© Marques Lopes (2005)
1. Perguntei à malta da tertúlia dos ex-combatentes da Guiné se alguém tinha uma foto da igrejinha de Geba. O Reis, há dias, tinha-me mandado uma mas era a de Bambadinca... onde espantosamente nunca cheguei a entrar (hei-de pubicá-la um dia destes). Minto: fui lá uma vez, para participar no velório de um furriel dos comandos africanos, cortado ao meio, ao pisar uma mina antipessoal e ao rebentarem, por simpatia, as granadas ofensivas que levava à cintura...
Confesso que, na época, eu não era crente (nem hoje o sou) mas sentia que as poucas igrejas e capelas espalhadas pelo interior da Guiné serviam de consolo, de refúgio e de esperança para muitos dos nossos camaradas... Num caso ou noutro serviram também para agitar as consciências e até contestar a guerra colonial.
Alguns católicos, alguns padres e até alguns capelães do Exército, como o Padre Mário da Lixa ou o Padre Poím, utilizaram também as igrejas e as capelas para tomar posições públicas contra a guerra colonial. O caso mais conhecido e mediático foi talvez, na Metrópole, o do grupo de católicos que fez uma vigília e greve de fome, de 30 para 31 de Dezembro de 1972, na Capela do Rato, em Lisboa.
Mais difícil era a resistência na frente de combate, como foi o caso do Padre Mário da Lixa. Segundo a resenha biográfica disponível na sua página pessoal, ele esteve na Guiné apenas uns escassos meses, entre Novembro de 1967 e Março de 1968: desembarcou como alferes capelão do Exército português, integrado no Batalhão 1912, na região de Mansoa, para logo a seguir (Abril de 1968) ser "expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas Missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência".
Regressado à sua Diocese, no Porto, foi rotulado pelo Bispo castrense de então, D. António dos Reis Rodrigues, como padre irrecuperável. Foi nessa altura que começou a paroquiar a freguesia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses), por nomeação do Administrador Apostólico da Diocese do Porto, D. Florentino de Andrade e Silva (como se recordam, o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, estava ainda no exílio, por ordem de Salazar...).
Em Julho 1970, o Padre Mário (entretanto, colocado em Outubro de 1969, pelo seu bispo, regressado do exílio, na Freguesia de Macieira da Lixa, Felgueiras, como pároco) foi preso pela PIDE/DGS. Em Março de 1971 saiu da prisão política de Caxias, depois de ter sido julgado e absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto (Daqui, deste ponto do ciberespaço, envio-lhe um abraço).
Em Bambadinca lembro-me do Padre Poím, capelão militar, de origem açoriana, pertecente ao BART 2917 (1970/72) (vd. respectiva foto com o furriel miliciano Guimarães da CART 2716, na nossa página dedicada ao Xitole).
Devido às suas homilias, este capelão teve problemas com a PIDE/DGS, acabando por ser expulso do Exército, tal como o Padre Mário da Lixa. Não sei muito bem o resto da história, que me foi (re)contada pelo Guimarães. Confesso que nunca ouvi nenhuma das suas homilias, uma vez que não ía à missa. Mas conheci-o pessoalmente em Bambadinca e lembro-me do seu ar frágil e sofrido.
Vem tudo isto a (des)propósito de igrejas e capelas da Guiné. Sensibilizou-me o episódio evocado pelo Fernando Carvalho que se recolhia à igrejinha de Geba para imaginar que estava na sua terra natal, no seu verde Minho...
2. O meu apelo, entretanto, não caiu em saco roto: o Marques Lopes mandou-nos de imediato duas fotos da igreja de Geba. Com a seguinte nota: "Foi no tempo da CART 1690 que a igreja foi construída. Apesar daquilo tudo [a guerra...], ainda deu para isso... O Fernando Carvalho há-de lembrar-se dela".
Já agradeci ao Marques Lopes: de facto, o baú dele é mesmo um caixinha de surpresas. Mas são estas pequenas peças, fotos, documentos, depoimentos, estórias, etc., que nos ajudam a reconstituir o puzzle (desconjuntado) da nossa memória da Guiné e dos seus lugares...
© Marques Lopes (2005)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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