quarta-feira, 5 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P939: A organização militar do PAIGC (Leopoldo Amado)

Guiné > Sector de Cubucare > Guerrilheiros do PAIGC sendo inspeccionados por um comandante. Foto: UN / Yutaka Nagata, fonte: Return to the Source: Selected Speeches, by Amilcar Cabral. New York: Monthly Review Press, 1974.
(Imagem gentilmente cedida pelo membro da nossa tertúlia Jorge Santos, 2005)

Texto do Leopoldo Amado, historiador, mestre em Estudos Africanos, doutorando em história contemporânea pela Universidade de Lisboa, especialista da guerra de libertação/guerra colonial na Guiné, guineense, vivendo actualmente em Portugal, editor do blogue Lamparam II, membro da nossa tertúlia:

Caro Martins e restantes membros da Tertúlia,

Gostaria de elogiar o Martins por este ciclópico trabalho que consistiu em coligir as unidades do Exército Português que estiveram na guerra da Guiné (1). Sem dúvida, um ronco e um trabalho extraordinário que se nos apresenta como um importante contributo para todos quantos pretendem continuar a compreender a guerra colonial / guerra de libertação da Guiné.

Do lado do PAIGC, sempre senti a necessidade de fazer coisa igual, apesar de reconhecer que é muito difícil, pelas razões que se advinham e que se perfilam do seguinte modo:

1) Desde 1964 que o PAIGC começou timidamente a organizar o seu Exército (Forças Armadas Revolucionárias do Povo - FARP), com o objectivo evidente de conferir a este maior mobilidade e maior potencial combativo, deixando as tarefas propriamente de guerrilha para as milícias populares (instituídas também em 1964) e as questões da auto-defesa com as FAL (Forças Armadas Locais). Apesar disso tudo, até 1965, quase que não era possível distinguir elementos da guerrilha, das FARP e das FAL;

2) Em 1965, Amílcar Cabral passou cerca de 5 meses no interior da Guiné. O objectivo principal desta estada prendia-se justamente organizar o Exército do PAIGC – as FARP. Foi nesse período que se constituíram os primeiros unidades do Exército, denominadas Corpo do Exército (CE). Porém, com a extensão da guerra a três frentes a partir de 1966 (Norte, Sul e Leste), Amílcar Cabral manteve no essencial a estruturação matricial do Exército, mas foi introduzindo adaptações que transformaram completamente a estrutura original. Muitos novos CE foram criados, e outros foram extintos, dependo uma e outra situação das circunstâncias militares do teatro da operação, mas igualmente do dispositivo táctico e estratégico que o Exército português foi sofrendo ao longo da guerra.

3) Assim, essas adaptações atingiram também os bigrupos (unidade de combate originalmente constituído por 21 combatentes), mas que a dada altura atingiam as 46 pessoas, entre elementos da infantaria, minas e armadilhas, reconhecimento e artilharia (2). A partir de 1968 – altura crítica para o Exército do PAIGC –, Amílcar Cabral introduziu o conceito de bigrupo reforçado que normalmente atingia os 150 homens, os quais eram balanceados entre o Norte e o Sul e ainda o Leste, seja em função da necessidade de concentração de efectivos para operações de grande envergadura, seja porque o PAIGC sempre se debateu, ao longo de toda a guerra, com enormes problemas de recrutamento regular de efectivos para o seu Exército.

4) Entretanto, não obstante a precisão com que a maioria dos elementos civis do PAIGC descrevem a evolução global da guerra, constata-se que os mesmos não guardaram grandes recordações estritamente militares. Quanto aos ex-militares do PAIGC, duma forma geral, as informações que possuem são muito parcelares, independentemente da posição hierárquica que ocuparam numa área geográfica delimitada, razão pela qual se torna difícil a reconstituição das unidades de combates que noutras áreas actuaram. É verdade que muitos dos antigos combatentes do PAIGC recordam-se do CE a que pertenceram inicialmente, mas quando confrontados com a tarefa de sua reconstituição, ressalta sempre o facto de terem sido sucessivamente transferidos para vários outros CE, dificultando tal mobilidade de efectivos a trabalho de reconstituição histórica;

5) Finalmente, acrescem outras ainda dificuldades de natureza heurística, na medida em que os Arquivos do PAIGC são muito parcos em matéria de documentação estritamente militar, tanto mais que esse dossiê, assim como as tarefas de planeamento e coordenação geral do Exército, eram quase que exclusivamente da competência de Amílcar Cabral. Apesar disso, a confrontação interactiva dessas fontes do PAIGC com a documentação militar do Exército português na Guiné, sobretudo as publicações periódicas do Exército português na Guiné (Suprintrep, Intrep, e publicações classificadas da intelligence do Exército), apresentam-se potencialmente úteis para um trabalho que proponha reconstituir estruturalmente as FARP. Esperamos poder abalançar-nos um dia nesse trabalho.

Matenhas e um abraço di ermondadi
Leopoldo Amado
______________

Notas de L.G.

(1) Ficheiro em Excel que está a circular pela nossa tertúlia. A primcipal fopnte do José Mnarytins foi a publicação do Estado Maior do Exército, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 3º Volume: Guiné. Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXVII: Mais de mil unidades entre 1962 e 1974 no CTIG

(2) Sobre este ponto vd. posts de:

10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVI: Um bigrupo, quantos homens eram ?

A. Marques Lopes:

(...) "Os efectivos variavam entre 50/60. Dois bigrupos iam aos 100, mais ou menos. Podendo variar conforme o número de elementos recrutados em cada sector. São esses os números que aparecem nos relatórios de operações.

"O bigrupo era aquilo que podemos chamar a companhia no exército do PAIGC, quando decidiu dar um passo na organização da guerrilha em termos formais, com estrutura de comando, com armamento distribuído uniformemente por cada unidade (o bigrupo), onde cada um tinha a sua função: havia os apontadores de RPG, os de metralhadora pesada, os de morteiro, os atiradores de kalash... quando avançaram para a organização de operações" (...).

10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXIX: Ainda a questão do bigrupo (Sousa de Castro)

(...)Sousa de Castro:

"De acordo com o livro Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique (Lisboa: Diário de Notícias, s/d), da autoria de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, e com base em estimativa do comando militar português, em 1971, os efectivos do PAIGC empenhados na luta pela independência eram assim constituídos:

"Efectivos por unidade:

- bigrupo: 38/44 unidades
- bigrupo reforçado: 70 unidades
- grupo de artilharia: 50 unidades
- grupo de canhões/morteiros: 23 unidades
- grupo de foguetões/antiaéreos: 16 unidades" (...)

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