Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006
Guiné 63/74 - P491: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (13): Vi a morte à minha frente (31 de Julho de 1969)
Guiné > Buba > 1969 > Contrapropaganda das NT > Uma costureirinha (pistola-metralhadora PPSH, de origem soviética) por meia dúzia de pesos...
A acção psicossocial é intensificada com o novo governador-geral e comandante-chefe António Spínola, apesar de ser considerado um grande cabo de guerra, seguramente o mais emblemático, com Kaulza de Arriaga, em Moçambique, dos generais que fizeram a guerra colonial. Na Guiné, a escalada da guerra, por terra e por ar, vai tornar-se irreversível e conduzir a uma espécie de suicídio das NT, com a criação do Movimento das Forças Armadas (MFA). Em Março de 1973, o PAIGC passa a dispor de mísseis terra-ar Strella, acabando com a superioridade portuguesa nos céus. Em 10 de Setembro de 1974, o Portugal revolucionário reconhecia a independência da Guiné-Bissau, proclamada unilateralmente um ano antes (LG).
© José Teixeira (2006)
XIII Parte de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).
Buba, 31 de Julho de 1969
Vi a morte à minha frente. Saí de manhã até à Bolanha de Beafada, a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os Picadores que iam à frente a tentar detectar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Coloquei a bolsa na 1ª viatura e segui à frente da mesma.
Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projectado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim, deduzindo que eram estilhaços. Pensei:
- Desta não escapo.
A verdade é que "juntos não conseguimos vencer"... Não se tratava de Portugal e dos portugueses nem da Guiné e dos guineenses mas de um regime político que não tinha qualquer legitimidade (política, legal e moral) para continuar a exigir o supremo sacrifício dos nossos jovens (LG).
© José Teixeira (2006)
Logo a seguir cai à minha frente um africano que ia em cima da viatura e que deve ficar cego (1). Verifico então que a viatura de onde tinha saltado há momentos e do lado em que eu vinha, tinha pisado uma anticarro. Apanhei apenas com lama e pedras, e um grande susto. O condutor, sentado em sacos de areia, foi ao ar, mas apenas sofreu um grande susto, também. Os Africanos que vinham em cima foram projectados e um perfurou o olho esquerdo, ficando este ao dependuro. Desnorteado, não sabia o que fazer. A bolsa estava na viatura sinistrada. Havia o ferido para tratar, mas também havia o perigo de minas antipessoais.
Andava de um lado para outro, sem saber o que fazer, sujeito a cair numa mina perdida. Lentamente fui acalmando, entretanto chegaram os outros enfermeiros, fui buscar a minha bolsa à viatura destruída e tratei dos feridos
Tal como os outros companheiros, pensei em aproveitar-me das bebidas da viatura destruída e mesmo das outras, já que ao dar-se baixa da viatura descarrega-se tudo e o que ficou em condições de ser aproveitado desaparece. Deu-se um autêntico assalto às viaturas e foi um fartar de roubar, ou melhor, aproveitar a ocasião.
Pouco depois aparece-me o Franklim com uma perna ferida por ter ficado debaixo de um atrelado, com bidões cheios de combustível, pois o condutor da viatura, na confusão gerada deixou-a destravada e esta ao deslizar fez passar por cima da perna do Franklim o atrelado que arrastava.
Os feridos voltaram para Buba depois de assistidos, para serem evacuados para Bissau. Restabelecida a calma retomamos a marcha, para de seguida rebentar uma anti-pessoal que estava colocada no local, mesmo no centro da picada onde eu tratei os feridos, possivelmente pisada várias vezes, mas que só rebentou quando foi pisada pelo rodado de um atrelado de viatura, para sorte de algum de nós, talvez por estar um pouco funda. Continuei na coluna até Beafada, onde encontramos o Pelotão de Picadores que tinha partido de Aldeia Formosa, tendo regressado a Buba com mais esta história para contar.
O meu sistema nervoso que andava abalado foi-se de vez. Fui ao Dr. Franco que me receitou um calmante, pois preciso de reagir. Tenho 15 meses de guerra e ainda falta muito tempo para o regresso. A guerra ainda não acabou para mim.
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