quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P521: Estórias do Zé Teixeira (4): A festa da vida (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné-Bissau > Quebo > 2005 > Cartaz, em crioulo, integrado numa campanha de defesa da natureza, no âmbito do "projecto de reabilitação" da GTZ (organização alemã para a cooperação técnica) © José Teixeira (2006)


Texto do José Teixeira (ex-1º cabo enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).


A FESTA DA VIDA

Como prémio de ter assistido ao parto, fui convidado a participar na Festa da Vida (Baptismo) do recém nascido.

Manhã cedo, juntaram-se em roda, os convidados com as vestimentas mais garridas. Os tantans (três), vestidos a rigor com instrumentos nas pernas e nos braços, assobio na boca e tambores a jeito.

O homem do cabrito acabou de afiar a faca e encosta esta ao pescoço da vítima. A fogueira está pronta para ser acesa pela cozinheira.

Dois pilões, cheios de arroz, com três bajudas em cada um, prontas para iniciar a faina.

A criança ao colo da mãe e ao lado o Barbeiro com uma lasca de vidro laminada, proveniente de uma garrafa de cerveja.

Por último o Mouro (1) prepara-se, voltado para Meca, para iniciar a oração a Alá.

Tudo pronto ? Vamos lá começar.

O Mouro inicia um canto e em simultâneo começa a festa. Os tambores e o pilão dão o ritmo. Tudo djenti canta e dança.

O Barbeiro inicia a rapadela da farta cabeleira do bebé, enquanto o cabrito dá o último suspiro, pois a fogueira já foi acesa.

E a festa dura, dura até que a noite cai e... o Hamadu, sargenti di milícia, aparece e recomenda o silêncio.

Bem perto há uma aldeia nas mãos do IN.


VIDA

Ventura da minha vida
Ver uma criança parida
No momento da chegada.
De mãe preta bem pintada.
Negro pai, para meu espanto.
O raio do puto era branco.

Vi-te nascer.
Não sei teu nome, não importa.
Foste e és esperança, um novo ser
Nesta sociedade morta.
Lançaste um grito. Alegria.
Tua vontade de viver.
A esperança a renascer.
No meio da dor, como sempre.
Em ti, peguei com jeito,
Como um pai, que estava ausente.
Na guerra, da tua terra.
Encostei-te bem ao peito,
Teu olhar, que encanto,
Ternura, paz, bem estar.
A tua pele macia. . .
Tua brancura de espantar,
Nesta terra, vermelha, queimada,
De uma África em sofrimento,
Que anseia em cada momento,
Como tu.
Ser amada.

Mampatá, 25/09/1968

© José Teixeira (2006)
________

(1) Coordenador da oração na Mesquita (equivalente ao nosso Padre) (JT).

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Lisboa: Círculo de Leitores. 2003), na Guiné-Bissau o termo mouro hoje significa "espécie de vidente e curandeiro que prepara mezinhas, supostamente benéficas ou malignas, utilizando versículos do Alcorão" (Tomo V, pag. 2554) (LG)

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