1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista*, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 27 de Setembro de 2013:
Colunas de reabastecimento
De fins de Março de 1970 a Setembro de 1971 estive na CCaç 2616 em Buba, para onde fui em rendição individual.
A companhia pertencia ao BCAÇ 2892 que tinha o comando em Aldeia Formosa a cerca de 32 km de Buba.
Na estrada, de terra batida entre Buba e Aldeia Formosa estava a CCaç 2614 em Nhala a 7 km de Buba e a Cart 2519 em Mampatá a cerca de 20 Km.
A sudoeste fora deste percurso, em Empada, estava outra companhia independente que pertencia ao mesmo comando. O acesso era mais dificil, só de avioneta ou de barco através do rio Grande Buba.
Com excepção de Empada, os outros aquartelamentos e tabancas eram reabastecidos através de Buba onde as LDG (lanchas de desembarque grandes) vindas pelo rio Grande de Buba, acostavam e descarregavam todo o tipo de mantimentos e consumíveis.
Entre muitas outras coisas lembro-me bem dos enormes sacos de arroz que eram a base da alimentação das populações. Os estivadores fortes e musculados pareciam pertencer a uma etnia diferente de todas as outras.
Na estação seca penso que ainda antes da hora do almoço chegava a coluna de reabastecimento de Aldeia Formosa, engrossada pelo pessoal de Mampatá e Nhala.
Nós fazíamos proteção à coluna entre Buba e Nhala, penso que com 2 pelotões. Dois bombardeiros T6, aviões antigos que pareciam pássaros enormes e lentos a sobrevoar a coluna, a baixa altitude, normalmente também faziam proteção.
A coluna em si era enorme. De Aldeia Formosa vinham militares da CCaç 2615 e da CArt 2521 (não sei quantos pelotões), o pelotão Fox do alferes Maia, mais pessoal dos vários serviços, manutenção, auto e outros.
De Mampatá e Nhala vinham mais pelotões. Muitas viaturas para o transporte da tropa e para levar os mantimentos de volta. Camiões Berliet, robustos e relativamente novos, as velhinhas camionetas GMC, que pareciam da 1.ª guerra mundial, mas que apesar disso resistiam sempre, unimogues, jipes só com tropa, outros com auto-metralhadoras.
A coluna estendia-se por 1000 metros à vontade. Tinha bastantes militares e um potencial de fogo razoável, talvez por isso nunca tenha sido atacada, pelo menos que eu me lembre.
De tarde depois de carregados os camiões os nossos camaradas regressavam às suas origens.
Vila de Buba, 1969 - Foto de José Teixeira
Na época das chuvas porém tudo se complicava. A estrada era de terra batida e nalguns sítios passava perto de bolanhas. A água que escorria do céu longos dias a fio, abria crateras e valas na estrada, noutras acumulava terra solta e movediça, noutros sitios formava grandes charcos.
As viaturas atascavam avariavam, ficavam empanadas. Depois para as desatolar e pôr operacionais era o cabo dos trabalhos. Nessa época as colunas chegavam já tarde, por vezes já noite cerrada, com os camaradas todos molhados e cansados dos percalços da viagem.
Comiam Ração de combate ou rancho.
Conviviam um bocado connosco, enquanto bebíamos umas bazookas (cervejas grandes) pois apesar do cansaço, todos estávamos interessados em conhecer o dia a dia de uns e doutros. Com meios de comunicação quase inexistentes a palavra falada era quase a única forma de comunicação possível e a melhor forma de nos sociabilizarmos.
Deitávamo-nos muitas vezes já tarde, tendo os camaradas da coluna ter que dormir em cima do cimento nos nossos quartos e camaratas.
No dia seguinte levantavam-se cedo para o regresso, tal como nós para lhes fazer proteção. Regresso aos respectivos aquartelamentos que seria uma odisseia igualmente difícil.
Desses dias recordo sobretudo a grande camaradagem que se estabelecia entre todas as Companhias do Batalhão e sob o seu comando.
Conheci muitos e bons amigos. Cada qual tomou o seu próprio caminho, levados pela vida profissional e familiar, e fomo-nos perdendo de vista uns dos outros. Mas as boas recordações desses convívios continuam vivas na minha memória.
Hoje quando alguém me fala que esteve na Guiné nalgum sitío por onde andei, como aconteceu há dias com o Arménio Estorninho que me deu ainda notícias do José Grade que esteve comigo em Buba, fico sempre muito sensibilizado. Esses lugares, lá longe, onde estivemos, durante meses foram a nossa terra, a nossa casa. Aprendemos a amar aquelas florestas, aquelas bolanhas, o enorme espelho de água do Rio Grande Buba, em frente ao quartel onde o sol ao nascer, se reflectia com todo o seu esplendor, e os pores-do-sol produziam no céu ao longo do rio uma aguarela com todos os cambiantes de rosa e vermelho. No diálogo que fomos estabelecendo com o rio, com as árvores, com as gentes e essa grande terra africana, trouxemos um pouco do seu espírito e da sua beleza.
Houve também o outro lado desagradável da moeda, a guerra, que nos deixou algumas mágoas.
É isso Arménio e José que nos irmana e aproxima.
É a mesma disposição animica que senti quando encontrei o Carlos Vinhal, o Inácio Silva e o Jorge Picado, que estiveram em Mansabá.
Por uma razão semelhante à evocação que acabei de fazer, vou recordar desses tempos das colunas o 1.º Cabo Paulo da CCS, em Aldeia Formosa, que se bem me lembro era o encarregado da cantina lá. Éramos, espero não errar, os únicos naturais do nordeste transmontano, do mesmo concelho, eu de Brunhoso e ele de Brunhosinho
Não nos conheciamos antes mas ele soube da minha chegada e procurou-me. Quando havia colunas ele por vezes vinha e e encontrávamo-nos sempre, para cavaquear um pouco.
Aquele encontro era muito saudável, era um pouco como se voltássemos aos montes e vales de Trás-Os-Montes, esse reino maravilhoso de que fala Miguel Torga.
Ele regressou, de barco, com o Batalhão, sete meses antes de mim. Fez-me o favor de me trazer uma grande caixa de madeira com garrafas de whisky que entregou em minha casa na aldeia.
Hoje, pensando que ele de certeza terá ido de Lisboa para a terra de comboio, tendo que mudar 3 ou 4 vezes de linha, não sei se o maior parvo fui eu em lhe fazer esse pedido ou ele em ter aceitado. Pela vida fora temo-nos encontrado muitas vezes tanto no Porto como na sede do nosso concelho. Ele já foi polícia, dono de restaurantes e por fim construtor civil e sempre soube orientar bem a vida dele.
Eu tenho sempre uma enorme satisfação quando o encontro.
Atenção que o rigor do relato sobre as colunas de reabastecimento é diminuto. Não tenho certezas sobre a sua periodicidade, sobre o número de pelotões que lhe faziam escolta e sobre outros pormenores importantes.
Verdade se diga que isto não é história, isto, pela imprecisão de dados, é uma estória.
Peço desculpa por essa razão e agradeço qualquer comentário que torne o texto mais conforme a realidade.
Um grande abraço a todos os camaradas
Francisco Baptista