1. O nosso camarada Jorge Picado, em mensagem do dia 26 de Outubro de 2008 fazia-nos o seguinte pedido:
Caros Amigos Luís, Carlos e Briote
Há uns dias atrás em conversa com colegas, falou-se num conterrâneo do meu tempo, praticamente da minha idade e na juventude morador então perto de mim, que morreu na Guiné. Interrogávamo-nos como teria sido, uma vez que já poucos se lembravam do caso. Mesmo eu tenho muito poucas recordações do que se passava na minha terra naquela época (1954-1965), uma vez que coincide ainda com o período em que vivi em Lisboa e Oeiras. Fiquei de procurar saber se conseguia alguma ajuda através dos camaradas da nossa Tabanca.
Trata-se de João Nunes Redondo, Fur Mil, que serviu, não sei em que Unidade do Exército e morreu em 16JUN63 na Guiné, parece que de acidente.
Em função do ano foi dos primeiros, ainda que não em combate segundo parece, a morrer devido àquela guerra.
Já tentei no Blogue da Liga dos Combatentes, mas, introduzindo estes dados, a resposta da pesquisa é zero.
Aqui em Ilhavo foi dado o seu nome à Rua onde tinha nascido e morava, Rua Sargento João N. Redondo.
Agradecia pois que fizessem um apelo através do Blogue para ver se conseguia alguns dados mais concretos sobre este assunto.
Abraços do
Jorge Picado
2. Face a esta solicitação, foi enviada no mesmo dia a seguinte mensagem à Tertúlia.
Caros camaradas
Deixo-vos mais um pedido de ajuda, desta vez de um camarada da casa.
O Jorge Picado, ex-Cap Mil da CCAÇ 2589 e CART 2732, quer saber pormenores sobre a morte do seu companheiro de infância, ex-Fur Mil João Nunes Redondo que morreu vítima de acidente em 16 de Junho de 1963. Desconhecem-se mais elementos.
Agradecemos a vossa colaboração.
Abraços
Carlos Vinhal
3. Ainda no mesmo dia o nosso camarada Carlos Silva, entrava em contacto com o Jorge Picado
Companheiro de Mesa em Ortigosa-Leiria
Relativamente ao teu pedido, consultado o Livro do Estado Maior do Exército Comissão para o Estudo das Campanhas de África [1961-1974], Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974], 8.º Vol. – Mortos em Campanha, Tomo II, Guiné-Livro I 1.ª Edição Lisboa 2001
Consta na pág. 28 que no dia 19-06-1963 e não 16, o João Nunes Redondo, Furriel Miliciano Sapador, Comando Batalhão de Caçadores n.º 356, Unidade Mobilizadora Bat Caç n.º 5 de Lisboa, casado com Maria Georgette Pessoa Redondo, filho de João dos Santos Redondo e de Maria Nunes Pereira Redondo, natural da Freguesia de Ílhavo, faleceu em Catió em consequência de explosão acidental de mina.
Caso pretendas cópia da pág do livro posso fazer o scan e enviar-te.
Recebe um abraço
Carlos Silva
4. Hoje, 28 de Outubro, recebemos uma mensagem do nosso incansável camarada Afonso Sousa com a descrição dos acontecimentos que levaram à morte do nosso malogrado companheiro de armas.
Assunto: Pormenores sobre morte de conterrâneo na Guiné
Caros amigos
No sentido de colaborar, fiz hoje algumas pesquisas sobre este assunto e obtive o esclarecimento que o nosso amigo Jorge Picado procura.
Tratou-se de um desfecho acidental, como muitos, do género, que aconteceram por lá. Um descuido de alguém, que só o clima de guerra pode desculpar e, na Guiné, ela estava mesmo no seu início.
O BCaç 356 fez uma Operação na zona de Fulacunda. No aquartelamento, em Catió, ficaram não mais que 20 militares, entre eles o Fur Mil Sap João Nunes Redondo e a sua Secção.
Nessa noite o aquartelamento foi atacado. Na noite do dia seguinte, prevendo nova visita dos guerrilheiros, O Furriel Redondo foi com a sua Secção, montar umas armadilhas (com minas saltarinas*) numa zona próximo do limite do aquartelamento.
Na manhã seguinte, para evitar algum acidente com a população, foram desactivá-las. O furriel deu ordens aos seus militares para se manterem afastados dos pontos por onde estava colocado o fio de accionamento da armadilha. Por curiosidade, um dos seus homens, avançou para ver o furriel na operação de desactivação e tocou o referido fio.
O João Redondo só teve tempo de lhes gritar para que se afastassem rapidamente. Simultâneamente tentou abafar o efeito da mina (antes de ela se elevar), atirando-se sobre ela, para que não morressem todos ali (10 homens).
Ele sabia que ia morrer, mas antes teve esse gesto de grande generosidade, de grande nobreza de sentimentos e de sublime abnegação.
Com o impacto, caiu em posição de sentado. Estava sem mãos e o baixo-ventre destruido. As suas últimas palavras (para quem o testemunhou) foram:
- Já morri.
Fonte:
Testemunhos que recolhi, hoje, telefonicamente:
- Açores : Durval Carlos Simas Faria - Presidente da Junta de Rosário (Lagoa) - S.Miguel - Açores)
- Loures (Póvoa de Santo Adrião) - Manuel Jesus Alves Filipe - 1º cabo de transmissões do BCaç 356
Mais alguns dadados adicionais sobre o BCaç 356, a cuja CCS pertencia o Fur Mil Sap, João Nunes Redondo:
O Ten Cor Grad Marcelino da Mata, integrou, também, por esta altura o BCaç 356 (e creio que esteve na referida Operação a Fulacunda)
O BCaç 356
Unidade Mobilizadora: Batalhão de Caçadores nº 5 - Lisboa
Data de Embarque/Desembarque: 17Jan62 – 23Jan62
Data do Regresso: 17Jan64
A 18Fev63, o Batalhão, sob o comando do Ten Cor Silva Delgado, passa a constituir uma força de intervenção às ordens do CTIG, Brigadeiro Fernando Louro de Sousa (Comandante-Chefe) e instala-se em Catió, orientando a sua actividade para as áreas de Bedanda, Catió e Cacine.
A 02Ago63 com a reorganização do dispositivo assumiu o Sector G com sede em Catió ao qual foi acrescentado o subsector de Cabedú, coordenando patrulhamentos/batidas/emboscadas e segurança e protecção das populações das zonas de Quinara/Cantanhez/Quitafine/Pobreza/Tombali e nas ilhas de Como e Caiar.
Foi rendido em 17Jan64 pelo BCaç 619, no Sector F cuja designação foi alterada para Sector S3 em 11Jan65, mantendo a sede em Catió e abrangendo os Subsectores Empada/Bedanda e Cabedú.
A morte do João Redondo foi, na altura, terrivelmente sentida, pelo seu grande amigo, quase conterrâneo, Luis Gonçalves Nunes Pelicano que, como ele, estava a prestar serviço na Guiné. Localizei-o na Palhaça (Oliveira do Bairro). Chegou a ser comandante dos Bombeiros Voluntários de Ílhavo, a terra do João.
A Câmara de Ílhavo prestou a devida homenagem a este bom filho da terra, dando o nome de Rua Sargento João Redondo à rua onde ele nasceu e viveu.
Um abraço
Afonso Sousa
5. Entretanto chegou este agradecimento do Jorge Picado ao Afonso Sousa
Caro Camarada Afonso Sousa
Tomei conhecimento dos elementos coligidos, referentes ao meu pedido de ajuda, sobre o meu conterrâneo ex-Fur Mil João Nunes Redondo.
Ficam assim desfeitas as dúvidas com que tinha ficado, nas tais conversas de café, que me levaram a efectuar este pedido, dúvidas essas de que não tinha gostado. É que com o passar dos anos, as memórias vão-se esfumando e, por vezes, há pessoas que não se importam de deitar cá para fora incorrecções indesculpáveis.
Obrigado Amigo e Camarada Afonso Sousa pelo trabalho desenvolvido nesta recolha agora efectuada.
Mais uma vez os meus agradecimentos
Jorge Picado
6. Comentário de CV
Ao Afonso Sousa agradecemos o resultado das pesquisas.
A acção do nosso camarada João Redondo foi dum altruísmo sem limites. Deu o que tinha de mais valioso em favor dos seus camaradas, a sua própria vida para os proteger, se não da morte, pelo menos de graves ferimentos.
O Jorge Picado dever sentir-se orgulhoso por ter tido como conterrâneo e amigo de infância uma pessoa ímpar.
_________________
Notas de CV
Vd. último poste da série de 28 de Outubro de 2008 Guiné 63/74 - P3368: Em busca de... (48): Resultado das pesquisas efectuadas em busca de referências de António Andrade Júnior, CART 1692 (1967/69)
(*) A expressão minas saltarinas é mais usada na língua espanhola. Em português o termo mais usual é minas bailarinas ou de salto, se a memória não me falha.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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