, haveríamos de nos encontrar nesta caserna virtual, de gente tão generosa e boa como a tua família... Espero que esteja tudo bem contigo, a começar pelos teus pais, tão amorosos, e os teus joviais manos e manos, gente feliz com lágrimas de quem eu guardo a melhor das recordações...

Faz-me o favor de mandar as duas fotos da praxe que é para eu te pôr, todo bonitinho, na nossa fotogaleria... E, claro, a uma pequena estória onde falas de ti, de nós, da Guiné... Foi uma enorme alegria receber o teu mail, mesmo telegráfico, que aqui reproduzo para o resto da tertúlia:

Amigo. Lindo o teu trabalho. Qual GRITO DE GUERA dos momentos passados naquela Guiné. Continua. Acompanharei, a partir de hoje, tudo o que de novo for inserido neste Blogue. Um GRANDE abraço do José da Ilha. Madeira, 06-07-06 José Luis Sousa.

sexta-feira, 7 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P944: Historiografia da presença portuguesa em África (2): Colaboradores, precisam-se (Nuno Rubim)


Guiné > A diversidade e a riqueza dos grupos étnicos que compunham o antigo território português da Guiné no início da década de 1950. Legenda (por colunas, de cima para baixo): 1ª coluna > Banhuns, Manjacos / Papéis do Norte, Mandingas, Mancanhas / Brames, Papéis, Balantas; 2ª coluna > Biafadas, Baiotes, Felupes, Nalus, Bijagós, Grupo Fula e assimilados, Diversos.

Na imagem mais pequena, mostra-se a situação aproximada dos Balantas, Biafadas e Mandingas no princípio do Séc XIX (manchas vermelha, amarela e azul, respectivamente), bem como os eixos das invasões fulas (setas), a apartir do noroeste e do norte (actual Senegal), do leste, do do sudeste e do sul (actual Guiné-Conacri). Compare-se as manchas (veremelha, amarela e azul) habitadas por Balantas, Biafadas e Mandingas, no início do Séc. XIX, com a situação que resultou do domínio dos fulas (mancha a verde, no mapa de maiores dimensões).

Infogravura: Adapt. de René Pélissier: © Nuno Rubim (2006)



Texto do Nuno Rubim, coronel de artilharia, reformado, que comandou em 1966, durante vários meses, a CCAÇ 726, aquartelada em Guileje; especialista em história militar.

Tenho estado a estudar, entre outras coisas, as operações militares portuguesas no Sul de Angola, 1871-1915, na sequência da leitura da obra de René Pélissier, História das Campanhas de Angola (que cobre o período 1845-1941), 2 volumes.

Foi com grande surpresa que constatei dois fenómenos:

- Que se trata da melhor obra sobre o assunto, quer publicada em Portugal, quer no estrangeiro, tanto em publicações oficiais como privadas, e... de longe !

- Que, ao contrário do que sucede com a documentação oficial da guerra de 1961-1974, de que a grande maioria desapareceu por manifesta incúria, o material que perdurou até aos nossos dias, quer no Arquivo Histórico-Militar, quer no Ultramarino, é muitíssimo completo e está longe de ter sido estudado na sua totalidade.

E isto acontece relativamente a todas as ex-colónias, Guiné, Angola, Moçambique, Índia, Macau e Timor.

Naturalmente que Pélissier (estou em contacto com ele ) não é um especialista em questões estritamente militares, daí eu ter avançado na minha pesquisa para assuntos tais como o dispositivo faseado (unidades), pessoal, equipamento e armamento, fortificação, alimentação, serviço de saúde, comunicações e outra questões, terminando pela análise da acção de comando e conduta e desenrolar das operações, com numerosos mapas, fotografias da época, quadros
e desenhos.

Só ainda não sei o que vou fazer de todo esse estudo, que ocupa já 13,2 GB no meu computador !
Ora eu espero vir a fazer o mesmo trabalho para a Guiné. Pélissier também publicou uma obra excelente, em 2 volumes, intitulada História da Guiné - Portugueses e Africanos na Senegâmbia (1841-1936) (1).

Será que algum dos camaradas estaria interessado em colaborar comigo na pesquisa da documentação e noutros possíveis domínios ?


Um abraço

Nuno Rubim

PS - Junto um mapa etnográfico da Guiné.

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Nota de L.G.

(1) Editado em Portugal, pela Editorial Estampa, em dois volumes. René Pélissier é um reputado especialista, francês, na história recente da colonização portuguesa, especialmente em África, a cuja investigação dedicou mais de 40 anos da sua vida.


René Pélissier - História da Guiné: Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936. Lisboa: Editorial Estampa. 2 volumes, c. 600 pp. Preço de capa de cada volume: 14,27 € (mais IVA) .

Foto das capas: Editorial Estampa (2006) (com a devida vénia)
Comentário de L.G.: É fantástico como um militar de carreira, na reforma, que fez a sua carreira militar numa época conturbada e cheia de contradições (guerra colonial, 25 de Abril de 1974, 25 de Novembro de 1975, modernização e reestruturação das forças armadas portuguesas num contexto pós-colonial, europeu e global), um homem que conhece bem e ama profundamente a Guiné, se torna um especialista em história militar e arranja tempo, disposição, motivação, meios para se dedicar ao estudo, profundo, minucioso, sério, profissional, metodologicamente rigoroso, dum vasto leque de questões ligadas à organização e funcionamento do nosso exército nas campanhas de África, nos Séc. XIX e XX...
O Nuno Rubim é um exemplo para todos nós, é um tuga que merece as nossas palmas!!!

Guiné 63/74 - P943: Lápide do BCAÇ 2884, o batalhão do João Tunes no Pelundo (A. Marques Lopes)



Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Pelundo > Abril de 2006 > Obelisco mandado erigir pelo BCAÇ 2884 cuja CCS esteve no Pelundo (1969/70). Ao lado, o jipe do Xico Allen. Foto acima: lápide com os seguintes dizeres "BCAÇ 2884 à Pop Pelundo. Dez. 70".

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)

As duas fotos foram-nos enviadas, em 29 de Maio último, pelo A. Marques Lopes, juntamente com fotos de Có ou do que resta de Có (1), e a seguinte legenda: "Para lembrar... Eu e o Allen passámos por aqui, a caminho de Canchungo [Teixeira Pinto]. Para quem lá esteve se lembrar daquilo... como está"...

Ora quem esteve no Pelundo, nesta unidade, foi o nosso camarada João Tunes, como alferes miliciano de transmissões. Ele já aqui nos falou da porrada que apanhou do comandante, porrada essa de que se orgulha, já que ela veio na sequência da desobediência a uma ordem absurda, arbitrária, exorbitante, numa típica situação de uso e abuso de poder... O resto da história é já conhecida: por se recusar a dar um estalo num cabo de transmissões, desobedecendo à ordem do tenente coronel, o João Tunes acabou por ir parar ao sul, a Catió, sendo colocado noutra CCS, noutro Batalhão... Sabemos quem, no final, saiu pela porta grande, com louvor com distinção...

Compreensivelmente, o João sempre fez questão ignorar, olimpicamente, o número do seu Batalhão (2), tanto o primeiro como o segundo.

Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Dezembro de 1969 > O Alf Mil Tunes ao volante do jipe MG-70-86. A seu lado, creio que era o capelão da CCS do BCAÇ 2884...

Foto: © João Tunes (2005).
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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXV: Do Porto a Bissau (22): As ruínas de Có (A. Marques Lopes)

(2) Vd. post de 25 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXI: Pelundo: Nº do batalhão ? Não sei, não me lembro (João Tunes)

(...) Já tenho pensado (pouco...) nesta coisa de não me lembrar no nº do meu Batalhão do Pelundo e nem sequer do outro, o de Catió. Acho que foi um filtro qualquer de rejeição que se me meteu na memória depois de lá voltar. Prefiro que assim seja, que esquecer-me dos gajos porreiros com que me cruzei naquela guerra de merda, obrigando-nos a sermos camaradas mais que irmãos (...)
Logo a seguir, avivámos-lhe a memória e ele até nos ficou grato por se ter safo dessa maldita amnésia: vd. post de 27 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes

(...) Obrigado por finalmente teres avivado a minha memória, lembrando-me o número do meu Batalhão do Pelundo. É isso, BCAÇ 2884, sob comando desse Tenente-Coronel de pacotilha Romão Loureiro (antes da Guiné, o tipo havia feito a maior parte da sua carreira "militar" na União Nacional, tendo chegado a Presidente da Câmara de Viseu... e foi fazer aquela comissão para poder ascender a Coronel, mas [...] sabia tanto de guerra como eu sei da cultura de alcagoitas) (...)
No chão manjaco o nosso camarada apeendeu a apreciar a superioridade da sociedade e da cultura dos manjacos: vd. post de 7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLIII: Respeito pelos manjacos, se faz favor! (João Tunes)

(...) Muito do que aprendi com o major Pereira da Silva sobre os manjacos foi-se nas brumas da memória (não tomava apontamentos, só me restavam os olhos e os ouvidos que as garrafas entornadas da 'chicória americana com álcool' iam deixando em lucidez entaramelada). Mas aquele homem, lembro-me dos seus bigodes de sábio e a sua bóina mal metida no seu cocuruto de oficial intelectual, era não só um poço de cultura como um óasis de saber, aprender e ensinar naquela guerra de merda (...).

quinta-feira, 6 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P942: Pensamento do dia (4): De raiva vai tudo à frente (Paulo Raposo)

1. Pensemos no exemplo dos nossos putos que, no campeonato do mundo de futebol, souberam dar um bom exemplo do que é um grupo coeso e motivado para o sucesso. Não se esqueçam que, como disse um guru da liderança, "quando o trabalho do melhor líder fica feito, as pessoas dizem: Fomos nós que o fizemos"... Vamos lá continuar a blogar, a recordar, a rir, a cantar, a chorar... Por mim, vocês têm via verde... (LG)

2. Comentário do Paulo Raposo:

Se ninguém picar a nossa indolência, ninguém se mexe. Faltou neste jogo esse toque, tal como recebemos e reagimos com a Holanda. De raiva vai tudo à frente.

Um quebra-costelas do

Paulo

Guiné 63/74 - P941: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (13): Operação ao Fiofioli


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Fiofioli > Março de 1969 > Operação Lança Afiada. O Alf Mil Paulo Raposo, da CCAÇ 2405, junto a um dos helicópteros. O número de evacuações, por insolação, desidratação, doença, ataque de abelhas e esgotamento foi enorme: mais de uma centena de casos (1).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Fiofioli > Março de 1969 > Operação Lança Afiada. O temível helicanhão. Um Alouette III, com canhão lateral de calibre 20 mm.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Fiofioli > Março de 1969 > Operação Lança Afiada. O Alf Mil Paulo Raposo (à direita) com o Furriel Mil Veiga Pereira

Fotos: © Paulo Raposo (2006)

XIII parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).

Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. 38-40 (1).

Operação ao Fiofioli

A mata do Fiofioli era uma mata bem controlada pelo inimigo. Era um tufo rodeado de bolanha por todos os lados, fazia lembrar uma ilha.

Para se desalojar o inimigo, preparou-se uma grande operação, prevista para durar oito dias, com várias companhias envolvidas. Todo o abastecimento tinha de ser feito por heli. E lá fomos mais uma vez.

Houve um dia que os helis não conseguiam descer para nos abastecer de água devido à vegetação densa. Passámos muita sede. Nesse dia tivemos de beber água de um charco lamacento. Como? Tirámos o quico, nome que dávamos ao boné, que estava todo sebento, enchemo-lo de lodo, e, por baixo, íamos apanhando a humidade às gotas. Só acredita quem por lá passou.

Para as operações é costume contratar carregadores locais, para nos levarem água adicional e munições. Habitualmente não fugiam e era uma forma de dar trabalho na região. Por vezes a verba disponível para estes serviços era gasta em falsos contratos, e eram os soldados que tinham de carregar com os pesos.

Estas operações mais compridas eram muito penosas e assim eu, por minha conta, contratava um carregador para me levar a arma, bebidas e comida adicional. O que mais apreciávamos comer no mato era a fruta em calda. Era refrescante e o sumo tinha o açúcar necessário para nos dar as forças suficientes para a caminhada. Por desidratação, em cada operação, perdíamos sempre vários quilos.

Fomos para a operação, que se previa difícil e penosa. Logo à saída o Capitão teve um ataque de asma, e acabou por não ir. Aquilo ficava longe.

As baixas até ao fim da operação foram muitas, umas por exaustão, outras por oportunismo. Um dos meus rapazes, que transportava o cano da bazuca, a meio da operação, quando passou por perto de um heli, meteu-se nele para ir embora, deixando no chão o tubo abandonado.

Para esta operação fomos munidos com redes para nos protegermos das abelhas. Largámos para a operação e, depois de caminharmos durante muito tempo, estacionámos à noite em frente à mata do Fiofioli, antes da bolanha, para nos prepararmos para o ataque.

Ao pé do meu grupo de combate estavam os Ten Cor Hélio Felgas e Banazol, que acompanhavam a operação connosco.

No dia seguinte, de madrugada, partimos rumo ao desconhecido. Atravessámos a bolanha e nada. Entrámos na mata e nada. Por fim entrámos no aldeamento inimigo que estava vazio. Toda a população tinha fugido. As casas eram boas, todas escondidas debaixo das árvores, para não serem vistas pela Força Aérea.

De lá trouxe um livro do inimigo, que ensinava as crianças a ler. Depois foi o regresso. Mais uma penosa caminhada. Os helis andavam no seu vai vem abastecendo-nos de água e rações de combate. Tínhamos de ser nós, os oficiais, a tomar conta da água e a distribuí-la por todos igualmente. Os helis eram assaltados se não tivéssemos organizado este sistema.

Continuámos o caminho de regresso e tivemos uma pequena troca de fogo com o inimigo e, em simultâneo, um ataque de abelhas. Pusemos as redes na cabeça e continuámos a andar. O nosso medo das abelhas era maior que o medo do fogo do inimigo.

Eu também fui evacuado. A companhia terminou esta operação com muitas baixas, para desespero do Capitão. E novamente retomámos a nossa rotina nas Tabancas em Auto Defesa.
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Nota de L.G.

(1) Sobre a Op Lança Afiada (Março de 1969), vd. os seguintes posts:

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(...) "O IN sofreu 5 mortos confirmados (contando com o que tentou fugir na última noite) e cerca de 20 feridos" (...)

(...) "Foram capturados 17 nativos, na sua maioria mulheres" (...)

(...) "AS NT não tiveram mortos. Sofreram 22 feridos, quase todos ligeiros. Tiveram ainda cerca de 110 elementos evacuados por insolação, ataque de abelhas e doença" (...)

(...) "Só muito raramente foi encontrada água bebível. Alguns poços foram atulhados pelo IN ou estavam já secos. Outros continham água negra ou meia salgada que só os carregadores conseguiram beber. Quando, junto de Gã Júlio, por exemplo, os soldados metropolitanos quiseram seguir o exemplo dos carregadores tiveram que ser evacuados uns 16 com febre alta.

"Centenas de galináceos e cabritos ou leitões foram capturados e comidos em tabancas abandonadas, compensando assim um reabastecimento alimentar que se revelou algo deficiente quer em qualidade quer em quantidade" (...).

(...) "Não houve propriamente acção aérea se por acção aérea se pretende significar: apoio aéreo pelo fogo. Só no dia 12 de Março, o helicanhão actuou na margem oposta do Rio Corubal contra a tabanca de Inchandanga Balanta. E em 14 de Março, a FA [ Força Aérea ] bombardeou a mata de Fiofioli, não tendo as NT notado no dia seguinte quaisquer vestígios deste bombardeamento. Não se teve conhecimento de outras acções aéreas pelo fogo" (...).

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

Operação realizada de 8 a 19 de Março de 1969, entre a margem direita do Rio Corubal e a linha Xime-Xitole

(...) "Total dos efectivos (1291) empregues: (i) Militares:36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças; (ii) Milícias: 106; (iii) Guias e carregadores 379" (…) .

(2) Vd. último post> 26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P912: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (12): A morte de um pai

Guiné 63/74 - P940: Bibliografia de uma guerra (13) : o testemunho de Aristides Pereira (Beja Santos)


Título: Um luta, um partido, dois países
Autor: Aristides Pereira (1)
Editora: Círculo de Leitores
Ano: 2002
Preço: c. 17,1 €

Foto da capa > Fonte: Círculo de Leitores (com a devida vénia)


A Luta contra a guerra colonial na Guiné Bissau: o testemunho de Aristides Pereira

por Beja Santos

Um dos fenómenos mais entusiasmantes da cultura de massas do nosso tempo é a História posta em romance. Não há hoje ficcionista que não procure visitar um período da História, um herói, um personagem singular, conformando-o à trama ficcionista. Temos o Egipto Antigo percorrido pelo egiptólogo Christian Jacq, a Grécia e Roma Antigas são percorridas por romances policiais, e daria várias teses de doutoramento explorar o consciente e o inconsciente desta História como romance. Entre nós temos os sucessos de Fernando Campos, como A Casa do Pó, José Saramago celebrizou-se mundialmente com O Memorial do Convento, Seomara Veiga Ferreira biografou Leonor Teles e o Padre António Vieira, entre outros, e a lista é infindável.

O que está por detrás deste fenómeno?

Certamente que a História deixou de ser apreendida como um todo e a cultura em fascículos revela-se decepcionante. Há autores que se celebrizaram por tentativas culturais, superabrangentes, caso de O Mundo de Sofia, e, de quando em vez, há best sellers que condensam a cultura mundial. Falhada a cultura administrada em pequenas doses, e independentemente do sucesso das revistas monográficas, dicionários e enciclopédias, que enfrentam as necessidades actuais dos profissionais/consumidores da informática ou do vídeo, a receita emergente é um momento histórico onde ambiguamente o romance invade os dados fidedignos.

A Amante de Brecht, por Jacques-Pierre Amette, que recebeu o Prémio Gouncourt de 2003, é uma obra admirável que nos dá a ilusão de ficarmos a conhecer o homem Bertolt Brecht .
A best-sellerista Mo Hayder descreve em Tóquio o massacre de Nanquim de 1937, transformando o acontecimento num thriller épico.

Em A longa viagem de Garcia Mendes a historiadora Marianna Birnbaum revela-nos uma judia portuguesa que se transformou, no século XVI, numa das mulheres mais ricas da sua época e influente em muita da história europeia do seu tempo.

Se isto acontece com os historiadores e com grandes romancistas, porque é que os políticos não se deixarão tentar em contar o seu papel na História envolvendo-se numa trama ficcionista?
Até recentemente, a autobiografia era assumida como uma visão da História na 1ª pessoa do singular: tudo era justificado na subjectividade do observador. Quem sabe se contaminado pela História como um romance, o autobiografado de hoje fala de si e da sua luta, dos triunfos e dos revezes, por vezes recorrendo a bibliografia, extractos de correspondência, depoimentos, arruma a cronologia e o leitor fica com um pé no depoimento histórico e o outro assente numa visão doce das intenções ficcionistas do narrador.

Aristides Pereira, figura proeminente do PAIGC, antigo Presidente da República de Cabo Verde, resolveu pôr no papel o testemunho da sua luta na guerra colonial que precedeu as independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Não cabe aqui analisar a verdade histórica dos factos descritos, e até discutir da bondade das omissões. Toca a sensibilidade do leitor saber-se que este depoimento lança sempre na ribalta o estratego Amílcar Cabral. O autobiografado, que variadas vezes refere ter passado a escrito estas memórias para responder a deturpações e até gestos tribalistas, não se preocupa em responder concretamente à falta de fundamentação daqueles que acusaram a luta contra o colonialismo como estando envenenada pela presença hegemónica dos cabo-verdianos.

A narrativa do assassínio de Amílcar Cabral, descrita como um episódio ainda hoje rodeado pela bruma, não ilude que os executores criticavam publicamente o dirigente assassinado por satisfazer a lógica dominadora dos cabo-verdianos, por exemplo.

Num momento em que se reacendem as ameaças de uma nova guerra na Guiné-Bissau, o testemunho de Aristides Pereira (Uma luta, um partido, dois países, Círculo de Leitores) merece ser lido e meditado, à luz do sonho de Amílcar Cabral, do heroísmo dos seus combatentes, de uma caminhada tão demolidora que acabou por transformar, com o seu sucesso independentista, a História de Portugal a partir de 1974.

Fica, no entanto, uma série de interrogações por esclarecer e que ganham o sabor de um thriller de ficção: havia ou não um conflito insanável entre guineenses e cabo-verdianos? Não houve uma verdadeira ficção em querer juntar dois países com etnias, culturas e patrimónios radicalmente distintos? Até que ponto a mistura entre a fantasia e a realidade não gerou o drama latente que se vive na conturbada Guiné Bissau?

Afinal, para além deste espectacular fenómeno da História como romance (ao que parece, com cada vez mais milhões de leitores em todo o mundo) não seria importante que o relato histórico não saísse das margens dos seu leito, garantindo aos investigadores acesso à verdade histórica?
___________

Nota de L.G.

(1) "Natural de Boa Vista, onde nasce no ano de 1923, o futuro activista começa por estudar no liceu de São Vicente. Aos 25 anos viaja para Guiné onde trabalha como técnico de telecomunicações e onde cedo se familiariza com os movimentos de luta pela independência de Portugal. Em 1956 funda, com o lendário Amílcar Cabral, o Partido Africano de Independência da Guiné e Cabo Verde.

"Entre vitórias e derrota assiste finalmente ao reconhecimento de Cabo Verde como país a 5 de Julho de 1975, na sequência da queda do Estado Novo em Portugal. Eleito Presidente da República é derrotado nas eleições de 1991 decidindo então dedicar-se à escrita das sua memórias.

"Para além dos inúmeras distinções (e referimos apenas algumas: o grande colar da Ordem Militar de Sant’ Iago da Espada e da Ordem do Infante D. Henrique), associa-se ao Projecto SPHAC (Salvaguarda do Património Histórico da África Contemporânea). Recolhendo testemunhos e a informação guardado nos arquivos portugueses e africanos, Aristides contou com a colaboração de uma equipa de investigadores e historiadores de que se destaca o Prof. Joseph Ki-Zerbo, pai da historiografia africana, que prefacia esta obra"

(Extractos de: Fonte: Círculo de Leitores)

quarta-feira, 5 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P939: A organização militar do PAIGC (Leopoldo Amado)

Guiné > Sector de Cubucare > Guerrilheiros do PAIGC sendo inspeccionados por um comandante. Foto: UN / Yutaka Nagata, fonte: Return to the Source: Selected Speeches, by Amilcar Cabral. New York: Monthly Review Press, 1974.
(Imagem gentilmente cedida pelo membro da nossa tertúlia Jorge Santos, 2005)

Texto do Leopoldo Amado, historiador, mestre em Estudos Africanos, doutorando em história contemporânea pela Universidade de Lisboa, especialista da guerra de libertação/guerra colonial na Guiné, guineense, vivendo actualmente em Portugal, editor do blogue Lamparam II, membro da nossa tertúlia:

Caro Martins e restantes membros da Tertúlia,

Gostaria de elogiar o Martins por este ciclópico trabalho que consistiu em coligir as unidades do Exército Português que estiveram na guerra da Guiné (1). Sem dúvida, um ronco e um trabalho extraordinário que se nos apresenta como um importante contributo para todos quantos pretendem continuar a compreender a guerra colonial / guerra de libertação da Guiné.

Do lado do PAIGC, sempre senti a necessidade de fazer coisa igual, apesar de reconhecer que é muito difícil, pelas razões que se advinham e que se perfilam do seguinte modo:

1) Desde 1964 que o PAIGC começou timidamente a organizar o seu Exército (Forças Armadas Revolucionárias do Povo - FARP), com o objectivo evidente de conferir a este maior mobilidade e maior potencial combativo, deixando as tarefas propriamente de guerrilha para as milícias populares (instituídas também em 1964) e as questões da auto-defesa com as FAL (Forças Armadas Locais). Apesar disso tudo, até 1965, quase que não era possível distinguir elementos da guerrilha, das FARP e das FAL;

2) Em 1965, Amílcar Cabral passou cerca de 5 meses no interior da Guiné. O objectivo principal desta estada prendia-se justamente organizar o Exército do PAIGC – as FARP. Foi nesse período que se constituíram os primeiros unidades do Exército, denominadas Corpo do Exército (CE). Porém, com a extensão da guerra a três frentes a partir de 1966 (Norte, Sul e Leste), Amílcar Cabral manteve no essencial a estruturação matricial do Exército, mas foi introduzindo adaptações que transformaram completamente a estrutura original. Muitos novos CE foram criados, e outros foram extintos, dependo uma e outra situação das circunstâncias militares do teatro da operação, mas igualmente do dispositivo táctico e estratégico que o Exército português foi sofrendo ao longo da guerra.

3) Assim, essas adaptações atingiram também os bigrupos (unidade de combate originalmente constituído por 21 combatentes), mas que a dada altura atingiam as 46 pessoas, entre elementos da infantaria, minas e armadilhas, reconhecimento e artilharia (2). A partir de 1968 – altura crítica para o Exército do PAIGC –, Amílcar Cabral introduziu o conceito de bigrupo reforçado que normalmente atingia os 150 homens, os quais eram balanceados entre o Norte e o Sul e ainda o Leste, seja em função da necessidade de concentração de efectivos para operações de grande envergadura, seja porque o PAIGC sempre se debateu, ao longo de toda a guerra, com enormes problemas de recrutamento regular de efectivos para o seu Exército.

4) Entretanto, não obstante a precisão com que a maioria dos elementos civis do PAIGC descrevem a evolução global da guerra, constata-se que os mesmos não guardaram grandes recordações estritamente militares. Quanto aos ex-militares do PAIGC, duma forma geral, as informações que possuem são muito parcelares, independentemente da posição hierárquica que ocuparam numa área geográfica delimitada, razão pela qual se torna difícil a reconstituição das unidades de combates que noutras áreas actuaram. É verdade que muitos dos antigos combatentes do PAIGC recordam-se do CE a que pertenceram inicialmente, mas quando confrontados com a tarefa de sua reconstituição, ressalta sempre o facto de terem sido sucessivamente transferidos para vários outros CE, dificultando tal mobilidade de efectivos a trabalho de reconstituição histórica;

5) Finalmente, acrescem outras ainda dificuldades de natureza heurística, na medida em que os Arquivos do PAIGC são muito parcos em matéria de documentação estritamente militar, tanto mais que esse dossiê, assim como as tarefas de planeamento e coordenação geral do Exército, eram quase que exclusivamente da competência de Amílcar Cabral. Apesar disso, a confrontação interactiva dessas fontes do PAIGC com a documentação militar do Exército português na Guiné, sobretudo as publicações periódicas do Exército português na Guiné (Suprintrep, Intrep, e publicações classificadas da intelligence do Exército), apresentam-se potencialmente úteis para um trabalho que proponha reconstituir estruturalmente as FARP. Esperamos poder abalançar-nos um dia nesse trabalho.

Matenhas e um abraço di ermondadi
Leopoldo Amado
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Notas de L.G.

(1) Ficheiro em Excel que está a circular pela nossa tertúlia. A primcipal fopnte do José Mnarytins foi a publicação do Estado Maior do Exército, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 3º Volume: Guiné. Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXVII: Mais de mil unidades entre 1962 e 1974 no CTIG

(2) Sobre este ponto vd. posts de:

10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVI: Um bigrupo, quantos homens eram ?

A. Marques Lopes:

(...) "Os efectivos variavam entre 50/60. Dois bigrupos iam aos 100, mais ou menos. Podendo variar conforme o número de elementos recrutados em cada sector. São esses os números que aparecem nos relatórios de operações.

"O bigrupo era aquilo que podemos chamar a companhia no exército do PAIGC, quando decidiu dar um passo na organização da guerrilha em termos formais, com estrutura de comando, com armamento distribuído uniformemente por cada unidade (o bigrupo), onde cada um tinha a sua função: havia os apontadores de RPG, os de metralhadora pesada, os de morteiro, os atiradores de kalash... quando avançaram para a organização de operações" (...).

10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXIX: Ainda a questão do bigrupo (Sousa de Castro)

(...)Sousa de Castro:

"De acordo com o livro Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique (Lisboa: Diário de Notícias, s/d), da autoria de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, e com base em estimativa do comando militar português, em 1971, os efectivos do PAIGC empenhados na luta pela independência eram assim constituídos:

"Efectivos por unidade:

- bigrupo: 38/44 unidades
- bigrupo reforçado: 70 unidades
- grupo de artilharia: 50 unidades
- grupo de canhões/morteiros: 23 unidades
- grupo de foguetões/antiaéreos: 16 unidades" (...)

Guiné 63/74 - P938: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (4): branco com coração negro no Rio Corubal, em Cassamange

Guiné > Zona Leste > Saltinho > Pel Caç Nat 53 > O Alferes Santiago na ponte do Saltinho em Dezembro de 1970

Guiné > Zona Leste > Saltinho > Quartel do Saltinho e ponte sobre o Rio. Foto tirada antes do início da construção do reordenamento de Contabane, na outra margem do rio Corubal.


Guiné-Bissau > Região de Baftá > Saltinho > O Paulo Santiago na ponte do Saltinho em Fevereiro de 2005 numa viagem de regresso de todas as emoções

Guiné-Bissau > Saltinho > Fevereioro de 2005 > Rápidos do Saltinho no Rio Corubal. Conmtinua a ser uma boa praia fluvial na época seca.


Guiné-Bissau > Cansamange > Fevereiro de 2005 > O Paulo Santiago com o Mussa, o Queta e o Samba


Texto e fotos: © Paulo Santiago (2006)

IV parte do relato da viagem do Paulo Santiago e de seu filho João Francisco à Guiné-Bissau em Fevereiro de 2005.

Terminei o meu último relato na noite de 6 de Fevereiro de 2005, na Pousada do Saltinho com o gerador avariado (1).

Dia 7, aí pelas 8 horas, saímos do Saltinho rumo a Cansamange (2), utilizando uma picada não existente nos anos da guerra. Quase à entrada da Tabanca,o jipe ía devagar, seguindo eu à frente ao lado do Pedro, há um individuo que grita:
- Santiago, Santiago! - e começa a correr em direcção à viatura. Fiquei parvo. O Pedro parou de imediato e a pessoa aproximou-se, abraça-me, eu estava atordoado, e pergunta:
- Santiago, não te lembras de mim ? Sou o Mussa, fui instruendo em Bambadinca quando tu comandavas a Companhia de Milícias. Tu eras um gajo muito duro na instrução. Estão também aqui em Cansamange o Queta e o Samba, que foram também teus instruendos.

Eu estava, de facto, completamente estupefacto... Como era isto possível ao fim de trinta e três anos ? Para o meu filho tudo isto era de espantar, notava-lhe emoção no rosto.Caminhamos para o centro da tabanca, aparecem mais pessoas, dão-se mais abraços e lá aparecem o Queta e o Samba.

Sentamo-nos, voltamos a falar da instrução (dava unicamente EF e GAM) (*), concordo com eles. Puxava bastante na instrução, mas dizem-me que eu tinha que ser mesmo assim. Não estão ressentidos, mas agradecidos por estar ali com o João no meio deles. Informo-os que sigo para Madina Buco e depois Quirafo. O Mussa pede para fazermos uma roda. Querem fazer uma oração por mim e pelo João. Damos as mãos e fazem a oração e penso:
- Que posso fazer por esta gente? Eu, branco por fora ,sinto que tenho coração negro, um coração que anda por aquelas terras desde 1970.

Quando estamos para arrancar aparece o Mussa e o Queta cada um com a sua galinha que me oferecem. Faço um esforço tremendo para não chorar, mas acabo por não resistir quando o Samba me oferece três ovos. Que falta não farão as galinhas e os ovos àqueles amigos! Despeço-me em lágrimas.

São 9.30 horas. Seguimos para Madina Buco.

(*) Descodificando: EF=Educação física; GAM=Ginástica de aplicação militar. Isto era o que dava directamente. Tinha as formaturas habituais e também a supervisão da instrução. Não me cansava muito.

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Nota de L.G.

(1) Vd. posts anteriores:

30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca

26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau

(2) Julgo tratar-se de Cansamange, a nordeste do Saltinho (mapa geral da Guiné, 1961) e não Cassamanje, como vinha no texto original. Ver também carta de Contabane (1961).

terça-feira, 4 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P937: Pensamento do dia (3): televisão em Missirá (Sousa de Castro)

"Não sabia que que para os lados de Missirá havia TV para ver o Sporting" (Sousa de Castro, comentando um excerto da última estória cabraliana) (1)

"(...) Natural de uma aldeia perdida na Serra da Estrela, foi ele,[o Casto], que, apresentado em Missirá, me pediu para ir ver na Televisão o Jogo do Sporting nessa noite, à tasca da Muda, ali à esquina...

"Filho do Sacristão, ou talvez do Padre, o Casto era Virgem, e de uma inocência absoluta"...

Comentário de L.G.:

O Jorge Cabral tinha duas preocupações com o seu pessoal, militar e civil: a segurança e o bem-estar...E para ele não havia impossíveis, como por exemplo instalar uma parabólica em Missirá... O exército nunca reconheceu devidamente o valor de oficiais milicianos como este.

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Nota de L.G.

(1) Vd. post anterior, de 4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): A atribulada iniciação sexual do Soldado Casto


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano, a saída (norte) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá. Ao fundo, o Rio Geba Estreito. Finete e Missirá ficavam a norte.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)

Mais um short story do meu amigo e camarada Jorge Cabral, hoje advogado e professor universitário, mas que conheci em Bambadinca, como Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá Madinga e Missirá, 1969/71)


A atribulada iniciação sexual do Soldado Casto (1)

Jorge Cabral


À noite, após o jantar, nós os nove brancos do Destacamento, continuávamos à mesa, conversando. Falávamos de tudo, mas principalmente de sexo, mascarando a nossa inexperiência, com o relato de extraordinárias aventuras que assegurávamos ter vivido. O nosso motorista havia até desenhado num caderno as várias posições, indagando de cada um:
- E esta, já experimentaram?

Sobre o assunto, mantinha-se sempre calado, um Soldado do Pelotão de Morteiros, recém-chegado, o qual havíamos apelidado de Casto.

Natural de uma aldeia perdida na Serra da Estrela, foi ele, que apresentado em Missirá, me pediu para ir ver na Televisão, o Jogo do Sporting nessa noite, à tasca da Muda, ali à esquina...

Filho do Sacristão, ou talvez do Padre, o Casto era Virgem, e de uma inocência absoluta...

Temendo ser gozado pelos outros camaradas, expôs-me as suas dúvidas em privado.
Lá lhe expliquei a mecânica da função e a anatomia genital feminina, preparando-o para a grande ocasião, que havia de chegar, quando fosse possível uma escapadela a Bafatá, o que veio a acontecer, na semana seguinte.

Abancados no Teófilo, apesar dos meus avisos, para ganhar coragem, bebeu três ou quatro whiskys, razão porque quando o depositei nos braços da Sulimato, fiquei desconfiado, que não cumpriria... E assim sucedeu. Quase em lágrimas no regresso, confidenciou-me o falhanço.

Após tão frustrante incidente, caiu em desespero, convencendo-se que era, segundo dizia, calisto.

Como Comandante do Destacamento, competia-me resolver o problema e foi o que tentei fazer.

Fui buscar a Sulimato, ofereci a minha própria cama, e preparei uma cerimónia que assinalasse condignamente a virilidade do Casto.

Assim que ele conseguisse, devíamos dar três morteiradas …

Ainda nem dez minutos haviam decorrido porém, apareceu-me esbaforido.
– Que aconteceu, perguntei.
- Oh, meu Alferes, nada feito, a gaja tem que ir à Administração.
- À Administração? Estás maluco!

Fui ter com ela, para saber o que se havia passado.
- Alfero, m´ ca tá podi, sta cu mostração.- informou Sulimato.

Em 1998, fui a Paris, a um Congresso. Numa tarde, apanho um táxi. Logo que entro, o motorista, olha para mim e grita:
- Alferes Cabral, Alferes Cabral, eu sou o Casto!

Saímos do carro, abraçamo-nos engarrafando o trânsito. Fui jantar a casa dele, serviu-me whisky com Perrier para recordar. Conheci a mulher e os dois filhos adolescentes que segundo a mãe, saíram ao Pai, pois andavam atrás das pretas … Claro, confirmei, que na Guiné não lhe escapou nenhuma.

Piscou-me o olho o Casto, mas ninguém reparou …

Jorge Cabral

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Nota de L.G.

(1) Vd. a última > Post de 3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro

Vd também uma estória relacionada com esta > 17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 -DXLVI: Estórias cabralianas (5): o Amoroso Bando das Quatro em Missirá

Guiné 63/74 - P935: Porque não me mataram ou apanharam à mão em Missirá ? (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Regulado do Cuor > Missirá > 1969 > Aqui estiveram destacados, os nossos amigos e camaradas Beja Santos (comandante do Pel Caç Nat 52, entre 1968 e fiansi de 1969) e o Jorge Cabral (com o seu Pel Caç Nat 63). Mas também o Mário Armas, que foi furriel miliciano do Pel Caç Nat 54 (sob o comando do Alf Mil Correia, 1969/70).

Missirá era o destacamento do Sector L1, localizado mais a norte, no coração do regulado do Cuor, tendo por vizinhança duas bases do PAIGC: Madina/Belel (vd. carta de Bambadinca) e Sara-Sarauol (a noroeste de Madina/Belel, vd. carta de Mambonco). Missirá era frequentemente atacada. No tempo do Beja Santos, em Outuibro de 1969, haviua ainda dois pelotões de milícias, o 101 (Missirá) e 102 (Finete). Os milícias viviam nos destacamentos com as respectivas famílias, e deslocavam-se com elas, quando eram transferidos...

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)


Caro Amigo e Camarada

Obrigado Luís, mil vezes obrigado, por nos teres proporcionado este encontro, sacudindo-nos a memória embaciada, para tristezas e alegrias, que há muito julgávamos enterradas.

Lembro-me do Paulo Santiago [, comandante do Pel Caç Nat 53,] e do seu antecessor Mota, bem como do Machado [Alf Mil da CCS do BCAÇ 2852], que era um companheirão. Lastimo a morte do Payne [médico da CCS do BCAÇ 2852], cujos irmãos foram meus colegas na Faculdade de Direito.

Quanto ao Beja Santos [, comandante do Pel Caç Nat 52], saúdo a sua entrada na Tertúlia. Agora vai ter de explicar o que fez ao Comandante Corca Só (1)...

Por mim, fiz várias vezes, sozinho, desarmado e de noite, o percurso Bambadinca – Missirá, e ia a Mato Cão quase em passeio. O Polidoro [comandante do BART 2917] costumava dizer que eu andava protegido … Talvez por isso me mandou a Madina/Belel, sem o Pelotão, na companhia dos Paras (1).

O meu Amigo Idrissa Embaló, Professor na Universidade de Bissau, prometeu consultar os documentos relativos à actividade operacional do PAIGC, na zona. Vamos a ver se consegue, e se descubro o mistério – porque não me mataram, ou apanharam à mão?

Obviamente que nunca fui um Tigre, mas isso não explica tudo...

Segue estória (2) e como sempre um Grande, Grande Abraço

(*) Não fui de helicóptero mas sim a pé. Os Paras poisaram em Missirá.

Jorge

PS - Magnífico o teu Relim não é poema (3). Sancorlá e Salá são para mim nomes fatídicos. Sofri lá três mortos, em minas.
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P904: SPM 3778 ou estórias de Missirá (3): carta a Alcino Barbosa, com muita intranquilidade (Beja Santos)

(2) Mais uma estória cabraliana, a 11ª, a publicar oportunamnete > A atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

(3) Vd post de 1 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P930: O Relim não é um Poema (a propósito da Op Tigre Vadio)

Guiné 63/74 - P934: Da Casa da Mariquinhas do Gabu à Senhora Malária que me atacou seis vezes (A. Santos, Pel Mort 4574)


À esquerda: A. Santos (ex-soldados de transmissões, Pelotão de Morteiros 4574/72, Nova Lamego, 1972/74), 1972/74).

À direita: O António Santos, hoje, fundador da empresa Noprodigital - Comércio Equipamentos Escritório Lda, com sede em Caneças.

Texto e fotos: António Santos (2006)


Guiné> Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > Os maus caminhos da vida de caserna...


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego >O posto de rádio da CCS do BCAV 3854 (1971/73). Na foto, o António Santos, de serviço.


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAV 3854 (1971/74 > O edifício do comando.


Camarada Luís:

Antes de mais, quero dizer-te que tive um enorme prazer em conhecer a tua pessoa, ao vivo e... a cores.

Junto um pequeno texto, mas com muitos adereços... Conforme a nossa conversa aqui vão 2 fotos da minha tábua das rezas, em árabe, vê se está perceptível para o Mr. Argelino [um médico, de origem argelina, conhecido de L.G.] traduzir, senão tiro fotos com outra máquina que tem mais definição.

Junto tambem as fotos antes e depois para a fotogaleria: demorou um pouco, mas a culpa é do fotógrafo, pois tirei a foto actual no baptismo da neta mais nova no dia 13 de Maio de 2006 e só hoje ma entregou.

As outras fotos são do edificio do comando e dentro do posto rádio.

Um abração

A. Santos

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Camarada, Luis Graça:

No dia seguinte (1), começou a sobreposição, que durou uns quinze dias já não recordo bem, os trms [transmissões] e condutores foram emprestados à CCS [do BCAV 3854, Nova Lamego, 1971/73] para entrar na escala de serviço da mesma, assim como já era feito pelo pelotão [de morteiros] que fomos render.

Nós, os trms, fomos apresentados ao Alf Mil Trms, Pinto Ferreira, que se veio a revelar um excelente chefe: confiava nos seus homens e não precisava de puxar pelos galões.

Eu fui para o posto de rádio mexer em aparelhos que na especialidade nunca tinha visto, o AN/PRC-10 para fonia e o AN/GRC-9... Este era utilizado quase sempre em grafia, mas também era muito bom para fonia, principalmente para ouvir notícias e relatos da bola.

Dois ou três dias depois ao chegar ao posto de rádio para mais umas lições, fui enviado para o centro de mensagens, em substituição doo camarada Vasco, que estivera lá mas não se adaptou às cifras e códigos... Fui e acabei por ficar até receber o meu pira.

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > A ida à bolanha, ver as as bajudas lavar a roupa e o corpinho, era um dos poucos passatempos a que se podia dar ao luxo o Zé Tuga , nas horas vagas... Foto: © José Teixeira (2006)



A velhice lá partiu de regresso às suas vidas, e nós ficamos a contar os dias e a entrar na rotina do dia a dia, serviço 8 horas seguidas, algum descanço, futebol, ida quase diária à bolanha, ver as bajudas a lavar a roupa e o corpo, a visita quase obrigatória à casa da mulher grande, que ficava aí a uns 200 metros da igreja (foto enviada há dias), muita das vezes era só para inspeccionar o material e divertirmo-nos um pouco...

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > A casa da mariquinhas do Gabu ficava a 200 metros da capela...

Quando havia patacão (2) bebia-se a bica e/ou a cervejinha, ou meio wiskey, o que era um luxo: não é que fosse caro, o problema eram mesmo os pesos, eram sempre muito poucos.

Cópia de uma nota de cem escudos da Guiné (ou pesos), emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação antes da independência. A nota ostenta a efígie do Nuno Tristão, o primeiros dos nossos camaradas a morrer na Guiné, "país de azenegues e de negros" (sic), no já longínquo ano de 1446, "varado por azagaias envenenadas" (sic), como se pode ler algures no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra (se nunca lá foram, aproveitem para ir com os netos um fim-de-semana destes).

Foto: © Jorge Santos (2005)


Cópia de nota de 50 escudos (pesos) da Guiné. Frente. Imagem gentilmente enviada à nossa tertúlia pelo Sousa de Castro. Com uma verdinha destas, um cabo dava um queca, nos áureos tempos de 1972/74... (Na minha zona, dizia-se "mudar o óleo em Bafatá")...


Foto: © Sousa de Castro (2005)
Finais de Agosto de 1972, o primeiro e o mais terrível paludismo dos seis que me tocaram, mais terrível porque a ignorância de pira achou que fosse uma gripe, e por isso andei até ao limite das forças. Os camaradas - não me lembro quem - tiveram que pegar-me ao colo e levar-me para a enfermaria, ainda no quartel velho.

Ministraram-me tudo e mais alguma coisa, ainda assim, às 3 horas da madrugada, o enfermeiro de serviço chamou o médico e espetaram mais umas agulhas. Ao fim de quatro dias já estava a dar conta do recado, e fui transferido com outro soldado africano, únicos hóspedes, para a enfermaria do quartel novo, que era um luxo em relacção a anterior. Permaneci mais dois ou três dias e fiquei fino até a próxima.

Com esta aprendi que não se podia brincar com a malária, qundo aparecia ou atacávamos logo ou ela dava cabo de nós. As outras cinco vezes não foi nada parecido, inclusivé cheguei a fazer stock no meu armário dos quininos utilizados para esta maleita.

O centro de transmissões ficava no primeira divisão na ponta direita do edificio do comando, (junto foto, captada da porta de armas): ao centro do mesmo, os gabinetes do Comando e ao lado das trms a acção psicológica.


A. Santos

Ex-Soldado Transmissões
Pel Mort 4574, 1972/74

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Notas de L.G.
(1) Vd. posts anteriores do António Santos, relativos às suas memórias de Nova Lamego:
8 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXIV: Nunca digas jamais (António Santos, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego)
29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXI: Os cagaços de um periquito a caminho do Gabu (A. Santos, Pel Mort 4574/72)
21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P892: Memórias de Nova Lamego com o Pel Mort 4574/72 (A. Santos)
23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P900: O 25 de Abril em Nova Lamego (A. Santos, Pel Mort 4574/72)

(2) É caso para perguntar ao A. Santos, puto reguila, alfacinha, transmissões, qual era a cotação, em 1972/74, das meninas da Casa da Mariquinhas do Gabu... Essa é uma informação preciosa para os futuros historiadores da guerra da Guiné, 1963/74... e que infelizmente não vem em nenhum documento oficial das NT... Sobre o custo de vida do mulitar da tropa, nesses tempos já longínquos, vd post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXIX: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (1)

(...) "Há dias o Jorge Santos mandou-nos uma nota de cem escudos da Guiné (cem pesos). Ou melhor: uma nota digitalizada, uma imagem em formato jpeg. Puxem pela memória e digam lá, para a gente poder explicar isso aos filhos e netos, bem como à cara metadade, o que se podia comprar/pagar com uma notinha destas, no vosso/nosso tempo…

"Eu tenho ideia que era manga de patacão, pessoal ! Eu já não me recordo quanto pagava à lavadeira, em 1969/71, mas se fosse serviço extra, era capaz de lhe dar uma nota destas. A minha não fazia favores sexuais, mesmo em dias de festa: não era cristã nem animista, era uma fula, recatada e virtuosa… Mas em Bissau ou em Bafatá, uma queca (como os nossos filhos e as nossas tias dizem agora, 'tás-a-ver...) podia custar uma nota (preta) destas... Já não me lembro das cotações no lupanário em tempo de ocupação e de guerra... As verdianas do Pilão, essas, podiam ser até mais caras…

"Com uma nota destas, ó tuga, tu compravas duas garrafas de uísque novo (disso lembro-me bem…). O Old Parr (uísque velho, muito apreciado lá e cá) já custava mais: 130 ou até 150 pesos, se não me engano… Além do pré (6oo pesos/mês), os meus soldados africanos (que eram praças de 2ª classe!) recebiam mais, creio eu, cerca de 25 pesos por dia pelo facto de serem desarranchados. Nunca joguei à lerpa, mas o Humberto pode dizer quanto ganhava ou quanto perdia numa noite de insónias e de rodadas de uísque" (...) (L.G.)

Opinião (douta) de outro transmissões, do Alto Minho, o nosso querido camarada Sousa de Castro:

(...) "Puxando um pouco pela memória, eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade.A dita queca, se a memória não me trai, creio que era assim: para os soldados cinquenta pesos; para os cabos sessenta pesos; a partir daqui não me lembro quanto pagavam os mais graduados... Quanto às cabo-verdianas, a coisa era de facto mais cara, em final de comissão paguei cento e cinquenta ou duzentos pesos, isto em Fevereiro de 1974" (...).

Comentário de L.G.:

Ó Sousa, isso foi mesmo uma queca imperial, para a despedida, não da Guiné mas do Império!
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