sábado, 5 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P252: Notícías de Farim, para o nosso amigo Anízio, em S. Paulo (Virgínio Briote)

Brasão da vila de Farim.

© Jorge Santos (2005)

Fonte: International Civic Heraldry > Coats of arms of Guinea-Bissau > Farim

Texto do Virgínio Briote, que foi Alferes Miliciano da CCAV 489 (Cuntima, Janeiro a Maio de 1965), pertencente ao BCAV 490 (sediado em Farim, em 1965):

Caro Anízio,

Que é que lhe posso dizer de Farim?

Passei por lá há muitos anos, há mais de quarenta. Pus lá os pés pela primeira vez em finais de Janeiro de 1965. Estávamos no início da luta pela libertação da Guiné. O meu Batalhão, designado por Batalhão de Cavalaria 490, instalou a sede em Farim e dispersou as companhias militares por Jumbembem e Cuntima. Fui um dos destacados para Cuntima, na fronteira com o Senegal, a cerca de 30 e tal km de Farim e por lá me mantive cerca de 5 meses.

Visitava Farim, quando estava em trânsito, quando ia lá buscar abastecimentos para Cuntima. Era uma pequena povoação, uma cidade para os padrões locais daqueles tempos. Uma cidadezinha agradável, o rio Cacheu tranquilo a banhar-lhe as margens, população afável numa tabanca já com alguma dimensão.

A guerra tinha começado há pouco mais de 2 anos, circunscrevia-se ao Sul e tinha pequenos focos ainda um pouco incipientes no Oio (Morés) e em outras zonas dispersas pelo território. Muito perto de Farim, passavam corredores de infiltração (Sitató, por ex.), por onde entravam guerrilheiros e abastecimentos para o triângulo do Óio (Mansoa, Bissorã e Mansabá). Na altura, pelos arredores de Farim, os trilhos assinalavam quase todos os dias passagens recentes de guerrilheiros e de pequenas secções de reabastecimento.

Em meados de 1965, pode dizer-se que a tropa ocupava as povoações mais importantes e o PAIGC era dono e senhor dos trilhos e das matas. Na altura em que abandonei Cuntima, a tendência acentuava-se, com o PAIGC a firmar-se com denodo nas matas à volta de Farim.

Camjambari, uma povoação a sul de Farim, era um importante ponto de infiltração. Então, foi decidido ocupar Camjambari. Mas não foi nada fácil, a luta durou dias e dias, até que finalmente uma companhia militar do tal Batalhão conseguiu ocupar Canjambari. A posição ocupada nunca teve descanso, os guerrilheiros, da mata, visavam diariamente o aquartelamento com morteiros.
E um dia, a guerrilha decidiu dar um passo em frente, atacar dentro da povoação de Farim. Um batuque, muita gente em festa, alguns militares também, um guerrilheiro infiltrado na população meteu lá dentro uma "bomba". Num saco, misturaram granadas de todos os tipos, projécteis de balas, até uma bomba de avião que não tinha rebentado. E foi tudo pelos ares, população incluída que foi a mais atingida, aliás. Um pandemónio que teve as consequências que imagina em termos de repressão (1).

E pronto, dali para a frente a vida nunca mais foi a mesma, com a tendência sempre crescente da implantação do PAIGC e que só parou na independência.

Por aquela gente sinto carinho e respeito. Carinho porque, a minha vida estava no princípio, tinha acabado de fazer 21 anos, fui tratado sempre com humanidade e porque ajudaram ao meu crescimento. Respeito porque ganharam uma luta que era deles, de serem eles próprios, bem ou mal não temos nada com isso, a conduzirem os seus próprios destinos.

E pronto, caro Anízio, aqui lhe deixo o meu testemunho. Se na altura pressentisse que o Anízio, quarenta anos depois, me iria questionar sobre o Farim daqueles tempos, certamente teria sido mais previdente e guardaria informação mais precisa.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de V.B., de 3 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXVI: Barro, Bigene, porquê?

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