Texto do José Neto
Meu caro Luis:
Deste-me corda, agora tens de me aturar. Na tua conversa com o Pepito puseste em evidência um facto que eu tenho sentido ao longo deste terço final da minha vida e não o tinha classificado com a clareza do teu experimentado raciocínio: Nós, os que vivemos os factos, temos pressa de transmitir as nossas estórias porque quando se escrever a História já não podemos voltar das tumbas e dizer: Mentiroso!!!
Já aqui li que é uma pena as autoridades militares tardarem em abrir os seus arquivos históricos. Para quê? O que decerto lá consta é o produto do Relatórios e todos nós sabemos quem e como os elaboravam.
Exemplo? Aí vai: Quando em princípios de 1968 Guileje estava a ferro e fogo aterrou na pista uma biela (Dornier) e ficou na placa de manobra com o motor em funcionamento. Quando nos acercamos da aeronave vimos que o passageiro era o coronel comandante do Sector (nesse tempo sediado em Bolama) que gritava pelo comandante e pelo primeiro sargento da CART 1613. A conversa berrada no que me tocou foi:
- Trate de pôr na sua Ordem de Serviço que eu visitei o aquartelamento. - Dito isto ordenou ao piloto que se fizesse aos ares. Nem um saco de correio (a mercadoria mais preciosa que os aviões nos levavam) nos deixou...
- Coronel manda, sargento redige, escriturário bate à máquina e capitão assina.
Na O.S. do Batalhão, passados dias, lá vinha a transcrição: Visitou o aquartelamento de Guilege no passado dia x o Excelentíssimo Coronel y, Comandante do Sector. ´
No aconchego de Santa Luzia (QG/CTIG) ficou-se a saber que as tropas do Sudeste estavam a ser devidamente inspeccionadas. Essa visita consta da História do BART 1896, documento classificado como Confidencial, de que possuo um exemplar.
Mais palavras para quê? Era um artista português, cheio de...pressa.Entretanto ainda voltarei a este tema Relatórios, de outra guerra, a de Angola, mas que julgo significativo.
Um abração e até breve.
Zé Neto
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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