1. Mensagem de Mário Beja Santos, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Janeiro de 2010:
Queridos amigos,
A recensão avança para o fim. Bom seria que se começasse a pensar numa antologia abrangente das obras surgidas desde a guerra até hoje.
É espantoso o acervo de testemunhos, nomeadamente nos últimos 10 anos.
Há que procurar interpretar porquê esta súbita disponibilidade, este franco descomprometimento em contar sem rebuços o que lá se viveu. É verdade que ainda não surgiu nenhuma obra-prima, mas o mosaico cresce, as vozes ensurdecem, como multidão que sai do anonimato, deliberadamente.
Um abraço do
Mário
OS ANOS DA GUERRA:
ALGUNS OLHARES SOBRE A LITERATURA DA GUERRA DA GUINÉ (4)
Beja Santos
Recordatória
Em “Os Anos da Guerra”, o escritor João de Melo procedeu ao levantamento dos escritores que testemunharam as suas experiências em termos de preparativos ou vivências nas três frentes. Como é óbvio, circunscreve-se a reprodução de alguns parágrafos de obras destes escritores ao teatro da Guiné, recordando aos interessados que um elevado número destes livros estão completamente esgotados, pelo que teria sentido reformularem-se as antologias em função do que apareceu a partir de 1998, última data da actualização de João de Melo. Aliás, o escritor não esconde que a sua selecção obedeceu a critérios pessoais, ele próprio se estava a aperceber da chegada de outros escritores. É tempo de oferecer ao grande público os testemunhos de todos os que escreveram ou guardaram nas suas gavetas memórias de recorte literário – todas elas fazem parte de uma História em construção, o essencial é que não se continuem a perder estes pedaços das nossas vidas que moldaram os anos da guerra. Concluída a série “Os preparativos”, vamos continuar com os testemunhos em terras de combate.
O tempo em Uane, por Álvaro Guerra
Tenho para mim que Armor Pires da Mota e Álvaro Guerra foram os dois maiores escritores que escreveram no período da Guerra Colonial, sobre a Guiné. Nunca percebi o esquecimento do Álvaro Guerra que ali combateu e foi ferido. Ele não foi só um precursor, foi, como se verá, um escritor distinto, criativo, talentoso:
“A meio da tarde, vieram três alferes de Bedanda, na canoa a motor, tendo como pretexto a dominical caça aos crocodilos. Amarraram a canoa às velhas estacas de cibe do cais de Uane e encaminharam-se para a aldeia, os três alferes, o sipaio e os dois soldados da guarnição de Bedanda, o sol a abrir as primeiras gretas da seca nos estreitos valados do arrozal, o calor a martelar a terra e as costas reluzentes dos balantas que colhiam arroz, enterrados na lama e na água estagnada da bolanha que se estendia, na geometria infalível dos canteiros, desde da margem do rio até longínqua orla do mato, limite sombrio daquele infernal e extensíssimo quadrado de sol chispando na água, dentro do qual os negros se dobravam sobre o resto dos débeis caules verdes.
Atravessaram lentamente a bolanha, enfrentando o persistente ataque dos mosquitos. O alferes gordo que vinha a frente era quem mais suava, grossas gotas a deslizarem até às guias do bigode e, por vezes, a arderem nos olhinhos miudinhos que, no entanto, espreitavam os seios das mulheres a caminho do celeiro, os balaios cheios equilibrados sobre as cabeças de ébano.”
“Agora, contavam o tempo que os aproximava de si próprios, ou da ideia que faziam de si próprios, porque, em certos momentos, já não sabiam muito bem como eram, nem mesmo se tinham sido alguma vez estudantes nas universidades, se estas existiam e, se havia alguma coisa a esperar, o que era concretamente essa esperança. E os soldados, os sargentos, os oficiais superiores? A que é que se entregavam com mais sinceridade senão a contar o tempo que faltava? Cálculos variados, imaginosos: mais um nó na espia da barraca, mais um risco na agenda que, à socapa, se tira do bornal, uma conta na contra-capa de um livro abandonado, 181 dias, 4344 horas, 260640 minutos. Era assim que se contava o tempo, na Guiné, em Janeiro de 63, tal como se tinha feito nos meses anteriores e viria a fazer-se, depois.
- Seu Jaquim, traga cerveja.
Sentaram-se os quatro nas cadeiras aviadores de pau-sangue, rijas de quebrar os ossos, à volta da mesa redonda com um naperão de renda desbotado e sujo.
O Joaquim era cabo-verdiano.
- Quantas, senhor alferes? – perguntou com seu sotaque crioulo.
- Quatro granadas. – disse o da cicatriz.
Nas traseiras da loja chorava uma criança, uma mulher entoava uma morna e a sua voz era saborosa como sumo de ananás maduro”.
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Álvaro Guerra
(1936 – 2002)
Com “Os Mastins” (1967), seguindo-se “Disfarce” (1969), “A Lebre” (1970) e “Memória”, Álvaro Guerra revela-se um dos mais importantes escritores da guerra da Guiné, antes do 25 de Abril. É corrente que os seus investigadores se debrucem sobre a sua ficção assente no folhetim romanesco, caso da trilogia “Café República”, “Café Central” e “Café 25 de Abril”. Mas é uma injustiça grave não relevar os seus indispensáveis registos de combatente. Felizmente que João de Melo o transcreveu, reproduzindo parágrafos fundamentais em “Os Anos da Guerra”. Depois da sua comissão na Guiné, de onde veio ferido, trabalhou em Paris, foi jornalista, director de informação da RTP, assessor do presidente Ramalho Eanes e diplomata (embaixador na Suécia, Jugoslávia, Zaire e Índia).
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O bando armado de Urbano Bettencourt
Manuel Urbano Bettencourt Machado nasceu na ilha do Pico, em 1949 e participou na guerra da Guiné como alferes miliciano. O texto publicado em “Os Anos da Guerra”, era pelo menos ao tempo, inédito.
“Peito saliente barriga pra dentro, arma a tiracolo e aí vais tu arreado tão bom como os melhores ou não se dera o caso de teres nascido no mais ocidental banco de esperma da cristiana Europa Ocidental. Avanças quase sem sentir os pés contra o chão, importa manter o corpo em posição relativamente vertical para não dares pública parte de fraco, o que tens a fazer é caminhar o mais rectilineamente possível em direcção à luz outra vez a luz! que atira em todos os sentidos as sombras disformes dos soldados amontoados em redor das caixas com as rações de combate. Agora jogas à caridade alheia e aproveitas para testar a tua popularidade junto da magalagem «há porí uma ração a mais pô cabrão do alferes?» assim mesmo. Antecipas-te ao que eles poderão pensar de ti, cortas-lhes o jogo antes que eles o esbocem e a coisa acaba por funcionar um bocado só o suficiente para manter fechado durante as próximas horas o circuito entre ti e eles, para as outras logo se verá. Quatro ou cinco rações avançam para ti, «táqui mê alferes», confessa que não esperavas tantas «ena pá só quero uma». E a sede? não te esqueças nem menosprezes o brasido que começa a atear-se dentro de ti vais precisar de líquidos e não te bastará a gloriosa e heróica água dos filtros coloniais”
“- Meu alferes, pelotão pronto”.
Aí está, agora entras tu em acção. Nada de atropelos. Pões-te em sentido voltado para o pelotão, o Soares lá se baldou novamente, um passo em frente meia volta à direita bates a bruta pala da ordem e zás:
- Mecapitão dál icença?”
José Luís Farinha, nascido em Luanda em 1947, esteve entre 1970 e 1973 em Mansoa como alferes miliciano. É dele que se publicará um texto retirado de “De camuflado no peito e na cabeça” de 1968, e intitulado Carta número cento e dezassete”.
(Continua)
Privilegiava-se tudo quanto fosse táctica, logo na recruta: mata, progressões cautelosas, contornos de clareiras, saber olhar o piso, estimar as probabilidades de uma emboscada. Para minha surpresa, aqueles jovens, no final de 1970, não menosprezavam os cuidados dentro da floresta. Eu vinha cheio de verdor, conversava acaloradamente sobre as nossas responsabilidades em defendermos a vida humana, a dos que estavam ao nosso cuidado, por isso é a formação de um oficial é um momento de grande importância. Fiz estimas e de vez em quando encontro os meus instruendos. Por exemplo, o que está sentado no canto inferior esquerdo, é o soldado-cadete Nabais que vim a encontrar como director dos Moinhos de Maré, no Seixal. Ele iniciava com o pé direito a sua carreira brilhante na museologia, um grupo estupefacto assistiu ao nosso abraço e às explicações do director a este “nosso tenente”.
Foto e legenda: © Mário Beja Santos (2009). Direitos reservados.
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Nota de CV:
Vd. último poste de 7 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5604: Notas de leitura (49): Os Anos da Guerra, de João de Melo (3): Competência e Destino Guiné (Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
Guiné 63/74 - P5610: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (8): O périplo da 816 em dois anos de Guiné - Mansoa
1. Mensagem de Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 4 de Janeiro de 2010:
Caros Luís, Vinhal, Briote e M. Ribeiro:
Recebam um grande abraço mais votos de muita saúde, extensivos a todos os ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que, de algum modo, ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”, aqui vai mais um extracto que se insere na rubrica:
BISSORÃ – OLOSSATO – MANSOA:
O périplo da 816 em 2 anos de guerrilha na Guiné Portuguesa
MANSOA (III)
1 de Agosto de 1966 a 8 de Fevereiro de 1967
O ENCANTO NATURAL DA SALA DE VISITAS DA GUINÉ: MANSOA
Do que nos foi prometido, acabou por ser Mansoa - Nhacra (outra hipótese) seria bem melhor (tinha uma boa (?) piscina) e era pertinho de Bissau (~20 Kms.) -, o local para descanso da laboriosa 816. Modéstia à parte, um descanso merecidíssimo para quem durante 15 meses trabalhou árdua e decisivamente, com profícuos resultados, como o aprisionamento ao inimigo de material bélico na ordem de mais de 1,5 Ton., feito em diversas operações de “Golpes-de mão” - naquela altura, julgo, que foi apanhada ao inimigo a primeira metralhadora anti-aérea com respectivo tripé e canos de reserva - e com acção pedagógica relevante, ensinando a ler e a escrever as crianças nas povoações onde a Companhia estava sediada, (O Capitão Riquito fazia questão disso) num dos sectores vitais da guerra da província da Guiné: o OIO!
Era já um hábito colocar uma Companhia de Caçadores que tivesse estado sistematicamente em zona de grande conflito, nos últimos meses, em zona menos problemática e na altura Mansoa acabou por ser esse o local prometido à 816.
Mas Mansoa afinal não seria para a 816 a sua estância de repouso como seria de esperar, mas, e assim quis o destino, a continuação de uma luta sem tréguas como até então, pois o terrorismo acentua-se então nessa zona, como aliás por toda a província e é então a 816, que numa chamada às suas últimas forças, é forçada a intervir. É mais propriamente na vizinha zona de Jugudul e até Porto Gole nas margens do grande rio Geba - a guerra cada vez estava mais perto das portas de Bissau - que o inimigo começa a exercer acção em potência e cada vez mais bem armado e então era este o prato de sobremesa que estava reservado à massacrada 816. Os soldados mostravam já e de forma muito sensível nos seus rostos os traços de vida tão dura e desgastante. Alguns davam mesmo indícios de esgotamento ou psíquico ou físico ou as duas coisas, pois não é de esquecer que eram os soldados que, pelo menos fisicamente, eram os que tinham mais razões para estarem abatidos. Eram eles que mais puxavam pelo corpo nos trabalhos no quartel, eram eles que perdiam sucessivas horas na vigília do quartel, principalmente de noite nos postos de sentinela, e eram eles os mais solicitados em trabalhos de força e de carregamento.
A estrada que ligava Mansoa a Bissau tinha então também deixado de ser um passeio. Percorrê-la já requeria um bom efectivo militar e dispositivo de progressão adequado, como no interior, isto é, no seio propriamente dito da guerra.
Então as emboscados sucediam-se. Haviam já feridos e até mortes para contar. A estrada para Cutia também começava a ter os seus problemas e para Bissorã ainda mais, daí a construção entretanto do abrigo de Braia. A continuação do alcatroamento de Cutia para Mansabá fazia-se à custa de muita porrada.
Os ataques ao aquartelamento eram também mais frequentes e mais fortes.
Foi combater até entrar no Uíge.
Falando um pouco de Mansoa, desta simpatiquíssima povoação, e é este o propósito desta história, Mansoa ficou por certo gravada na memória de todos os militares da 816 e por certo de todos aqueles que por ali passaram (aparte a guerra).
Formava geograficamente o vértice de um trapézio composto ainda pelas povoações de Bissorã, Olossato e Mansabá; destas, as duas primeiras bem conhecidas da 816.
Mansoa dista cerca de 50 quilómetros da capital Bissau e uma estrada alcatroada, (e lembrar que em Junho (1966) fiz a viagem Bissau-Mansoa-Bissau num Volkswagen alugado a um Sargento em Bissau, para ir buscar um indispensável documento para a viagem de férias) ligava estas 2 povoações e que se estendia para além de Mansoa, até às proximidades de Cutia, para se ligar mais tarde a Mansabá.
Falando, já agora, um pouco de Cutia, esta era uma pequena povoação com um relativamente pequeno, destacamento militar, onde também mais tarde eu passaria fazendo parte da guarnição. Poucos indígenas a viverem ali também. Os graduados dormiam num abrigo feito em troncos de palmeiras e semienterrado. Nesse abrigo estava também o Operador Cripto e havia aí também um posto de sentinela, estes num posição altaneira e em torre adequada para o efeito. Não sei quem construiu aquele abrigo mas, o que era verdade, era um abrigo quase inexpugnável. Boa execução militar.
A estrada, dizia eu, haveria mais tarde de continuar alcatroada até Mansabá mas por ora o alcatroamento acabava perto de Cutia. A estrada para Mansabá veio depois também a ser alcatroada mas com muita porrada à mistura como já disse atrás. Para Bissorã continuava a estrada em terra batida onde sensivelmente a meio do percurso construiu-se então, e com já disse, o abrigo de Braia.
Falando agora de Mansoa mesmo, esta era de fisionomia plana com artérias alcatroadas dividindo a povoação de forma regular isto é com uma geometria simétrica e em quadrícula, possuía um cinema, conhecido pelo cinema dos “Balantas”, semi-descoberto, onde por vezes assistíamos a um filme que nos distraía e retemperava o espírito. Abro aqui um parêntese para referir que por vezes a sala era intempestivamente abandonada, pois acontecia que o inimigo resolvia atacar ou só flagelar, e aqui o filme já passaria a ser outro, na altura em que a sessão decorria e então a tropa, ali presente, como autómata e em rapidez impressionante ia ao encontro das suas posições previamente estabelecidas e que obedeciam claro está a um dispositivo de defesa. Contíguo ao cinema havia um bar onde nos deliciávamos de vez em quando com uma saborosa e refrescante bebida. Oh(!) bela água Du Perrier ou Du Vichy a combinar com uma bebida espirituosa –whisky (o velho Vat 69), Gin ou Rum -, enquanto jogávamos às cartas. Aqui o jogo era às Copas e os parceiros eram sempre os mesmos: o Piedade, o Marques, o Carneiro, e eu. Valia um Gin com água tónica. Tomávamos todos esta bebida e ao fim, os dois que perdessem, faziam o especial obséquio de pagar a dita despesa. Contiguamente ao bar e que servia de Hall ao cinema, havia um amplo salão que servia também de campo para uma mesa de ténis. Jogava-se também muito o ping-pong se bem que a prática de tal desporto em tais condições climatéricas, não fosse muito apetecível, pois punha-nos logo com os bofes de fora em pouco tempo. Cá fora, havia, para além de 2 campos um para Ténis, e outro para Voleibol etc., uma esplanada onde a malta passava uns bons bocados conversando e gozando de uma temperatura mais amena e suportável que a noite nos oferecia.
Foto 1 > As instalações dos “Balantas” com cinema, campos para ténis e voleibol e salão/bar com mesa de ping-pong e outos jogos de mesa e ainda sede do Clube com alguns troféus expostos.
Todo este interessante complexo recreativo e desportivo era propriedade do Clube de Futebol “Os Balantas”. Era o grupo representativo de Mansoa. Ainda no mesmo complexo a que me venho referindo existia a sede do Clube. Tive a oportunidade de ver alguns troféus conquistados pelo Clube embora que um pouco modestos, alguns galhardetes entre os quais um da Associação Académica de Coimbra e outro do Clube de Futebol Os Belenenses, de quem o clube local era filiado, daí a parecença entre os nomes e os emblemas dos dois clubes.
Entre as figuras típicas daquela típica terra, lembro-me da Libanesa e das suas duas filhas que também tinham uma loja de comércio.
A Libanesa mãe, ao que se constava, para não dizer ao que se via, de porte menos ortodoxo (aquele clima tropical!), e nada escondia das suas filhas, que se não compartilhavam do mesmo comportamento parecia que para lá iam, embora de forma mais discreta, já o coitado do marido esse procurava alhear-se, andando ao largo da zona de acção. Uma das filhas teve então uma paixão e… por quem havia de ser? Isso mesmo, pelo meu amigo, Furriel também, Baião, que aonde chegasse e antes de todo o mais, armava a rede. Desta feita na rede apareceu então uma das filhas da libanesa mãe. O pior é que o amigo do Baião embora fosse conquistador e por vezes bem sucedido - em Bissorã deixou perdida de amores a filha do tasqueiro Sr. Maximiano -, tinha um grande fraco com ele e que não se conseguia desenvencilhar: acabava por se apaixonar com facilidade pela conquista e depois claro sofria sentimentalmente quando as coisas corriam menos bem, pagando assim o tributo, mas ele lá se ia entendendo.
Também me lembro daquela figurinha esguia e de aspecto exótico que era uma moça muito preta (ainda mais) de cor, mas muito bem cuidada e arranjada, que tinha uma cintura muito fininha, que nos levava a duvidar da sua naturalidade - haveria ali algum espartilho? - e que usava umas unhas muito compridas, muito bem pintadas de vermelho que contrastava com a sua escura cor de pele e muito bem cuidadas. Também o cabelo bem arranjado desfrisado e puxado atrás a fazer banana. Habitava mesmo em frente ao café dos Balantas e não passava cartão rigorosamente a ninguém, se bem que a malta a olhasse para ela mais por curiosidade do que por simpatia.
Havia também lá em Mansoa um restaurante, propriedade de uma senhora mulata, julgo cabo-verdiana, de nome Emília. Recordo-me que foi lá que eu mais o Ludgero e o Marques resolvemos fazer um pequeno almoço de ovos estrelados e à compita (ai os 20 anos!). A ideia nasceu ainda na caserna, ao levantarmo-nos, e daí a pô-la em prática foi um instante. Só me lembro que comemos cinco ou seis ovos cada um e que aquilo soube que foi um regalo também por ser bem regado. No mesmo restaurante também almocei uma vez a convite do Cisco, moço Furriel que conheci em Bissau e que em Mansoa cumpria o tempo que lhe restava da comissão, pois tinha ido para a Guiné em rendição individual e a Companhia onde tinha estado até então já tinha acabado o seu tempo de comissão e regressando naturalmente à metrópole. Andava sempre metido em buracos, mas era um camaradão. Um abraço Cisco onde quer que estejas.
Ainda em Mansoa havia um jardim e um parque infantil, estes mesmo defronte de uma bonita capela aonde várias vezes assisti à missa.
Foto 2 > A bonita capela de Mansoa
Havia também o campo de futebol dos Balantas, uma pista para a aviação, uma escola mesmo enfrente do antigo quartel (improvisado inicialmente para isso), aqui também instalado em antigas edificações de civis -, um novo andava em construção, uma central termo-eléctrica, e outras coisas mais que alindavam e valorizavam aquela quão típica como bonita povoação.
Foto 3 > A central termo eléctrica em Mansoa aqui destruída; conheci-a nova, bem cuidada e a produzir electricidade.
Enfim, ali em Mansoa já vivíamos um ambiente que nos fazia lembrar uma vilazinha metropolitana, olhando ao conjunto e harmonia das casas, das coisas e até dos costumes. A população, de maioria negra já se vê, também diversificava em várias etnias mas com predominância da Balanta. Dizia-se então que Mansoa era a terra dos Balantas,.
Havia bastante comércio, e como nos outros lados, maioritariamente controlado por emigrantes libaneses que teimavam em ficar por ali. Havia ainda um mercado aonde por vezes dávamos lá uma volta satisfazendo a nossa curiosidade sobre o que é que se vendia por ali.
Um mercado à boa maneira indígena com tudo ou quase tudo espalhado por o chão e em rudimentares bancas também; frutos frescos e secos, sementes e raízes e até escovas de dentes: um pequeno pau de uma planta qualquer que ripado parecia uma pequenina vassoura (lá que os nativos eram bom de dentes - muito brancos e fortes - lá isso eram, faltavam era… as nozes) e tudo o mais, tipo feira da ladra. Também os variados apetrechos eléctricos de som. Algumas coisas curiosas que não se viam na Metrópole, que vinham ao que se dizia do vizinho Senegal.
Mansoa era marginada pelo rio com o mesmo nome, um dos principais rios da província, de leito largo e profundo, mais largo ainda no tempo das chuvas, com margens bastante pantanosas, mais extensas ainda no tempo de seca.
Militares da 816 que chegaram uma vez pelo rio Mansoa vindos de uma operação ainda caçaram (a tiro, claro) um crocodilo.
Foto 4 > Ponte em cimento armado sobre o rio Mansoa e já perto da povoação
Na altura estava quase concluído o novo quartel e que foi construído mesmo para tal, pois aquele que eu já chamei de antigo, era, como na maioria de todas as instalações militares então na Guiné, improvisado em casas mais ou menos grandes e que outrora tinham sido armazéns, serrações, ou até grandes casa de habitação e que eram pertença dos colonos até a guerra rebentar.
A messe ficava numa ampla sala em edifício de bom recorte a indiciar uma mansão de um colono abastado outrora.
Foto 5 > Rio Mansoa ao luar, espelhando como um lençol de prata.
(Foto, a cujo autor, peço autorização de a publicar.)
Foto 6 > Aspecto das instalações do Quartel de Mansoa e que foi construído em 1966
Diga-se de passagem, que instalações mesmo construídas para fins militares só conheci e em Bissau, o Quartel (ou Forte?) da Amura. Edificação com uma longa e antepassada história; parte do Quartel-General lá para os lados de Santa Luzia, o primeiro mesmo sobranceiro ao mar e em frente ao cais de Bissau separado deste apenas pela estrada marginal, levando a pensar que foi outrora mais uma fortificação para suster investidas guerreiras(?) principalmente vindas do mar, e talvez construído nos primórdios da colonização. Parece que não é alheio ao tempo da escravidão.
Foto 7 > Fachada do Quartel ou Forte da AMURA virada à marginal e ao porto de Bissau. A Porta d’Armas ficava do lado oposto, isto é, virada para a cidade de Bissau. Dois militares da 816 em primeiro plano no amplo relvado adjacente ao Forte
O novo quartel em Mansoa, ou por outra o verdadeiro quartel de raiz, tinha umas condições muito razoáveis e era muito funcional. Os quartos para nós Furriéis tinham capacidade para 3 camas. Aí e enquanto estive em Mansoa fiquei num com o Marques e o Ludgero. A nossa messe era boa, ampla e com um bar bem apetrechado.
No entanto, a 816 ficou, praticamente, e uma vez que em situação transitória, alojada nas instalações antigas, que antes tinham sido ocupadas pela CCS (Companhia de Comandos e Serviços) e uma das Companhias operacionais dos “Águias Negras”. Estas instalações eram improvisadas em quartel, pois eram efectivamente e como já disse instalações de civis em tempos de paz.
Aí então eram as casernas dos soldados do lado direito, já na estrada que dava para Cutia e Mansabá enquanto do lado esquerdo ficava a pista de aviação e também o campo de futebol dos Balantas
Dentro do mesmo conjunto de casas ficavam o bar e o refeitório dos soldados, instalações estas feitas pelas mãos dos soldados.
Contiguamente ao bar e do lado de trás, estava instalada a arrecadação do material incluindo as munições. No edifício principal estavam espalhadas pelas diversas dependências, o gabinete do Comandante da Companhia, o Quarto dos Oficiais, a Secretaria, etc.
Este edifício ficava enfrente à escola que atrás já me referi e esta mesmo ao lado da casa do Administrador, se bem que, com uma estrada ao meio em qualquer dos casos.
Mansoa era considerada muito justamente (e havia muito gente conhecedora do terreno a dizer o mesmo) a sala de visitas da Guiné e se bem que desconhecesse muita terra na Guiné, não me custava a crer e a quem quer que fosse, que assim o era. A sua fisionomia, natural, era de rara beleza e a sua urbanização muito bem ordenada e desenhada. O seu aspecto natural tropical, onde as bonitas palmeiras criteriosamente plantadas, se evidenciavam e com o seu belo rio, qual serpente prateada ali mesmo ao lado de largo caudal davam a Mansoa um singular encanto.
De Mansoa até Bissorã distam 18 quilómetros por estrada de terra batida, estrada muito acidentada e muito poeirenta, mas transitável por carros militares e outros (civis). Foi esta a primeira estrada que nós transitamos com dispositivo de guerra quando depois de chegarmos à Guiné e como atrás algum tempo já contei. Uma estrada então sinuosa marginada de ambos os lados de denso capim e outra folhagem que muito nos enervava ou não fosse propícia à instalação de emboscadas. Trabalho das picas indispensavelmente. O acidentado da estrada e o facto de ser de terra batida propiciava a uma boa dissimulação de minas e/ou fornilhos. Esta possibilidade provocava uma viagem lenta e morosa com sucessivas paragens das viaturas, o que permitia ao inimigo ganhar tempo e emboscar-se adequada e consecutivamente sempre no nosso encalço. Esta estrada era então já um biscate do caraças. Isto para não falar na altura das chuvas em que não raras vezes as viaturas atolavam na vasta e densa lama.
Foi aquando da estada da 816 em Mansoa que também estive algumas semanas no abrigo de Uaque, história que aqui também já foi contada.
Em Mansoa a opercionalidade da 816 foi colaborar, protagonizar e dar reforço a tropas em dificuldades (estava lá então uma Companhia de Periquitos - julgo a 1590) aquando de “Golpes de mão”, colunas de reabastecimento, etc..
Estávamos então já em Dezembro de 1966 e a comissão da 816 na Guiné estava também a acabar. Deste Natal há também uma história, esta muito triste, que mais para diante vou contar, pois assisti, sub-repticiamente, à chegada de helicópteros ao Hospital Militar de Bissau, onde a área para a aterragem destes ficava ao lado da Morgue, com corpos mutilados e já sem vida. Isto no dia de…consoada.
Entretanto continuaria a atribulada e odisseia da Companhia pois como atrás já disse a acção inimiga acentua-se nesta região, mais propriamente nas áreas de Jugudul e Porto Gole, esta povoação já junta ao rio Geba, (principal rio da Guiné) rio que desaguava em Bissau à distância aí de uns 50 quilómetros.
A 816 luta assim até ao fim.
Operações então a JUGUDUL, QUIBIR, BINDORO entre outras, seguem-se em áreas em que já há guerra latente. Ainda deu para que o doutor (cabo bazookeiro) levasse um tiro (ou estilhaço) numa perna e fosse evacuado para a metrópole.
Nota: Todas as fotos aqui inseridas (excepto a última) não são da minha autoria. Aos seus legítimos autores e com a devida vénia, peço autorização
Foto 8 > Finalizando o meu trabalho sobre “O périplo da 816 em 2 anos de guerrilha na Guiné Portuguesa”, indico em área a tracejado no mapa, as zonas de intervenção da Companhia. (CCaç 816 – Guiné 1965/67).
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 5 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5410: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (7): O périplo da 816 em dois anos de Guiné - Olossato
Caros Luís, Vinhal, Briote e M. Ribeiro:
Recebam um grande abraço mais votos de muita saúde, extensivos a todos os ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que, de algum modo, ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”, aqui vai mais um extracto que se insere na rubrica:
BISSORÃ – OLOSSATO – MANSOA:
O périplo da 816 em 2 anos de guerrilha na Guiné Portuguesa
MANSOA (III)
1 de Agosto de 1966 a 8 de Fevereiro de 1967
O ENCANTO NATURAL DA SALA DE VISITAS DA GUINÉ: MANSOA
Do que nos foi prometido, acabou por ser Mansoa - Nhacra (outra hipótese) seria bem melhor (tinha uma boa (?) piscina) e era pertinho de Bissau (~20 Kms.) -, o local para descanso da laboriosa 816. Modéstia à parte, um descanso merecidíssimo para quem durante 15 meses trabalhou árdua e decisivamente, com profícuos resultados, como o aprisionamento ao inimigo de material bélico na ordem de mais de 1,5 Ton., feito em diversas operações de “Golpes-de mão” - naquela altura, julgo, que foi apanhada ao inimigo a primeira metralhadora anti-aérea com respectivo tripé e canos de reserva - e com acção pedagógica relevante, ensinando a ler e a escrever as crianças nas povoações onde a Companhia estava sediada, (O Capitão Riquito fazia questão disso) num dos sectores vitais da guerra da província da Guiné: o OIO!
Era já um hábito colocar uma Companhia de Caçadores que tivesse estado sistematicamente em zona de grande conflito, nos últimos meses, em zona menos problemática e na altura Mansoa acabou por ser esse o local prometido à 816.
Mas Mansoa afinal não seria para a 816 a sua estância de repouso como seria de esperar, mas, e assim quis o destino, a continuação de uma luta sem tréguas como até então, pois o terrorismo acentua-se então nessa zona, como aliás por toda a província e é então a 816, que numa chamada às suas últimas forças, é forçada a intervir. É mais propriamente na vizinha zona de Jugudul e até Porto Gole nas margens do grande rio Geba - a guerra cada vez estava mais perto das portas de Bissau - que o inimigo começa a exercer acção em potência e cada vez mais bem armado e então era este o prato de sobremesa que estava reservado à massacrada 816. Os soldados mostravam já e de forma muito sensível nos seus rostos os traços de vida tão dura e desgastante. Alguns davam mesmo indícios de esgotamento ou psíquico ou físico ou as duas coisas, pois não é de esquecer que eram os soldados que, pelo menos fisicamente, eram os que tinham mais razões para estarem abatidos. Eram eles que mais puxavam pelo corpo nos trabalhos no quartel, eram eles que perdiam sucessivas horas na vigília do quartel, principalmente de noite nos postos de sentinela, e eram eles os mais solicitados em trabalhos de força e de carregamento.
A estrada que ligava Mansoa a Bissau tinha então também deixado de ser um passeio. Percorrê-la já requeria um bom efectivo militar e dispositivo de progressão adequado, como no interior, isto é, no seio propriamente dito da guerra.
Então as emboscados sucediam-se. Haviam já feridos e até mortes para contar. A estrada para Cutia também começava a ter os seus problemas e para Bissorã ainda mais, daí a construção entretanto do abrigo de Braia. A continuação do alcatroamento de Cutia para Mansabá fazia-se à custa de muita porrada.
Os ataques ao aquartelamento eram também mais frequentes e mais fortes.
Foi combater até entrar no Uíge.
Falando um pouco de Mansoa, desta simpatiquíssima povoação, e é este o propósito desta história, Mansoa ficou por certo gravada na memória de todos os militares da 816 e por certo de todos aqueles que por ali passaram (aparte a guerra).
Formava geograficamente o vértice de um trapézio composto ainda pelas povoações de Bissorã, Olossato e Mansabá; destas, as duas primeiras bem conhecidas da 816.
Mansoa dista cerca de 50 quilómetros da capital Bissau e uma estrada alcatroada, (e lembrar que em Junho (1966) fiz a viagem Bissau-Mansoa-Bissau num Volkswagen alugado a um Sargento em Bissau, para ir buscar um indispensável documento para a viagem de férias) ligava estas 2 povoações e que se estendia para além de Mansoa, até às proximidades de Cutia, para se ligar mais tarde a Mansabá.
Falando, já agora, um pouco de Cutia, esta era uma pequena povoação com um relativamente pequeno, destacamento militar, onde também mais tarde eu passaria fazendo parte da guarnição. Poucos indígenas a viverem ali também. Os graduados dormiam num abrigo feito em troncos de palmeiras e semienterrado. Nesse abrigo estava também o Operador Cripto e havia aí também um posto de sentinela, estes num posição altaneira e em torre adequada para o efeito. Não sei quem construiu aquele abrigo mas, o que era verdade, era um abrigo quase inexpugnável. Boa execução militar.
A estrada, dizia eu, haveria mais tarde de continuar alcatroada até Mansabá mas por ora o alcatroamento acabava perto de Cutia. A estrada para Mansabá veio depois também a ser alcatroada mas com muita porrada à mistura como já disse atrás. Para Bissorã continuava a estrada em terra batida onde sensivelmente a meio do percurso construiu-se então, e com já disse, o abrigo de Braia.
Falando agora de Mansoa mesmo, esta era de fisionomia plana com artérias alcatroadas dividindo a povoação de forma regular isto é com uma geometria simétrica e em quadrícula, possuía um cinema, conhecido pelo cinema dos “Balantas”, semi-descoberto, onde por vezes assistíamos a um filme que nos distraía e retemperava o espírito. Abro aqui um parêntese para referir que por vezes a sala era intempestivamente abandonada, pois acontecia que o inimigo resolvia atacar ou só flagelar, e aqui o filme já passaria a ser outro, na altura em que a sessão decorria e então a tropa, ali presente, como autómata e em rapidez impressionante ia ao encontro das suas posições previamente estabelecidas e que obedeciam claro está a um dispositivo de defesa. Contíguo ao cinema havia um bar onde nos deliciávamos de vez em quando com uma saborosa e refrescante bebida. Oh(!) bela água Du Perrier ou Du Vichy a combinar com uma bebida espirituosa –whisky (o velho Vat 69), Gin ou Rum -, enquanto jogávamos às cartas. Aqui o jogo era às Copas e os parceiros eram sempre os mesmos: o Piedade, o Marques, o Carneiro, e eu. Valia um Gin com água tónica. Tomávamos todos esta bebida e ao fim, os dois que perdessem, faziam o especial obséquio de pagar a dita despesa. Contiguamente ao bar e que servia de Hall ao cinema, havia um amplo salão que servia também de campo para uma mesa de ténis. Jogava-se também muito o ping-pong se bem que a prática de tal desporto em tais condições climatéricas, não fosse muito apetecível, pois punha-nos logo com os bofes de fora em pouco tempo. Cá fora, havia, para além de 2 campos um para Ténis, e outro para Voleibol etc., uma esplanada onde a malta passava uns bons bocados conversando e gozando de uma temperatura mais amena e suportável que a noite nos oferecia.
Foto 1 > As instalações dos “Balantas” com cinema, campos para ténis e voleibol e salão/bar com mesa de ping-pong e outos jogos de mesa e ainda sede do Clube com alguns troféus expostos.
Todo este interessante complexo recreativo e desportivo era propriedade do Clube de Futebol “Os Balantas”. Era o grupo representativo de Mansoa. Ainda no mesmo complexo a que me venho referindo existia a sede do Clube. Tive a oportunidade de ver alguns troféus conquistados pelo Clube embora que um pouco modestos, alguns galhardetes entre os quais um da Associação Académica de Coimbra e outro do Clube de Futebol Os Belenenses, de quem o clube local era filiado, daí a parecença entre os nomes e os emblemas dos dois clubes.
Entre as figuras típicas daquela típica terra, lembro-me da Libanesa e das suas duas filhas que também tinham uma loja de comércio.
A Libanesa mãe, ao que se constava, para não dizer ao que se via, de porte menos ortodoxo (aquele clima tropical!), e nada escondia das suas filhas, que se não compartilhavam do mesmo comportamento parecia que para lá iam, embora de forma mais discreta, já o coitado do marido esse procurava alhear-se, andando ao largo da zona de acção. Uma das filhas teve então uma paixão e… por quem havia de ser? Isso mesmo, pelo meu amigo, Furriel também, Baião, que aonde chegasse e antes de todo o mais, armava a rede. Desta feita na rede apareceu então uma das filhas da libanesa mãe. O pior é que o amigo do Baião embora fosse conquistador e por vezes bem sucedido - em Bissorã deixou perdida de amores a filha do tasqueiro Sr. Maximiano -, tinha um grande fraco com ele e que não se conseguia desenvencilhar: acabava por se apaixonar com facilidade pela conquista e depois claro sofria sentimentalmente quando as coisas corriam menos bem, pagando assim o tributo, mas ele lá se ia entendendo.
Também me lembro daquela figurinha esguia e de aspecto exótico que era uma moça muito preta (ainda mais) de cor, mas muito bem cuidada e arranjada, que tinha uma cintura muito fininha, que nos levava a duvidar da sua naturalidade - haveria ali algum espartilho? - e que usava umas unhas muito compridas, muito bem pintadas de vermelho que contrastava com a sua escura cor de pele e muito bem cuidadas. Também o cabelo bem arranjado desfrisado e puxado atrás a fazer banana. Habitava mesmo em frente ao café dos Balantas e não passava cartão rigorosamente a ninguém, se bem que a malta a olhasse para ela mais por curiosidade do que por simpatia.
Havia também lá em Mansoa um restaurante, propriedade de uma senhora mulata, julgo cabo-verdiana, de nome Emília. Recordo-me que foi lá que eu mais o Ludgero e o Marques resolvemos fazer um pequeno almoço de ovos estrelados e à compita (ai os 20 anos!). A ideia nasceu ainda na caserna, ao levantarmo-nos, e daí a pô-la em prática foi um instante. Só me lembro que comemos cinco ou seis ovos cada um e que aquilo soube que foi um regalo também por ser bem regado. No mesmo restaurante também almocei uma vez a convite do Cisco, moço Furriel que conheci em Bissau e que em Mansoa cumpria o tempo que lhe restava da comissão, pois tinha ido para a Guiné em rendição individual e a Companhia onde tinha estado até então já tinha acabado o seu tempo de comissão e regressando naturalmente à metrópole. Andava sempre metido em buracos, mas era um camaradão. Um abraço Cisco onde quer que estejas.
Ainda em Mansoa havia um jardim e um parque infantil, estes mesmo defronte de uma bonita capela aonde várias vezes assisti à missa.
Foto 2 > A bonita capela de Mansoa
Havia também o campo de futebol dos Balantas, uma pista para a aviação, uma escola mesmo enfrente do antigo quartel (improvisado inicialmente para isso), aqui também instalado em antigas edificações de civis -, um novo andava em construção, uma central termo-eléctrica, e outras coisas mais que alindavam e valorizavam aquela quão típica como bonita povoação.
Foto 3 > A central termo eléctrica em Mansoa aqui destruída; conheci-a nova, bem cuidada e a produzir electricidade.
Enfim, ali em Mansoa já vivíamos um ambiente que nos fazia lembrar uma vilazinha metropolitana, olhando ao conjunto e harmonia das casas, das coisas e até dos costumes. A população, de maioria negra já se vê, também diversificava em várias etnias mas com predominância da Balanta. Dizia-se então que Mansoa era a terra dos Balantas,.
Havia bastante comércio, e como nos outros lados, maioritariamente controlado por emigrantes libaneses que teimavam em ficar por ali. Havia ainda um mercado aonde por vezes dávamos lá uma volta satisfazendo a nossa curiosidade sobre o que é que se vendia por ali.
Um mercado à boa maneira indígena com tudo ou quase tudo espalhado por o chão e em rudimentares bancas também; frutos frescos e secos, sementes e raízes e até escovas de dentes: um pequeno pau de uma planta qualquer que ripado parecia uma pequenina vassoura (lá que os nativos eram bom de dentes - muito brancos e fortes - lá isso eram, faltavam era… as nozes) e tudo o mais, tipo feira da ladra. Também os variados apetrechos eléctricos de som. Algumas coisas curiosas que não se viam na Metrópole, que vinham ao que se dizia do vizinho Senegal.
Mansoa era marginada pelo rio com o mesmo nome, um dos principais rios da província, de leito largo e profundo, mais largo ainda no tempo das chuvas, com margens bastante pantanosas, mais extensas ainda no tempo de seca.
Militares da 816 que chegaram uma vez pelo rio Mansoa vindos de uma operação ainda caçaram (a tiro, claro) um crocodilo.
Foto 4 > Ponte em cimento armado sobre o rio Mansoa e já perto da povoação
Na altura estava quase concluído o novo quartel e que foi construído mesmo para tal, pois aquele que eu já chamei de antigo, era, como na maioria de todas as instalações militares então na Guiné, improvisado em casas mais ou menos grandes e que outrora tinham sido armazéns, serrações, ou até grandes casa de habitação e que eram pertença dos colonos até a guerra rebentar.
A messe ficava numa ampla sala em edifício de bom recorte a indiciar uma mansão de um colono abastado outrora.
Foto 5 > Rio Mansoa ao luar, espelhando como um lençol de prata.
(Foto, a cujo autor, peço autorização de a publicar.)
Foto 6 > Aspecto das instalações do Quartel de Mansoa e que foi construído em 1966
Diga-se de passagem, que instalações mesmo construídas para fins militares só conheci e em Bissau, o Quartel (ou Forte?) da Amura. Edificação com uma longa e antepassada história; parte do Quartel-General lá para os lados de Santa Luzia, o primeiro mesmo sobranceiro ao mar e em frente ao cais de Bissau separado deste apenas pela estrada marginal, levando a pensar que foi outrora mais uma fortificação para suster investidas guerreiras(?) principalmente vindas do mar, e talvez construído nos primórdios da colonização. Parece que não é alheio ao tempo da escravidão.
Foto 7 > Fachada do Quartel ou Forte da AMURA virada à marginal e ao porto de Bissau. A Porta d’Armas ficava do lado oposto, isto é, virada para a cidade de Bissau. Dois militares da 816 em primeiro plano no amplo relvado adjacente ao Forte
O novo quartel em Mansoa, ou por outra o verdadeiro quartel de raiz, tinha umas condições muito razoáveis e era muito funcional. Os quartos para nós Furriéis tinham capacidade para 3 camas. Aí e enquanto estive em Mansoa fiquei num com o Marques e o Ludgero. A nossa messe era boa, ampla e com um bar bem apetrechado.
No entanto, a 816 ficou, praticamente, e uma vez que em situação transitória, alojada nas instalações antigas, que antes tinham sido ocupadas pela CCS (Companhia de Comandos e Serviços) e uma das Companhias operacionais dos “Águias Negras”. Estas instalações eram improvisadas em quartel, pois eram efectivamente e como já disse instalações de civis em tempos de paz.
Aí então eram as casernas dos soldados do lado direito, já na estrada que dava para Cutia e Mansabá enquanto do lado esquerdo ficava a pista de aviação e também o campo de futebol dos Balantas
Dentro do mesmo conjunto de casas ficavam o bar e o refeitório dos soldados, instalações estas feitas pelas mãos dos soldados.
Contiguamente ao bar e do lado de trás, estava instalada a arrecadação do material incluindo as munições. No edifício principal estavam espalhadas pelas diversas dependências, o gabinete do Comandante da Companhia, o Quarto dos Oficiais, a Secretaria, etc.
Este edifício ficava enfrente à escola que atrás já me referi e esta mesmo ao lado da casa do Administrador, se bem que, com uma estrada ao meio em qualquer dos casos.
Mansoa era considerada muito justamente (e havia muito gente conhecedora do terreno a dizer o mesmo) a sala de visitas da Guiné e se bem que desconhecesse muita terra na Guiné, não me custava a crer e a quem quer que fosse, que assim o era. A sua fisionomia, natural, era de rara beleza e a sua urbanização muito bem ordenada e desenhada. O seu aspecto natural tropical, onde as bonitas palmeiras criteriosamente plantadas, se evidenciavam e com o seu belo rio, qual serpente prateada ali mesmo ao lado de largo caudal davam a Mansoa um singular encanto.
De Mansoa até Bissorã distam 18 quilómetros por estrada de terra batida, estrada muito acidentada e muito poeirenta, mas transitável por carros militares e outros (civis). Foi esta a primeira estrada que nós transitamos com dispositivo de guerra quando depois de chegarmos à Guiné e como atrás algum tempo já contei. Uma estrada então sinuosa marginada de ambos os lados de denso capim e outra folhagem que muito nos enervava ou não fosse propícia à instalação de emboscadas. Trabalho das picas indispensavelmente. O acidentado da estrada e o facto de ser de terra batida propiciava a uma boa dissimulação de minas e/ou fornilhos. Esta possibilidade provocava uma viagem lenta e morosa com sucessivas paragens das viaturas, o que permitia ao inimigo ganhar tempo e emboscar-se adequada e consecutivamente sempre no nosso encalço. Esta estrada era então já um biscate do caraças. Isto para não falar na altura das chuvas em que não raras vezes as viaturas atolavam na vasta e densa lama.
Foi aquando da estada da 816 em Mansoa que também estive algumas semanas no abrigo de Uaque, história que aqui também já foi contada.
Em Mansoa a opercionalidade da 816 foi colaborar, protagonizar e dar reforço a tropas em dificuldades (estava lá então uma Companhia de Periquitos - julgo a 1590) aquando de “Golpes de mão”, colunas de reabastecimento, etc..
Estávamos então já em Dezembro de 1966 e a comissão da 816 na Guiné estava também a acabar. Deste Natal há também uma história, esta muito triste, que mais para diante vou contar, pois assisti, sub-repticiamente, à chegada de helicópteros ao Hospital Militar de Bissau, onde a área para a aterragem destes ficava ao lado da Morgue, com corpos mutilados e já sem vida. Isto no dia de…consoada.
Entretanto continuaria a atribulada e odisseia da Companhia pois como atrás já disse a acção inimiga acentua-se nesta região, mais propriamente nas áreas de Jugudul e Porto Gole, esta povoação já junta ao rio Geba, (principal rio da Guiné) rio que desaguava em Bissau à distância aí de uns 50 quilómetros.
A 816 luta assim até ao fim.
Operações então a JUGUDUL, QUIBIR, BINDORO entre outras, seguem-se em áreas em que já há guerra latente. Ainda deu para que o doutor (cabo bazookeiro) levasse um tiro (ou estilhaço) numa perna e fosse evacuado para a metrópole.
Nota: Todas as fotos aqui inseridas (excepto a última) não são da minha autoria. Aos seus legítimos autores e com a devida vénia, peço autorização
Foto 8 > Finalizando o meu trabalho sobre “O périplo da 816 em 2 anos de guerrilha na Guiné Portuguesa”, indico em área a tracejado no mapa, as zonas de intervenção da Companhia. (CCaç 816 – Guiné 1965/67).
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 5 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5410: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (7): O périplo da 816 em dois anos de Guiné - Olossato
Guiné 63/74 - P5609: Vídeos da guerra (9): Viagem de LDG, pelo Rio Cacheu acima, até Binta (Jorge Félix / Pierre Fargeas)
Guiné > Viagem de Bissau a Binta pelo Rio Cacheu > s/d > Imagem: Pierre Fargeas. Música : Chuck Mangione. Edição: Jorge Félix
Vídeo 7' 24'': © Jorge Felix (2009). Direitos reservados> Alojado em You Tube > jorgefelixjojo
1. Mensagem do Jorge Félix (ex-Alf Mil Pil, Al III, BA12, Bissalanca, 1968/70), com data de ontem:
Luis: O Mr. Pierre Fargeas era o Técnico da fábrica dos Heli Alouette III, destacado em Bissalanca, salvo erro entre 68 e 74.
No ano passado, por magia, encontrámo-nos no ciberespaço da Net. Aerograma para lá aerograma para cá, recebi em dada altura um vídeo, gravado por ele durante a sua estadia em Bissau, com imagens minhas que depois "montei" e coloquei no You Tube com o titulo "BAFATA". (*)
Nesse vídeo vêm mais documentos fotográficos que tenho andado a "trabalhar", com a devida autorização do Mr. Pierre, e desta vez fiz uma pequena homenagem à Marinha.
É uma viagem de Bissau a Binta. Tem momentos encantadores. A chegada a Binta e o ambiente no cais foram para mim uma surpresa. Mas o que destaco e chamo a atenção é para o minuto 4 e o 30º segundo, a similitude que tem com imagens que o Francis Ford Copola empregou no Apocalypse Now em 1979.
Ainda lá coloquei o Satisfation, dos Stones, mas depois decidi-me pela música do Mangione. São sete minutos, muito para a vossa paciência, pouco para o que os homens da Marinha fizeram por todos nós.
Se me permites, por ter lidado com eles o bastante para lhes saber os nomes, gostaria de os recordar nesta modesta homenagem: os Fuzileiros Brito (já falecido), Benjamim e Alpoim Calvão.
Se escrevermos, no Youtube , Binta Rio Cacheu, vamos ao endereço deste pequeno vídeo.
Gostaria de ter a tua opinião quando o visses e, se achares bem, dá-lhe o destaque no nosso Blogue, se ele tanto merecer.
Abraço, desta feita, do tamanho do Cacheu.
Jorge Félix
2. Comentário de L.G.:
O Jorge dá um toque de magia às imagens que lhe chegam, em boa hora, às mãos. Não é o toque de Midas, perverso, que reduz tudo ao vil metal... É a capacidade de dar vida, emoção, poesia... Este trabalho merece o melhor da nossa atenção e carinho. É também chegada a altura de homenagear, aqui, no nosso blogue, o Pierre Fargeas (daí vir associado ao nome do Jorge, no título do poste).
O Jorge tem, de resto, outros dois vídeos de que eu gosto muito... O "Bafatá", por exemplo, tem uma música (fabulosa!), do Aznavour,que me põe em pele de galinha... Reconheço os sítios. E volto, sobretudo, a sentir o "meu estado de espírito" da época... (Este vídeo também é do Pierre, tendo sido depois editado pelo Jorge).
Por sua vez, o "Nha Bolanha" é outra ternura, também com uma musiquinha a condizer, a voz rouca do Bana, o sax estridente do Luís Morais... O Jorge é um homem dos media, das caixinhas mágicas, trabalhou em cinema, na RTP... Um tipo de grande sensibilidade, um grande camarada que de vez em quando me/nos surpreende com estes mimos... Parabéns, Jorge, toma lá as minhas cinco estrelas (que tens de partilhar com o Pierre).
PS - Aguardo os comentários qualificados sobre este vídeo e esta viagem pelo Rio Cacheu (que eu não conheci...) por dois camaradas nossos, que serviram na Marinha (curiosamente, no mesmo navio e na mesma função, imediatos da LFG Orion, embora em épocas diferentes: o Manuel Lema Santos e o Pedro Lauret)... Mandei-lhes umas perguntinhas que também podem ser respondidas por quem saiba e queira responder (Atenção que isto é uma montagem: o vídeo é do Fargeas e as fotos podem ser do Félix ou não, mas possivelmente são de épocas diferentes)...
Aqui vão as perguntinhas para o TPC, o trabalho de casa:
1. Quantas horas demorava a viagem, de Bissau até Binta ? Aqui navega-se de noite...
2. E quais eram, em tua opinião, os pontos mais sensíveis - em termos de segurança - do percurso no Rio Cacheu ?
3. Mais à frente havia a base de Ganturé... Qual a sua importância para a Marinha ?
4. És capaz de identificar as embarcações (civis ? ) e navios da Marinha que cruzam esta LDG ?
5. Podes identificar o armamento ?
6. Conheces alguém que apareça nas imagens ?
7. O vídeo e as imagens não trazem data...Isto parece ser já dos anos 70... não ?
8. Viste o "Apocalipse Now"... Concordas com o Jorge ?
9. Gostaste ?...
_____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)
(...) A voz do Bana, o sax de Luís Morais, a silhueta de um heli nos céus da bolanha, o terrível matraquear do helicanhão, tu e os teus camaradas pilotos, as enfermeiras pára-quedistas, as bolanhas, os palmeirais, a serpente do Rio Geba, o pôr do sol na Guiné, a nota de tensão dramática na paisagem, tudo isso faz parte intrínseca da(s) nossa(s) vida(s). Tal como o sangue que corre nas nossas veias. A Guiné e a guerra da Guiné marcou-nos a todos indelevelmente. Ninguém nos condenou ao silêncio...
Meu caro Jorge: O nosso blogue não tem, de resto, quais propósitos comerciais... Fazemos apenas blogoterapia... E tu, que és um homem da imagem (andaste pela televisão, pelo cinema...), faz-nos o favor de mandar mais ... Estás autorizado a usar as nossas próprias imagens. Se bem te recordas, passaste a fazer parte da nossa Tabanca Grande... (...)
3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4635: FAP (31): Uma viagem de heli a Bafatá, em 1969, com o cmdt Diogo Neto e o casal Ivette e Pierre Fargeas (Jorge Félix)
(...) O que é feito dele, hoje [, o Mr. Pierre Gargeas] ? Vive em França, ainda com a sua belíssima Ivete ? Convida-o a vir até à nossa Tabanca Grande, sentar-se debaixo do nosso poilão e contar as suas histórias de Bissalanca (e quiçá de Bissau, Bafatá, Bolama, Bijagós)... Ele pode escrever em francês, que a gente traduz... Este homem tem cinco anos de comissão na Guiné! Ele também é um Zé Especial... (...).
(**) Vd. postes de:
4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)
4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P842: Memórias do Rio Cacheu (Manuel Lema Santos)
(...) Em 28 de Julho de 1968 estava presente no Cacheu a LFG Orion que permaneceu lá de 25 a 30 desse mês mas eu já tinha zarpado. Concluí a minha comissão, com regresso a 12 de Maio (...)
(...) Caro Marques Lopes:
- Não era normal efectuarmos qualquer disparo, mesmo de reconhecimento, abaixo da Ponta de S. Vicente. Para montante e quando referes o Ingoré estamos, para nós, a falar das zonas de Maca, Canja e Barro onde já efectuávamos a navegação atentos, vigilantes, em estado de prontidão bordadas (uma peça guarnecida);
- Claro que tínhamos em atenção o facto de haver aquartelamentos próximos e apenas efectuaríamos fogo se fôssemos atacados. Para nós, isso era rígido nessa zona. Ainda mais para montante de Barro passávamos a postos de combate, normalmente até Farim e nas zonas críticas especialmente referenciadas, como Porto Coco, Jagali e Tancroal fazíamos, embora nem sempre, fogo de reconhecimento e protecção;
- Em Tancroal, no Cacheu, em 14 Janeiro de 1968 as LFG tiveram o mais violento ataque. No caso a LFG Lira - sorte minha porque substituiu a LFG Orion que acabou por não sair de Bissau por avaria do motor de estibordo à descolagem - efectuava a escolta à LDG Alfange que transportava para Bissau o Batalhão estacionado em Farim (penso que aí conseguem referenciá-lo com facilidade pela data). Foi atingida na ponte e no rufo da casa das máquinas com granadas de RPG 3 (2) com 2 mortos e 7 feridos, entre os quais o imediato, meu camarada, que ficou surdo de um ouvido. Com um destacamento de fuzileiros a bordo... (...)
4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P843: Ouvir as 'costureirinhas' a bordo de uma LDG (Afonso M.F. Sousa)
(...) Caro senho or e amigo Lema Santos: A propósito deste seu interessante descritivo: "...os RPG (lança-granadas do IN) no Cacheu, a montante de Barro (Porto Coco, Jagali, Tancroal) e antes de Binta, também eram aperitivos a evitar..."
Deixe-me transmitir-lhe isto: Quando ainda periquitos (Agosto de 1968), subimos o Cacheu, de LDG (2), rumo a Bigene. Lembro-me que antes de chegarmos a esse ancoradouro que servia Ganturé, com a lancha a navegar quase encostada à margem esquerda (tecnicamente não sei o porquê), fomos saudados por rajadas de armas que alguém apelidava de costureirinhas que vinham (suponho) dos lados da densa mata do Oio.
Foi o nosso primeiro contacto com o som de armas de fogo do IN. Dentro da LDG, o silêncio imperou e quase continhamos a respiração.(...)
26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1885: Tabanca Grande (17): Henrique Pinho, Marinheiro Radiotelegrafista, LDM 301 e LD107 (1971/73)
(...) Prestei serviço militar na Marinha de Guerra Portuguesa e estive na antiga província da Guiné desde Setembro de 1971 a Junho de 1973, embarcado nas lanchas de desembarque médio, primeiro na LDM 301 (que foi abatida ao efectivo por ser muito antiga e estar desactualizada, pois teria vindo da América), e depois na LDM 107, de fabrico português.
Durante este período sofremos apenas um ataque directo no Rio Cacheu, perto da clareira de Olossato, a montante de Ganturé, que, embora muito forte, não causou estragos nem vítimas, felizmente. Foi no dia 26 de Janeiro de 1972, às 18.00h.
Percorri toda a Guiné, via fluvial, desde o Rio Cacine, passando pelo Rio Cumbijã até Bedanda, Tombali, Buba, Rio Geba até Porto Gole, Rio Mansoa até Mansoa, Encheia e Rio Cacheu até norte de Farim.Tenho algumas fotografias mas não consigo enviá-las. Se puder diga-me como hei-de proceder. (...)
31 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4761: Blogpoesia (57): Por esse Geba acima... até Contuboel, o eldorado (Luís Graça, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, 1969/71)
(...) Fuzileiros,
hercúleos,
heróicos,
barbudos,
garbosos,
bronzeados,
em tronco nu,
de garrafa de cerveja na mão
(bazuca, aprenderás mais tarde),
marinheiros,
aventureiros
heróis do mar,
nobre povo,
nação valente,
assustam bichos e homens
com tiros de morteirete,
próximo da temível Ponta Varela.
Exorcizam os diabos negros
que infestam o tarrafo
e espantam os irãs
acocorados nos cerrados palmeirais
que circundam as margens do rio.
- Turras a estibordo, patrão ?!
... Não, é apenas um ritual de passagem,
sempre que se passa na Ponta Varela,
para desacagaçar os piras,
tirar-lhe os três,
que eles vão hirtos e tensos,
recolhidos como meninos de coro,
almas virgens,
de sobrepeliz
e vozes celestiais,
no cacilheiro do Geba,
em procissão,
como se fossem caminho da eternidade…
- Senhor imediato,
obrigado pela boleia,
mas por favor não seja chato,
que há aqui gente que enjoa… (...)
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Guiné 63/74 - P5608: Ser solidário (50): Campanha da Tabanca de Matosinhos: Os primeiros resultados (José Teixeira)
1. Mensagem de José Teixeira com data de 5 de Janeiro de 2010:
Caríssimos.
Junto um poste sobre a Campanha das Sementes.
Pedia o favor de o colocarem no blogue.
Abraço fraterno
José Teixeira
CAMPANHA DE SEMENTES E ÁGUA POTÁVEL PARA A GUINÉ-BISSAU.
Os primeiros resultados
A Campanha nasceu há apenas dois dias e já começaram a surgir os primeiros resultados*.
Cada um oferece o que pode. O importante é conseguir dar a cana e ensinar os guineenses a pescar.
Aquela terra sagrada, regada com tanto sangue de camaradas nossos e com as nossas lágrimas tem todas as condições para dar fruto. Vamos dar as mãos e ser generosos.
Aos camaradas que tiveram a coragem de abrir o activo, com tiros certeiros, bem-haja.
Fostes a semente lançada. Os frutos virão depois.
Sistema de captação de água através da energia solar, existente em Mampatá.
Foto cedida pelo Zé Manel- o homem da boa pinga
Zé Teixeira
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5586: Ser solidário (49): Campanha da Tabanca de Matosinhos: Sementes e água potável para a Guiné-Bissau (José Teixeira)
Caríssimos.
Junto um poste sobre a Campanha das Sementes.
Pedia o favor de o colocarem no blogue.
Abraço fraterno
José Teixeira
CAMPANHA DE SEMENTES E ÁGUA POTÁVEL PARA A GUINÉ-BISSAU.
Os primeiros resultados
A Campanha nasceu há apenas dois dias e já começaram a surgir os primeiros resultados*.
Cada um oferece o que pode. O importante é conseguir dar a cana e ensinar os guineenses a pescar.
Aquela terra sagrada, regada com tanto sangue de camaradas nossos e com as nossas lágrimas tem todas as condições para dar fruto. Vamos dar as mãos e ser generosos.
Aos camaradas que tiveram a coragem de abrir o activo, com tiros certeiros, bem-haja.
Fostes a semente lançada. Os frutos virão depois.
Sistema de captação de água através da energia solar, existente em Mampatá.
Foto cedida pelo Zé Manel- o homem da boa pinga
Zé Teixeira
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5586: Ser solidário (49): Campanha da Tabanca de Matosinhos: Sementes e água potável para a Guiné-Bissau (José Teixeira)
Guiné 63/74 - P5607: Memória dos lugares (66): Iemberém, sede do Parque Nacional do Cantanhez, outrora campo de batalha (Luís Graça / António Faneco)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > AD - Acção para o Desenvolvimento - Foto da Semana > 3 de Janeiro de 2010 > "Cantanhez – várias opções de turismo responsável. Cada vez mais, o Parque Nacional de Cantanhez oferece alternativas agradáveis a todos quantos gostam da natureza, de conviver de perto com as comunidades locais e conhecer a sua cultura, forma de viver e de pensar.
"Para os turistas que lá se deslocam é também uma oportunidade de ver como é que a partir de um programa de turismo responsável, as populações locais melhoraram as suas condições de vida, tendo agora acesso a um grande número de escolas, unidades de saúde, poços de água, instrumentos de transformação de produtos agrícolas e informação local via rádio e televisão.
"As mulheres assumem um maior protagonismo em iniciativas que lhes permitem aceder a novos recursos financeiros, da mesma forma que os jovens encontram novos empregos complementares com a sua actividade principal, a agricultura, ao se capacitarem enquanto guias ecoturísticos, escultores de madeira, guardas comunitários florestais e cantores" (Foto tirada em 16/9/2009).
Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Direitos reservados. (Com a devida vénia...)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 2005 > "Foto de um marco existente em Iemberem, sede da nossa ONG em Cantanhez, que foi reparado e que, em homenagem à ONG portuguesa Instituto Marquês Valle Flôr-IMVF (que intervém na zona e com quem vamos trabalhar no projecto Guiledje), se chama Praça IMVF.
"Este pequeno monumento evoca a passagem, por aquelas paragens, de uma companhia, presumivelmente de caçadores ou de artilharia, a 6521... No mural lê-se: OS NÓMADAS, PIONEIROS DE JEMBEREM, Pelundo > 27 Out 72, Cadique > 21 Jan 73, Jemberem > 20 Abr 73" (*)... Não sei quem é a simpatíquissima e bela menina, aqui na foto... provavelmente alguma cooperante ou até precoce ecoturista. O autor da foto não a quis identificar (LG)...
Foto (e legenda): © Carlos Schwarz / AD - Acção para o Desenvolvimento (2005). Direitos reservados (*)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Jemberém (ou Iemberém, de acordo com a toponomia actual) é uma localidade onde a AD - Acção para o Desenvolvimento tem a sua base operacional (instalações de apoio aos projectos desenvolvidos no Cantanhez). É hoje uma das aldeias mais dinâmicas da Guiné-Bissau, sede do Parque Nacional de Cantanhez, cada vez mais visitado nomeadamente por truistas estrangeiros... Foto de Luís Graça, tirada em 2 de Março de 2008, por ocasião da visita , ao sul, dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) (**).
É espantoso como eles vestígios dos tugas sobreviveram, no todo ou em parte, à independência... tendo sido mais tarde, há alguns anos, carinhosamente perservados e restaurados pelos nossos amigos da AD - Acção para o Desemvolvimento e pela população local....
Neste caso, trata-se do monumento erigido pela a 1ª CART do BART 6521/72 (1972/74)... De acordo com a inscrição que se encontra na base do respectivo monumento, colocado na actual Praça IMVF - Instituto Marquês Valle Flôr (é visível o logótipo do IMVF na placa toponímica que foi acrescentada ao monumento, há uns anos atrás).].
O António Faneco (de alcunha, na tropa, o Massamá), que agora nos visita (e com quem já telefonei pelo telefone, tendo aceite o meu convite para se juntar à nossa Tabanca Grande) vem confirmar, na qualidade de ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72, que a esta companhia, vinda do Pelundo, foi destacada para reforçar a reocupação do Cantanhez, chegando a "Cadique no dia 20 de Abril de 1973 pelas 8 horas da manhã e (...) a Jemberém pelas 12 horas, sensivelmente",, local onde montou a tenda (não havia qualquer povoação) e ali "permanecemos até dia 9 de Setembro de 1973, altura em que regressámos ao Pelundo", (**), depois de terem apanho muita porrada e sofrido dois mortos em combate (segundo me disse a telefone o António Faneco).
Eram naturalmente vizinhos da CCAÇ 4540 ("Somos um caso série"), que esteva em Cadique, na mesma altura, e a que pertenceram os nossos camaradas Eduardo Camnpos, Vasco Ferreira, António Santos, Albertino Nunes Ferreira (peço desculpa se, por lapso, omito alguém)...
O António Faneco mora hoje no Montiijo e prometeu visitar-me e mandar uma foto actual, como é da praxe.
Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Jemberém (como então diziam os tugas, de acordo de resto com a carta de Cacine..) > "Monumento que se encontra em Jemberém (este sim, é tal e qual como o deixámos), assim como o monumento em homenagem aos falecidos em combate… Paz à sua alma… Hoje vejo algo por cima do monumento… não percebo de que símbolo se trata" (António Faneco)...
Como eu já expliquei acma, trata-se de um simples placa topononímica, relativa á principal praça da aldeia, a Praça IMVF [Instituto Marquês Valle Flôr]. (LG).
Foto (e legenda) : © António Faneco (2009). Direitos reservados.
_____________
Notas de L.G..:
(*) Vd. poste de 3 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCLVII: Projecto Guileje (2): arquitecto paisagista, precisa-se! (Carlos Schwarz)
(...) Caro Luís Graça: Só agora lhe respondo, uma vez que tivemos sérios problemas de acesso à internet no país.
Será com muito prazer que integrarei a vossa (já agora nossa) tertúlia.
Gostaria de aceitar a vossa sugestão de envolvimento no projecto e propor-vos, para já, que ela se materializasse na reconstituição do que era o quartel de Guiledje na época.
Procurei por várias formas aceder ao mapa do quartel aí em Portugal, tendo chegado à conclusão que provavelmente ele nunca terá existido. Nada que não possa ser ultrapassado, uma vez que com as duas fotografias tiradas de avião, um bom arquitecto não possa refazer o mapa e até uma maqueta.
É que nós gostaríamos de reconstruir o quartel à imagem daquilo que ele era, desde que isso não implicasse a destruição de belas árvores que entretanto se desenvolveram no interior.
Para isso, iremos fazer durante a época seca um levantamento topográfico com a sua localização, para que se possa casar com o mapa do antigo quartel.
Pensamos que os pavilhões da messe, etc possam ser adaptados para a formação de jovens no futuro CENAR (Centro de Aprendizagem Rural) e que a zona onde habitava a população possa ser aproveitada para: instalar habitações para novos habitantes da região e reservar uma zona para casas de passagem de visitantes interessados em fazer ecoturismo.
Ora é neste ponto que gostaríamos de ter o vosso apoio. Será que vocês poderão identificar um arquitecto, de preferência paisagista, que aceite fazer de forma solidária, a partir das fotografias aéreas, um mapa com todas as instalações, incluindo uma escala que nos possibilite saber as distâncias entre os edifícios, ruelas, etc?
Proponho igualmente que, quando for aí a Portugal no próximo ano, possamos fazer um encontro com as pessoas interessadas no projecto para incorporarmos as suas ideias. (...)
(**) 29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel (Luís Graça)
(**) Vd. poste de 7 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5605: O Nosso Livro de Visitas (78): António Faneco, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72 (1972/74)
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Guiné 63/74 - P5606: Memória dos lugares (65): 6 de Janeiro, dia de todas as emoções, incluindo a visita à EPI, Mafra, volvidos 40 anos (Paulo Santiago)
1. Mensagem de Paulo Santiago (ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), com data de 6 de Janeiro de 2009:
Camaradas
Vou ver se consigo escrever direito, após ter lido com emoção, misturando risos com lágrimas, o texto do Migueis, bloguisticamente numerado P5598. Este Mário Migueis da Silva, que conheci lá no Saltinho, não pára de me surpreender... em Abril, lembram-se?
Escreveu no blogue alguns postes sobre o Quirafo, sobre o malogrado 1.º Cabo Ferreira, que mexeram com muitos camaradas, e onde juntava um poema muito dramático, mas muito belo, escrito na madrugada de 18/04/72, quando sentado no bar do Saltinho ouvia as marteladas dos cangalheiros... em fins de Dezembro, apareceu com novo talento - banda desenhada... e hoje, aparece o P5598. Confesso, sinto-me lisongeado, foi a melhor prenda que podia receber. Obrigado Migueis
O dia 6 de Janeiro de 1948 foi o dia em que nasci, houve alguns camaradas que nos comentários ao post mencionado, me felicitaram pelos 63 anos, calma ainda faltam 365 dias, foram apenas 62. Mas, temos o dia 5 de Janeiro, é dia de aniversário da minha mãe, fez 88 anos, mas voltando ao dia 6, e recuando ao ano de 1987, tive a maior prenda de aniversário que poderia desejar... nasceu a minha filha Maria Luís. Por tudo isto já podem ver como estou ligado aos dias 5 e 6 de Janeiro. Mas há mais... há o 6 de Janeiro de 1970, fiz vinte e dois anos, e entrei na EPI [, Escola Prática de Infantaria, em Mafra]...
E hoje voltei a Mafra, voltei a entrar no Calhau, passados que foram 40 anos.
Não sei como me apareceu a ideia, mas a verdade é que me sentei ao computador, há dias atrás e lá estava a enviar um mail ao Comandante, pedindo autorização para uma visita para este 6 de Janeiro de 2010. Visita autorizada por mail enviado pelo Major Álvaro Campeão com a concordância do Cororonel Ormonde Mendes, Comandante da Escola.
Passei em Pombal, levei o Vítor Junqueira, e a seguir ao almoço estávamos a entrar pela Porta de Armas. Fomos amávelmente recebidos, fomos a alguns locais (ex. Gabinete do Comandante) onde quando Cadetes, nem sabia onde ficavam, e acompanhados pelo Srgt. Ajudante Janelas percorremos aqueles imensos corredores, onde já começava a ficar desorientado, o Refeitório, o Salão de Honra, as paradas, terminando no Bar de Oficiais.
Camaradas
Vou ver se consigo escrever direito, após ter lido com emoção, misturando risos com lágrimas, o texto do Migueis, bloguisticamente numerado P5598. Este Mário Migueis da Silva, que conheci lá no Saltinho, não pára de me surpreender... em Abril, lembram-se?
Escreveu no blogue alguns postes sobre o Quirafo, sobre o malogrado 1.º Cabo Ferreira, que mexeram com muitos camaradas, e onde juntava um poema muito dramático, mas muito belo, escrito na madrugada de 18/04/72, quando sentado no bar do Saltinho ouvia as marteladas dos cangalheiros... em fins de Dezembro, apareceu com novo talento - banda desenhada... e hoje, aparece o P5598. Confesso, sinto-me lisongeado, foi a melhor prenda que podia receber. Obrigado Migueis
O dia 6 de Janeiro de 1948 foi o dia em que nasci, houve alguns camaradas que nos comentários ao post mencionado, me felicitaram pelos 63 anos, calma ainda faltam 365 dias, foram apenas 62. Mas, temos o dia 5 de Janeiro, é dia de aniversário da minha mãe, fez 88 anos, mas voltando ao dia 6, e recuando ao ano de 1987, tive a maior prenda de aniversário que poderia desejar... nasceu a minha filha Maria Luís. Por tudo isto já podem ver como estou ligado aos dias 5 e 6 de Janeiro. Mas há mais... há o 6 de Janeiro de 1970, fiz vinte e dois anos, e entrei na EPI [, Escola Prática de Infantaria, em Mafra]...
E hoje voltei a Mafra, voltei a entrar no Calhau, passados que foram 40 anos.
Não sei como me apareceu a ideia, mas a verdade é que me sentei ao computador, há dias atrás e lá estava a enviar um mail ao Comandante, pedindo autorização para uma visita para este 6 de Janeiro de 2010. Visita autorizada por mail enviado pelo Major Álvaro Campeão com a concordância do Cororonel Ormonde Mendes, Comandante da Escola.
Passei em Pombal, levei o Vítor Junqueira, e a seguir ao almoço estávamos a entrar pela Porta de Armas. Fomos amávelmente recebidos, fomos a alguns locais (ex. Gabinete do Comandante) onde quando Cadetes, nem sabia onde ficavam, e acompanhados pelo Srgt. Ajudante Janelas percorremos aqueles imensos corredores, onde já começava a ficar desorientado, o Refeitório, o Salão de Honra, as paradas, terminando no Bar de Oficiais.
Como curiosidade fomos à Sala das Bicas, fica na extremidade dos refeitórios, nem eu nem o Vítor a conhecíamos, e recebe água vinda da Tapada (potável). Visitámos também uma sala com uma arquitetura notável : a Casa do Capítulo, também conhecida por Sala Elíptica.
Na despedida o Major Álvaro Campeão e Srgt. Ajudante Janelas, ofereceram-nos um Roteiro Histórico da EPI e um Galhardete.
Ao percorrer o corredor Lacouture e a escada La Lys quase me senti a voltar aos vinte e dois anos...
Foto 1 > No Salão de Honra com o Srgt Ajudante Janelas
Foto 2 > O Vitor e eu no Salão de Honra
Foto 3 > Refeitório
Foto 4 > Sentado à mesa... como há 40 anos
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 6 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5598: Parabéns a você (63): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Mário Migueis / Editores)
Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5541: Memória dos lugares (61): Mais notícias da Cart 2410 (2) (Luís Guerreiro)
Na despedida o Major Álvaro Campeão e Srgt. Ajudante Janelas, ofereceram-nos um Roteiro Histórico da EPI e um Galhardete.
Ao percorrer o corredor Lacouture e a escada La Lys quase me senti a voltar aos vinte e dois anos...
Foto 1 > No Salão de Honra com o Srgt Ajudante Janelas
Foto 2 > O Vitor e eu no Salão de Honra
Foto 3 > Refeitório
Foto 4 > Sentado à mesa... como há 40 anos
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 6 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5598: Parabéns a você (63): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Mário Migueis / Editores)
Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5541: Memória dos lugares (61): Mais notícias da Cart 2410 (2) (Luís Guerreiro)
Guiné 63/74 - P5605: O Nosso Livro de Visitas (78): António Faneco, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72 (1972/74)
1. Mensagem de António Faneco, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72, com data de 2 de Janeiro de 2010:
Camarada Luís Graça,
Resposta ao Vosso poste de 9 de Março de 2008: Guiné 63/74 P2695 – Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel)*
Depois de ter lido algo cuja existência desconhecia, pensei enviar uma pequena história acerca de Jemberém…
Finalmente chegou alguém que conhece o célebre monumento de Jemberém…
Sou António Faneco, ou o "Massamá", ex-1.º Cabo da 1.ª Companhia do Batalhão de Artilharia 6521/72, situado no Pelundo, com a 2.ª Companhia em Có e a 3.ª Companhia em Jolmete.
A minha Companhia saiu de Cadique no dia 20 de Abril de 1973 pelas 8 horas da manhã tendo chegado a Jemberém pelas 12 horas, sensivelmente, onde permanecemos até dia 9 de Setembro de 1973, altura em que regressámos ao Pelundo.
Poderei voltar a entrar em contacto para falar acerca da nossa passagem por terras da Guiné!
Junto envio uma foto do monumento que se encontra em Jemberém (este sim, é tal e qual como o deixámos), assim como o monumento em homenagem aos falecidos em combate… Paz à sua alma.
Hoje vejo algo por cima do monumento… não percebo de que símbolo se trata.
Sobre os pioneiros, não há dúvida alguma, fomos nós os primeiros a pisar Jemberém e a ficar ainda uns dias sós.
Foto 1> 1.º Grupo "Os Águias Negras"
Foto 2 > 2.º Grupo "Os Bravos do Cantanhez"
Foto 3 > 3.º Grupo "Os Leões de Jemberem"
Foto 4 > 4.º Grupo "Aguenta-te Sempre"
Foto 5 > António Faneco com o crachá d'Os Nómadas
Foto 6 > António Faneco em dia de repouso
Foto 7 > Numa saída para o mato. De cima para baixo, e da esquerda para a direita: Eu – Massamá, O Batalha, O Tareco e o Augusto.
Foto 8 > Monumento que se encontra em Jemberém (este sim, é tal e qual como o deixámos), assim como o monumento em homenagem aos falecidos em combate… Paz à sua alma… Hoje vejo algo por cima do monumento… não percebo de que símbolo se trata…
Para qualquer contacto: António Faneco – antoniofaneco@sapo.pt ou
patriciaaesantos@gmail.com, (minha filha) e
telemóvel: 917 620 722.
Um abraço e até à próxima!
2. Comentário de CV:
Caro Camarada Faneco, muito obrigado por vires até nós com os pormenores dos locais onde estiveram instaladas as Companhias do teu Batalhão, especialmente no que respeita à tua Companhia e à localidade de Jemberém. As tuas fotos são um documento importante da nossa passagem por aqueles lugares.
Em nome da Tertúlia, quero convidar-te a aderires à nossa Tabanca Grande, onde poderás continuar a falar de ti, do teu Batalhão e de uma forma geral, da Guiné.
Envia uma foto actual e mais uma história para fazermos a tua apresentação formal à Tertúlia.
Para já recebe um abraço dos camaradas deste Blogue.
CV
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel
Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5498: O Nosso Livro de Visitas (77): Angola: Procura de camaradas BCAV 8322, 1973/75 (Narciso Goulão Paulo)
Camarada Luís Graça,
Resposta ao Vosso poste de 9 de Março de 2008: Guiné 63/74 P2695 – Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel)*
Depois de ter lido algo cuja existência desconhecia, pensei enviar uma pequena história acerca de Jemberém…
Finalmente chegou alguém que conhece o célebre monumento de Jemberém…
Sou António Faneco, ou o "Massamá", ex-1.º Cabo da 1.ª Companhia do Batalhão de Artilharia 6521/72, situado no Pelundo, com a 2.ª Companhia em Có e a 3.ª Companhia em Jolmete.
A minha Companhia saiu de Cadique no dia 20 de Abril de 1973 pelas 8 horas da manhã tendo chegado a Jemberém pelas 12 horas, sensivelmente, onde permanecemos até dia 9 de Setembro de 1973, altura em que regressámos ao Pelundo.
Poderei voltar a entrar em contacto para falar acerca da nossa passagem por terras da Guiné!
Junto envio uma foto do monumento que se encontra em Jemberém (este sim, é tal e qual como o deixámos), assim como o monumento em homenagem aos falecidos em combate… Paz à sua alma.
Hoje vejo algo por cima do monumento… não percebo de que símbolo se trata.
Sobre os pioneiros, não há dúvida alguma, fomos nós os primeiros a pisar Jemberém e a ficar ainda uns dias sós.
Foto 1> 1.º Grupo "Os Águias Negras"
Foto 2 > 2.º Grupo "Os Bravos do Cantanhez"
Foto 3 > 3.º Grupo "Os Leões de Jemberem"
Foto 4 > 4.º Grupo "Aguenta-te Sempre"
Foto 5 > António Faneco com o crachá d'Os Nómadas
Foto 6 > António Faneco em dia de repouso
Foto 7 > Numa saída para o mato. De cima para baixo, e da esquerda para a direita: Eu – Massamá, O Batalha, O Tareco e o Augusto.
Foto 8 > Monumento que se encontra em Jemberém (este sim, é tal e qual como o deixámos), assim como o monumento em homenagem aos falecidos em combate… Paz à sua alma… Hoje vejo algo por cima do monumento… não percebo de que símbolo se trata…
Para qualquer contacto: António Faneco – antoniofaneco@sapo.pt ou
patriciaaesantos@gmail.com, (minha filha) e
telemóvel: 917 620 722.
Um abraço e até à próxima!
2. Comentário de CV:
Caro Camarada Faneco, muito obrigado por vires até nós com os pormenores dos locais onde estiveram instaladas as Companhias do teu Batalhão, especialmente no que respeita à tua Companhia e à localidade de Jemberém. As tuas fotos são um documento importante da nossa passagem por aqueles lugares.
Em nome da Tertúlia, quero convidar-te a aderires à nossa Tabanca Grande, onde poderás continuar a falar de ti, do teu Batalhão e de uma forma geral, da Guiné.
Envia uma foto actual e mais uma história para fazermos a tua apresentação formal à Tertúlia.
Para já recebe um abraço dos camaradas deste Blogue.
CV
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel
Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5498: O Nosso Livro de Visitas (77): Angola: Procura de camaradas BCAV 8322, 1973/75 (Narciso Goulão Paulo)
Guiné 63/74 - P5604: Notas de leitura (49): Os Anos da Guerra, de João de Melo (3): Competência e Destino Guiné (Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Dezembro de 2009:
Meus queridos amigos,
Que 2010 vos traga os maiores sucessos, com saúde e muitas andanças no blogue. Regresso 2.ª feira, agora só penso nos projectos do próximo ano, bem gostaria de ter coragem para voltar à Guiné.
Um abraço e a muita estima do
Mário
OS ANOS DA GUERRA:
ALGUNS OLHARES SOBRE A LITERATURA DA GUERRA DA GUINÉ (3)
Beja Santos
Recordatória
“Os Anos da Guerra”, com organização do escritor João de Melo, editados por Publicações Dom Quixote em 1988, que igualmente reeditou a obra em 1998, constitui o primeiro esforço sério para mostrar ao grande público, sob a forma de antologia, os prosadores marcados pela Guerra Colonial. Nas duas edições anteriores, referimos alguns aspectos essenciais do ensaio de João de Melo sobre o impacto da Guerra Colonial nas literaturas de língua portuguesa e apresentámos alguns parágrafos dos escritores Filipe Leandro Martins e Álvaro Guerra acerca dos preparativos (recruta, especialidade, formação de batalhão, etc.). Os dois últimos textos destes preparativos saíram da pena de dois escritores açorianos, José Martins Garcia e Álamo Oliveira. José Martins Garcia, já falecido, nasceu na Ilha do Pico em 1941, e em 1966, sendo professor do ensino secundário na Horta, foi chamado ao serviço militar, tendo embarcado para a Guiné como oficial de transmissões. Foi Leitor de Português em França, entre 1968 e 1971, e professor de Literatura Portuguesa, durante quatro anos numa universidade americana e mais tarde na Universidade dos Açores. É autor de obras incontornáveis sobre a guerra como Katafaraum É Uma Nação (1974) e Lugar de Massacre (1975). Álamo Oliveira nasceu na Ilha Terceira, em 1945. Prestou serviço militar na Guiné entre 1967 e 1969. Poeta, dramaturgo, encenador e animador cultural é autor daquele que será porventura o livro mais anárquico e libertário que se escreveu sobre a guerra da Guiné, Até Hoje (Memória de Cão), em 1987.
Competência
“O soldado-cadete Ramalho pousou no alferes dois olhos surpreendidos. E ficou de boca meio aberta, como alguém que nunca tivesse pensado no assunto.
- Um homem – prosseguiu o alferes – não se bai abaixo por causa de um arranhão no pé. Você nunca compreendeu isso?
O soldado-cadete Ramalho escarrou para o lado.
- Que é que isso quer dizer? – bramiu o pequeno alferes. – Quer que lhe ensine a ter maneiras?...
- Agora? – inquiriu o outro, com os olhos reduzidos a duas frestas.
- O rapaz tem razão – comentou Gwlyx. – o meu alferes teve muitos meses para lhe ensinar o que quis... e agora... francamente quando ele diz que tem um pé partido...
- Qual partido, qual carapuça! Toca alinhar!
Alinharam, mal barbeados, cobertos de pó, estourados, os soldados-cadetes, “doutores” do primeiro pelotão da primeira companhia. E iniciaram a marcha de regresso ao acampamento, com o soldato-cadete Ramalho na retaguarda, apoiado ao ombro do Gwlyx, e com a arma em bandoleira, mas no ombro esquerdo. Alguns metros andados, o Ramalho declarou ao camarada que sentia latejar o pé.
- Que chatice! – confidenciou – Tens de dizer a essa besta que eu não dou nem mais um passo.
O Gwlyx abandonou o Ramalho na berma da estrada e foi retransmitir a mensagem ao alferes, mas suprimindo o vocábulo “besta”. Veio o alferes em pessoa observar o queixoso, começando por declarar:
- Tenho um horário, percebe? Tenho ordens a cumprir, percebe? Tenho de regressar com o meu pelotão à hora exacta, percebe? E o senhor está a atrasar a marcha. Faça um esforço e marche como os outros.”
“Avançaram. Há muito que terminara a refeição da tarde e o acampamento preparava-se para resistir aos ataques nocturnos que o inimigo não deixaria de desencadear. Circulavam terríveis boatos quanto à ferocidade do inimigo: viria pela calada, iludiria as sentinelas inexperientes, destruiria as barracas, faria prisioneiros e mortos simulados. Diziam os soldados-cadetes melhor informados que, em tais circunstâncias o melhor era ser-se imediatamente morto. O inimigo deixava os mortos no solo e estes teriam apenas a maçada de reconstruírem as barracas; quanto aos prisioneiros, tinham de acompanhar o inimigo até um problemático acampamento, às vezes situado a muitos quilómetros de distância. Depois de um dia esgotante, mais valia a morte simulada.
- Afinal, quem é o inimigo? – interrogou o Ramalho.
E encontrou forças para rir, enquanto o médico Tww lhe arrancava, enfim, a bota.
- São cadetes de outras companhias – explicou o médico – que não gramam a companhia dos “doutores”. Vão gozar que nem pretos, quando nos deitarem as barracas abaixo.”
José Martins Garcia
Destino: Guiné
“Era pela ilha que João se deixava escorregar, a memória atada a todos os tempos, lugares, pessoas, sonhos intemporais.
Ilha redonda ou pão de milho, hóstia desconsagrada de franja roída, suas gentes voltadas para o mar – o deus do pão e da aventura e também do medo e da saudade. João vinha do lado norte mais alto e ventoso, os campos rasos e verdes, casas a brilhar de cal, pequenas, baixas, conchas perdidas na ilha perdida.”
“Cento e vinte e sete!, o nosso capitão chama-te.” A memória partida, o horror do nome em número, um vago 127 dependurado ao pescoço na chapa picotada pelo diâmetro a quebrar em caso de morte e poder, enfim, ter direito ao nome. “O nosso capitão chama-te!”, os olhos que se abrem num despertar de insónias. Lisboa é já uma mancha sem telhados. O sol mais freco pela brisa. O mar, manso que nem um são-bernardo, tece ondas pequeninas como Penélope em seu tapete líquido de azul e infinito. E João, perdido naquele barco enorme, no meio de mil duzentos e cinquenta e três homens, lá ia a caminhjo da guerra como se fosse voluntário dela. Destino: Guiné.
Álamo Oliveira
A partir de agora vamos entrar no palco da guerra. Na Guiné, iremos partilhar esperança, sofrimento, sede e afectos com Álvaro Guerra, Urbano Bettencourt, José Luís Farinha e José Martins Garcia.
(Continua)
Cheguei a Mafra na tarde de 11 de Novembro de 1967. Abriu-se uma porta monumental e um cabo quarteleiro perguntou-me: “A menina não sabe que vem para a tropa, aqui não há cabelo comprido?”. Fiquei embuchado, tivera a preocupação de cortar o cabelo na véspera e bem rente. Foi assim que eu fui praxado, voltei ao barbeiro, parecia que me estava a desparasitar. Deram-me um capacete, um capote, uma espingarda e uma baioneta, mais uma mochila, assinei um papel em que receberia como pré 17 tostões por dia. Percorri pela primeira vez os corredores do Convento, perguntei a mim próprio porque é que tinham nomes das campanhas de África e dos locais em que combatemos na Primeira Guerra Mundial. É, infelizmente, a única fotografia que guardo dessa recruta. Ao meu lado, está o Paulo Gustavo Simões da Costa, meu compadre, é padrinho da minha filha Joana. Lamento ter esquecido o nome dos outros dois. Oxalá o Paulo Raposo me possa ajudar. Encontrei esta fotografia na selecção do material que estou a organizar para o meu livro “A Viagem do Tangomau”.
Foto e legenda: © Mário Beja Santos (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5600: Notas de leitura (48): Os Anos da Guerra, de João de Melo (2): Os preparativos e Sinfonia para uma guerra (Beja Santos)
Meus queridos amigos,
Que 2010 vos traga os maiores sucessos, com saúde e muitas andanças no blogue. Regresso 2.ª feira, agora só penso nos projectos do próximo ano, bem gostaria de ter coragem para voltar à Guiné.
Um abraço e a muita estima do
Mário
OS ANOS DA GUERRA:
ALGUNS OLHARES SOBRE A LITERATURA DA GUERRA DA GUINÉ (3)
Beja Santos
Recordatória
“Os Anos da Guerra”, com organização do escritor João de Melo, editados por Publicações Dom Quixote em 1988, que igualmente reeditou a obra em 1998, constitui o primeiro esforço sério para mostrar ao grande público, sob a forma de antologia, os prosadores marcados pela Guerra Colonial. Nas duas edições anteriores, referimos alguns aspectos essenciais do ensaio de João de Melo sobre o impacto da Guerra Colonial nas literaturas de língua portuguesa e apresentámos alguns parágrafos dos escritores Filipe Leandro Martins e Álvaro Guerra acerca dos preparativos (recruta, especialidade, formação de batalhão, etc.). Os dois últimos textos destes preparativos saíram da pena de dois escritores açorianos, José Martins Garcia e Álamo Oliveira. José Martins Garcia, já falecido, nasceu na Ilha do Pico em 1941, e em 1966, sendo professor do ensino secundário na Horta, foi chamado ao serviço militar, tendo embarcado para a Guiné como oficial de transmissões. Foi Leitor de Português em França, entre 1968 e 1971, e professor de Literatura Portuguesa, durante quatro anos numa universidade americana e mais tarde na Universidade dos Açores. É autor de obras incontornáveis sobre a guerra como Katafaraum É Uma Nação (1974) e Lugar de Massacre (1975). Álamo Oliveira nasceu na Ilha Terceira, em 1945. Prestou serviço militar na Guiné entre 1967 e 1969. Poeta, dramaturgo, encenador e animador cultural é autor daquele que será porventura o livro mais anárquico e libertário que se escreveu sobre a guerra da Guiné, Até Hoje (Memória de Cão), em 1987.
Competência
“O soldado-cadete Ramalho pousou no alferes dois olhos surpreendidos. E ficou de boca meio aberta, como alguém que nunca tivesse pensado no assunto.
- Um homem – prosseguiu o alferes – não se bai abaixo por causa de um arranhão no pé. Você nunca compreendeu isso?
O soldado-cadete Ramalho escarrou para o lado.
- Que é que isso quer dizer? – bramiu o pequeno alferes. – Quer que lhe ensine a ter maneiras?...
- Agora? – inquiriu o outro, com os olhos reduzidos a duas frestas.
- O rapaz tem razão – comentou Gwlyx. – o meu alferes teve muitos meses para lhe ensinar o que quis... e agora... francamente quando ele diz que tem um pé partido...
- Qual partido, qual carapuça! Toca alinhar!
Alinharam, mal barbeados, cobertos de pó, estourados, os soldados-cadetes, “doutores” do primeiro pelotão da primeira companhia. E iniciaram a marcha de regresso ao acampamento, com o soldato-cadete Ramalho na retaguarda, apoiado ao ombro do Gwlyx, e com a arma em bandoleira, mas no ombro esquerdo. Alguns metros andados, o Ramalho declarou ao camarada que sentia latejar o pé.
- Que chatice! – confidenciou – Tens de dizer a essa besta que eu não dou nem mais um passo.
O Gwlyx abandonou o Ramalho na berma da estrada e foi retransmitir a mensagem ao alferes, mas suprimindo o vocábulo “besta”. Veio o alferes em pessoa observar o queixoso, começando por declarar:
- Tenho um horário, percebe? Tenho ordens a cumprir, percebe? Tenho de regressar com o meu pelotão à hora exacta, percebe? E o senhor está a atrasar a marcha. Faça um esforço e marche como os outros.”
“Avançaram. Há muito que terminara a refeição da tarde e o acampamento preparava-se para resistir aos ataques nocturnos que o inimigo não deixaria de desencadear. Circulavam terríveis boatos quanto à ferocidade do inimigo: viria pela calada, iludiria as sentinelas inexperientes, destruiria as barracas, faria prisioneiros e mortos simulados. Diziam os soldados-cadetes melhor informados que, em tais circunstâncias o melhor era ser-se imediatamente morto. O inimigo deixava os mortos no solo e estes teriam apenas a maçada de reconstruírem as barracas; quanto aos prisioneiros, tinham de acompanhar o inimigo até um problemático acampamento, às vezes situado a muitos quilómetros de distância. Depois de um dia esgotante, mais valia a morte simulada.
- Afinal, quem é o inimigo? – interrogou o Ramalho.
E encontrou forças para rir, enquanto o médico Tww lhe arrancava, enfim, a bota.
- São cadetes de outras companhias – explicou o médico – que não gramam a companhia dos “doutores”. Vão gozar que nem pretos, quando nos deitarem as barracas abaixo.”
José Martins Garcia
Destino: Guiné
“Era pela ilha que João se deixava escorregar, a memória atada a todos os tempos, lugares, pessoas, sonhos intemporais.
Ilha redonda ou pão de milho, hóstia desconsagrada de franja roída, suas gentes voltadas para o mar – o deus do pão e da aventura e também do medo e da saudade. João vinha do lado norte mais alto e ventoso, os campos rasos e verdes, casas a brilhar de cal, pequenas, baixas, conchas perdidas na ilha perdida.”
“Cento e vinte e sete!, o nosso capitão chama-te.” A memória partida, o horror do nome em número, um vago 127 dependurado ao pescoço na chapa picotada pelo diâmetro a quebrar em caso de morte e poder, enfim, ter direito ao nome. “O nosso capitão chama-te!”, os olhos que se abrem num despertar de insónias. Lisboa é já uma mancha sem telhados. O sol mais freco pela brisa. O mar, manso que nem um são-bernardo, tece ondas pequeninas como Penélope em seu tapete líquido de azul e infinito. E João, perdido naquele barco enorme, no meio de mil duzentos e cinquenta e três homens, lá ia a caminhjo da guerra como se fosse voluntário dela. Destino: Guiné.
Álamo Oliveira
A partir de agora vamos entrar no palco da guerra. Na Guiné, iremos partilhar esperança, sofrimento, sede e afectos com Álvaro Guerra, Urbano Bettencourt, José Luís Farinha e José Martins Garcia.
(Continua)
Cheguei a Mafra na tarde de 11 de Novembro de 1967. Abriu-se uma porta monumental e um cabo quarteleiro perguntou-me: “A menina não sabe que vem para a tropa, aqui não há cabelo comprido?”. Fiquei embuchado, tivera a preocupação de cortar o cabelo na véspera e bem rente. Foi assim que eu fui praxado, voltei ao barbeiro, parecia que me estava a desparasitar. Deram-me um capacete, um capote, uma espingarda e uma baioneta, mais uma mochila, assinei um papel em que receberia como pré 17 tostões por dia. Percorri pela primeira vez os corredores do Convento, perguntei a mim próprio porque é que tinham nomes das campanhas de África e dos locais em que combatemos na Primeira Guerra Mundial. É, infelizmente, a única fotografia que guardo dessa recruta. Ao meu lado, está o Paulo Gustavo Simões da Costa, meu compadre, é padrinho da minha filha Joana. Lamento ter esquecido o nome dos outros dois. Oxalá o Paulo Raposo me possa ajudar. Encontrei esta fotografia na selecção do material que estou a organizar para o meu livro “A Viagem do Tangomau”.
Foto e legenda: © Mário Beja Santos (2009). Direitos reservados.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5600: Notas de leitura (48): Os Anos da Guerra, de João de Melo (2): Os preparativos e Sinfonia para uma guerra (Beja Santos)
Guiné 63/74 - P5603: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (10): Recolha de fundos para ajudar a reconstrução (Manuel Reis / Luís Graça)
"A Ti, Deus Único e Senhor,
Te Oferecemos
As Últimas Gotas de Suor,
Que nos Sobraram
da Luta da Tua Palavra Eterna,
Soldados da CART1613.”
Foto: © Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento. (2007). Direitos reservados
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2005 > Lápide encontrada sob os escombros do antigo aquartelamento, e que pertencia à capelinha. Sobre este famosa lápide disse-nos o saudoso Zé Neto, Cap Ref (1929-2007):
"A placa da Capela foi feita em cimento forte e não em cobre. A dedicatória é minha e a inscrição em baixo-relevo foi obra do Furriel Miliciano de Transmissões Maurício Mota de Almeida, natural de Fornos de Algodres, mas radicado há muito nos EUA. Este moço veio de propósito a Portugal para estar presente no Almoço/Convívio da CART 1613 que teve lugar em Braga no passado dia 3 de Junho [de 2005]. Aliás é com muito orgulho que acrescento que dos meus 14 'excepcionais Furriéis' compareceram 12 (um falececeu há pouco), portanto só faltou um".
Em 14 de Dezembro de 2005, escrevi o seguinte na I Série do blogue:
O Pepito diz-me que, se tudo correr bem, estamos todos convidados para ir inauguar o seu projecto de ecoturismo e de museologia daqui a um ano. E se lá formos, todos ou alguns de nós, iremos certamente prestar uma homenagem a todos os combatentes, de um lado e de outro, que em Guileje foram um exemplo de fé e de coragem: fé e confiança nos valores por que lutavam; coragem e valor nas acções em que estiveram empenhados...
Convenhamos que o Pepito foi demasiado optimista. O núcleo museológico de Guileje vai ser inaugurado, em cerimónia oficial, no dia 20 de Janeiro de 2010, quatro anos depois. Pelo meio, realizou-se o Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008), notável realização de que ainda hoje se fala em Bissau e Cantanhez. O papel no nosso blogue, na preservação, reabilitação e divulgação da memória de Guileje, acaba de ser reconhecido, formalmente, pela ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, através de diploma, devidamente assinado pela sua presidente, a Sra. Isabel Miranda, e que acaba de nos ser enviado. Esse documentro será aqui oportunamente reproduzido. É um gesto de gratidão e de apreço dos nossos amigos da Guiné-Bissau que muito nos sensibiliza a todos nós, membros deste blogue, em geral, e aos nossos autores e editores, em particular.
Muito em especial, quero aqui lembrar o nome do Nuno Rubim, cujo diorama de Guileje é uma peça museológica notável. O Nuno, por razões da sua vida de incansável investigador (mas também de saúde), tem andado arredado das nossas lides bloguísticas. De tempos a tempos telefono-lhe. Para ele e para a Júlia, o meu carinho muito especial. Quero também aqui referir a colaboração que temos dado à Fundação Mário Soares, outro importante parceiro da AD neste projecto.
Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2005) Direitos reservados
1. Mensagem do Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, 1972/73) (*)
Caro Luís: Para responder à solicitação da equipa que procede à reconstrução da Capelinha de Guileje, envio o NIB da minha conta bancária, onde os camaradas interessados em colaborar na Reconstrução possam depositar a quantia, que bem entenderem.
Lembro que esta obra é um registo da passagem, de todos nós, por terras da Guiné e, como tal, deve ser acarinhada. É esse, aliás, o sentir da população.
Todos os donativos serão posteriormente publicados no Blogue.
Dada a aproximação da data de inauguração (20 de Janeiro), solicito aos camaradas que queiram colaborar que o façam até ao dia 15 de Janeiro.
Pagamento por multibanco:
NIB: 003503720000835570006
Pagamento por transferência Bancária:
Conta nº: 0372008355700 da Caixa Geral de Depósitos de Ílhavo,
em nome de Manuel Augusto Ferreira Reis
Um abraço para todos.
Manuel Reis
2. Comentário de L.G.:
O Manuel Reis foi o primeiro - e o único do Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (**) - que respondeu, de pronto, ao meu pedido de abertura de uma conta bancária para recolha de fundos. Passadas as festas natalícias foi tratar do assunto, na Caixa Geral de Depósitos, na agência de Ílhavo, onde vive (segundo creio, e não em Aveiro, como erradamente indiquei em postes anteriores).
O Reis foi alertado, na agência, para duas coisas: (i) o inconveniente de ser o único titular de uma conta que se destina à recolha de fundos; (ii) a vantagem de haver dois ou mais titulares que, para além do mais, poderiam ser os primeiros depositantes: o montante mínimo, para a abertura deste tipo de conta, são 150€.
Pelo facto de estar geograficamente isolado (da generalidade dos amigos e camaradas do nosso blogue), acabou por recorrer, como solução imediata e prática, à sua conta bancária. O dinheiro recolhido será canalizado oportunamente para a ONG, com sede em Bissau, AD - Acção para o Desenvolvimento, de que é co-fundador e director executivo o Eng Agr Carlos Schwarz Silva (Pepito), membro da nossa Tabanca Grande desde finais de 2005.
Agradeço ao Manuel Reis a sua disponibilidade, solidariedade e generosidade, ao quebrar um dos princípios-tabu com que fomos formatados pela cultura castrense: na tropa, voluntário só para comer...
Aproveito para relembrar, aos mais novos, aos periquitos da Tabanca Grande, a história e o significado da capela de Guileje, erigida no tempo da CART 1613 (do Cap Art Corvalho e do 2º Srgt Zé Neto, 1967/68) (***)... Infelizmente, o Zé Neto (com o posto de Cap Ref) foi o primeiro a deixar-nos... A morte levou-o aos 78 anos... Morreu em 2007. Tinha nascido, em Leiria, em 1927.
Em homenagem a este nosso querido camarada, a AD - Acção para o Desenvolvimento convidou a viúva, Júlia Neto, a estar presente na cerimónia oficial da inauguração, a 20 do corrente, do Museu de Guileje (incluindo a Capela, que será consagrada e aberta ao culto). Já falei com ela ao telefone, está muito orgulhosa pelo convite e aceitou representar-nos, a todos nós, blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.... Parte para Bissau no dia 17...
Eu, infelizmente, por razões de agenda, não poderei estar. Mas, quem sabe, talvez para o ano possamos - uma luzidia delegação do nosso blogue- revisitar a Guiné-Bissau, em viagem (colectiva) de turismo de saudade... É uma ideia que já está no ar e que ficará a amadurecer... A concretizar-se, alguns de nós concerteza irão querer rezar à capelinha de Guileje.
A Júlia Neto., por sua vez, confidenciou-me que gostava de lá voltar com as suas filhas. O Zé Neto foi cremado, por sua vontade expressa. As filhas entendem que as suas cinzas deveriam ser espalhadas em Guileje, a terra da sua paixão, a par de Macau, onde serviu 10 anos. A viúva disse-me que ainda não está preparada, psicologicamente, para cumprir esse desejo. Vai conhecer Guileje. Para ver as condições locais. Esteve com o marido em Macau, mas não na Guíné. Tomará uma decisão no regresso da visita a Guileje. Achei magnífico e nobre este gesto da família do nosso querido e saudoso Zé Neto.
Os amigos e camaradas da Guiné que quiserem contribuir para esta recolha de fundos, passarão a figurar na lista do Grupo dos Amigos da Capela de Guileje, que por sua vez será publicitada no nosso blogue. (LG)
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Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
12 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4175: Os Bu... rakos em que vivemos (5): Guileje bem se podia considerar um hotel de 5***** (Manuel Reis)
15 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4035: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (8): Amigo Paiva, confirmas que fomos vítimas de ameaças e pressões (Manuel Reis)
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3789: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (2): Esclarecimento adicional de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)
(*) Vd. último e primeiro poste da série:
30 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5567: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (9): Reconstrução, quase pronta, da capelinha de Guileje, terra de fé e de coragem, nas palavras do saudoso Zé Neto (CART 1613, 1967/68)
6 de Junho de 2009 > Guiné 64/74 - P4469: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (1): Já temos três: Patrício Ribeiro, António Cunha e Manuel Reis
(...) Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCAV 8350, Guileje, 1972/73, professor, Aveiro, membro da nossa Tabanca Grande)
Amigo Luís: É com muito agrado que me disponibilizo para ajudar em tudo o que respeita a Guileje. Aceito fazer parte do 'Grupo dos Amigos da Capela de Guileje' com muito prazer e colaborar no que puder para a melhoria do local. Como em breve teremos uma Biblioteca/ Museu, eu tenho imensos livros de Matemática (7º ao 12º Anos) e posso oferecê-los, caso vejam neles alguma utilidade. De Portugês também posso arranjar, basta para isso mobilizar a minha mulher.
Um abraço. Manuel Reis
(*** ) Vd. poste de 3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado
(...) Uma das boas características do meu pessoal era a de que não gostavam de estar parados nos intervalos das operações. Cada um, nas suas profissões ou aptidões, ia bulindo e foi assim que se reconstruíram e melhoraram abrigos, se implantou uma horta que aproveitava a água, depois de decantada, dos chuveiros das praças e se construiu a obra mais emblemática que deixámos em Guileje: a Capela.
Por sugestão do capelão, Padre João Batista Alves de Magalhães, que apenas pediu um coberto para oficiar a missa quando ia a Guileje, pois dava a volta a toda a área da responsabilidade do batalhão, os Furriéis Maurício (Transmissões) e Arclides Mateus (Atirador), ambos com conhecimentos de desenho de construção civil, planearam e dirigiram a construção do pequeno templo.
Na pequena festa de inauguração da Capela e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.
As portas da Capela nunca se fecharam. Os europeus iam lá fazer as suas orações e nunca constou que alguém tivesse mexido fosse no que fosse.
Do mesmo modo, quando da celebração do fim do Ramadão, com rituais próprios, mas completamente desconhecidos para a quase totalidade dos rapazes, estes comportaram-se com respeito, a que não faltou uma ponta de curiosidade, é certo.
Saliento o facto ocorrido durante a festa do fanado em que as meninas foram preparadas para a, para nós bárbara, ablação de parte dos seus órgãos genitais.
Houve nesta festa uma excepção que me apraz referir: Eu fui o único fotógrafo autorizado a registar as cenas preliminares. Na palhota onde se procedeu à cirurgia [, MGF - Mutilação Genital Feminina,] (****) nem pensar.
Fotos: © Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento (2005) Direitos reservados
(****) Vd. poste de 26 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2989: Recortes de imprensa (7): Combate à mutilação genital feminina na Guiné-Bissau
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