quinta-feira, 6 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P941: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (13): Operação ao Fiofioli


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Fiofioli > Março de 1969 > Operação Lança Afiada. O Alf Mil Paulo Raposo, da CCAÇ 2405, junto a um dos helicópteros. O número de evacuações, por insolação, desidratação, doença, ataque de abelhas e esgotamento foi enorme: mais de uma centena de casos (1).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Fiofioli > Março de 1969 > Operação Lança Afiada. O temível helicanhão. Um Alouette III, com canhão lateral de calibre 20 mm.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Fiofioli > Março de 1969 > Operação Lança Afiada. O Alf Mil Paulo Raposo (à direita) com o Furriel Mil Veiga Pereira

Fotos: © Paulo Raposo (2006)

XIII parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).

Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. 38-40 (1).

Operação ao Fiofioli

A mata do Fiofioli era uma mata bem controlada pelo inimigo. Era um tufo rodeado de bolanha por todos os lados, fazia lembrar uma ilha.

Para se desalojar o inimigo, preparou-se uma grande operação, prevista para durar oito dias, com várias companhias envolvidas. Todo o abastecimento tinha de ser feito por heli. E lá fomos mais uma vez.

Houve um dia que os helis não conseguiam descer para nos abastecer de água devido à vegetação densa. Passámos muita sede. Nesse dia tivemos de beber água de um charco lamacento. Como? Tirámos o quico, nome que dávamos ao boné, que estava todo sebento, enchemo-lo de lodo, e, por baixo, íamos apanhando a humidade às gotas. Só acredita quem por lá passou.

Para as operações é costume contratar carregadores locais, para nos levarem água adicional e munições. Habitualmente não fugiam e era uma forma de dar trabalho na região. Por vezes a verba disponível para estes serviços era gasta em falsos contratos, e eram os soldados que tinham de carregar com os pesos.

Estas operações mais compridas eram muito penosas e assim eu, por minha conta, contratava um carregador para me levar a arma, bebidas e comida adicional. O que mais apreciávamos comer no mato era a fruta em calda. Era refrescante e o sumo tinha o açúcar necessário para nos dar as forças suficientes para a caminhada. Por desidratação, em cada operação, perdíamos sempre vários quilos.

Fomos para a operação, que se previa difícil e penosa. Logo à saída o Capitão teve um ataque de asma, e acabou por não ir. Aquilo ficava longe.

As baixas até ao fim da operação foram muitas, umas por exaustão, outras por oportunismo. Um dos meus rapazes, que transportava o cano da bazuca, a meio da operação, quando passou por perto de um heli, meteu-se nele para ir embora, deixando no chão o tubo abandonado.

Para esta operação fomos munidos com redes para nos protegermos das abelhas. Largámos para a operação e, depois de caminharmos durante muito tempo, estacionámos à noite em frente à mata do Fiofioli, antes da bolanha, para nos prepararmos para o ataque.

Ao pé do meu grupo de combate estavam os Ten Cor Hélio Felgas e Banazol, que acompanhavam a operação connosco.

No dia seguinte, de madrugada, partimos rumo ao desconhecido. Atravessámos a bolanha e nada. Entrámos na mata e nada. Por fim entrámos no aldeamento inimigo que estava vazio. Toda a população tinha fugido. As casas eram boas, todas escondidas debaixo das árvores, para não serem vistas pela Força Aérea.

De lá trouxe um livro do inimigo, que ensinava as crianças a ler. Depois foi o regresso. Mais uma penosa caminhada. Os helis andavam no seu vai vem abastecendo-nos de água e rações de combate. Tínhamos de ser nós, os oficiais, a tomar conta da água e a distribuí-la por todos igualmente. Os helis eram assaltados se não tivéssemos organizado este sistema.

Continuámos o caminho de regresso e tivemos uma pequena troca de fogo com o inimigo e, em simultâneo, um ataque de abelhas. Pusemos as redes na cabeça e continuámos a andar. O nosso medo das abelhas era maior que o medo do fogo do inimigo.

Eu também fui evacuado. A companhia terminou esta operação com muitas baixas, para desespero do Capitão. E novamente retomámos a nossa rotina nas Tabancas em Auto Defesa.
___________

Nota de L.G.

(1) Sobre a Op Lança Afiada (Março de 1969), vd. os seguintes posts:

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(...) "O IN sofreu 5 mortos confirmados (contando com o que tentou fugir na última noite) e cerca de 20 feridos" (...)

(...) "Foram capturados 17 nativos, na sua maioria mulheres" (...)

(...) "AS NT não tiveram mortos. Sofreram 22 feridos, quase todos ligeiros. Tiveram ainda cerca de 110 elementos evacuados por insolação, ataque de abelhas e doença" (...)

(...) "Só muito raramente foi encontrada água bebível. Alguns poços foram atulhados pelo IN ou estavam já secos. Outros continham água negra ou meia salgada que só os carregadores conseguiram beber. Quando, junto de Gã Júlio, por exemplo, os soldados metropolitanos quiseram seguir o exemplo dos carregadores tiveram que ser evacuados uns 16 com febre alta.

"Centenas de galináceos e cabritos ou leitões foram capturados e comidos em tabancas abandonadas, compensando assim um reabastecimento alimentar que se revelou algo deficiente quer em qualidade quer em quantidade" (...).

(...) "Não houve propriamente acção aérea se por acção aérea se pretende significar: apoio aéreo pelo fogo. Só no dia 12 de Março, o helicanhão actuou na margem oposta do Rio Corubal contra a tabanca de Inchandanga Balanta. E em 14 de Março, a FA [ Força Aérea ] bombardeou a mata de Fiofioli, não tendo as NT notado no dia seguinte quaisquer vestígios deste bombardeamento. Não se teve conhecimento de outras acções aéreas pelo fogo" (...).

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

Operação realizada de 8 a 19 de Março de 1969, entre a margem direita do Rio Corubal e a linha Xime-Xitole

(...) "Total dos efectivos (1291) empregues: (i) Militares:36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças; (ii) Milícias: 106; (iii) Guias e carregadores 379" (…) .

(2) Vd. último post> 26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P912: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (12): A morte de um pai

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