quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P493: O abandono do Seni Candé (Zé Neto)

1. A triste sorte do Seni Candé e de tantos outros combatentes africanos que estiveram do nosso lado e que foram literalmente abandonados por nós, já mereceu alguns comentários dos membros da nossa tertúlia.

O Mário Dias enviou-me as suas memórias da Guiné dos anos cinquenta, para futura publicação, com uma curta nota: "Ainda mal refeito dos arrepios que a história do Seni Candé me causou"... Mais frontal e directo, foi o nosso Zé Neto. Aqui vai o testemunho dele. LG

2. Texto do Zé Neto:

Luis:

Estou arrepiado. O trabalho do meu homónimo Jorge Neto trouxe à minha velha cabeça um turbilhão de pensamentos, sem excluir o sentimento de raiva. Raiva por sentir que a minha voz já não tem a força dos tempos em que estava no activo. Tive muitos amargos de boca, mas também alguns sucessos. E sabes porquê?

Quando acabei o meu curso de Águeda e depois duma esporádica passagem pelo QG/RML, fui colocado no DGA, na Calçada da Ajuda, como tesoureiro da 4ª Companhia, a companhia dos evacuados com mais de quatrocentos doentes, feridos e estropiados. (E alguns sargentos e oficiais do QP evacuados profissionais que me metiam nojo).

Eu fazia os pagamentos à boca do cofre e, mensalmente em dias concertados, ia pagar ao Alcoitão, HMP (Estrela), Anexo do HMP (Rua de Artilharia 1), ADFA (Lumiar) e HMDIC (Infecto contagiosas de Belém). De 1973 a 1977(ano em que fui para a Guarda Fiscal) lidei com a parte mais horrenda e suja das nossas campanhas de África. O que eu passei, mais os/as funcionários/as civis que me acompanhavam com a papelada!!!

Sabes o que é assistir a um furriel enfermeiro a maltratar um desgraçado dum catanguês que, em Angola, combateu ao nosso lado e e ficou com a cabeça escaqueirada, perdendo um olho, numa acção de combate? Apresentei uma participação contra esse estafermo, mas naquela época de bagunçada ninguém punia niguém.

Quantas mães, quantas esposas, quantas namoradas tiveram a satisfação de rever os seus entes queridos em parte devido a esses valentes africanos? Lado certo, lado errado, isso é outra conversa.

O Seni Candé é uma das muitas vítimas que os fervores e delírios do PREC abandonaram deliberadamente, repito, deliberadamente, à sua sorte. Não posso mais.

Desculpa.
Um abraço do Zé Neto

3. O Sousa de Castro acaba de me enviar uma curta mensagem: "São 6.30horas, estou a ouvir o Candé. É um poço de memória e então aquela do Periquito vai no mato faz-me lembrar as tainadas, acabavamos sempre com esta canção, ainda hoje nos nossos convívios cantamos sempre Periquito vai no mato, olé, lé, lé / Que a velhice vai pra Bissau, olé, lé, lé...

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