quinta-feira, 5 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3984: Nuvens sobre Bissau (17): Curvo-me à memória do Nino, o homem que nos fez a vida negra em Gandembel/Balana (Idálio Reis)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Janeiro de 1969 > Foto 415 > "Uns dias antes do abandono de Gandembel/Balana [, em 28 de Janeiro de 1969,] Spínola também viria cá despedir-se".

Foto e legendas: ©
Idálio Reis (2007). Direitos reservados

1. Mensagem do Idálio Reis (*), ex-Alf Mil
da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, Gandembel
e Ponte Balana 1968/69), engenheiro
agrónomo reformado, residente
em Cantanhede.


Para os novos membros da Tabanca Grande,
direi só que o Idálio Reis e os seus homens deveriam figurar na lista dos recordes da guerra da Guiné: têm só à sua conta 372 ataques e falagelações contra Gandembel / Balana, entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969 (*); destes homens pode-se dizer-se que o 'Nino' fez-lhes a vida negra, transformando Gandembel num dos maiores símbolos, na Guiné, da tenacidade, da resistência, da camaradagem, de capacidade de sofrimento de tropas portuguesas comandadas... por milicianos (O Sr capitão da companhia, oficial do QP que chegará a general, será poupado ao pesadelo de Gandembel / Balana...) (**)

Meus caros Luís, Virgínio e Carlos.

Com um caloroso abraço para todos os companheiros, alinhavo este pequeno texto, quanto aos acontecimentos de Bissau, preocupantes, e que nos deixa muito tristes.

Porventura o maior guerrilheiro dos movimentos independentistas que lutaram contra os combatentes da potência colonial portuguesa, tomba de forma assassina.

Bissau foi, mais uma vez, palco sangrento de actos hediondos e cruéis, onde morrem o Presidente da República - Nino Vieira- e o Chefe das Forças Armadas -Tagmé Na Waié-. Curvo-me respeitosamente em suas memórias.

Foram vítimas de uma luta fratricida, a fervilhar a todo o momento, onde grassa um inusitado número de homens armados, qual bando sem comando ou hierarquia, pronto a cometer as maiores atrocidades.

E este ror de funestos acontecimentos que em geral se circunscrevem nos limites da capital Bissau, vêm desprezando um pobre povo, pedinte de uma paz ansiada, e em que quase todos os requisitos mais essenciais a uma vida digna lhes continuam a ser vedados. Para além da paz, os homens, mulheres e crianças da Guiné-Bissau são carentes dos bens primários, como o pão, a saúde, a educação.

É com uma profunda mágoa que neste reconhecimento de um país à beira da agonia, haja uma população serena e digna, abandonada a si-própria, sem vislumbrar no seu limitado horizonte uma réstia de esperança.

As vidas ceifadas a 2 dos maiores dignitários do País, a forma como os crimes foram perpetrados, não são bons indicadores, para os que, como nós, se procuram inteirar dos acontecimentos que lá ocorrem quotidianamente.

No momento em que escrevo estas linhas, felizmente parecem não existir quaisquer focos de rebelião, e na cidade de Bissau há acalmia e serenidade.

Oxalá que emirjam o bom senso e a frieza bastantes para que não se agrave ainda mais o ‘status’ que prevalecia, e que a comunidade internacional manifeste toda a solidariedade possível, para que de vez as instituições singrem em busca dos seus mais nobres propósitos.

As informações dos companheiros que há dias partiram de Coimbra, alivia os nossos espíritos. Para eles que, numa altruísta manifestação de boa vontade, demandaram aquele torrão que conhecem, desejo-lhes que esta sua dádiva seja a mais frutuosa possível, e que tudo decorra à medida dos seus e nossos desejos. Bem-hajam por este enlevado exemplo.

Muito provavelmente alguns deles, se confrontaram com os grupos de guerrilha sob o comando daquelas 2 figuras, cujas acções de combate primaram pela excelência e a quem presto a minha homenagem, enquanto tal.

Relembro o que a minha Companhia sofreu com o empenho manifestado pelo bigrupo de Nino Vieira; a argúcia, o destemor, a valentia. Este brioso combatente foi um dos baluartes no caminho para a independência da sua pátria.

Não desejo tecer nenhum pronunciamento quanto às suas funções como estadista, mercê de circunstancialismos diversos, pois reconhecidamente foi ele um dos principais fautores no recrudescimento da violência do variado mosaico étnico da Guiné-Bissau.
Que a paz se assuma em definitivo, para aquele martirizado povo.

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Julho de 2007 Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

Vd. último poste da série > 4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3983: Nuvens negras sobre Bissau (16): O Nino e o Luís Cabral que eu conheci, em 1979-1993 (António Rosinha)

Vd. todo o dossiê do Idálio Reis (11 postes, profusamente ilustrados) sobre Gandembel/Balana (que merecia ser publicado em livro): 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

(...) Comentário do editor L.G.:

1. Querido amigo e camarada Idálio:

Não há, na guerra, um fim feliz, como no cinema. Mas gostei de saber que os últimos meses dos homens-toupeiras de Gandembel/Balana permitiram-vos retemperar as forças para o regresso à Pátria, à Mátria ou à Madrasta da Pátria...

Continua a dar-nos notícias da tua/nossa gente, cuja epopeia tão bem soubeste evocar e descrever nesta fotobiografia... O teu testemunho honra-nos a todos e orgulha os editores e autores do blogue bem como todos membros da nossa Tabanca Grande.

A fotobiografia da CCAÇ 2317, escrita pelo teu punho, foi um dos momentos altos do nosso blogue. Faço daqui um veemente apelo a um editor português que arrisque publicar, em livro, esta extraordinária aventura de 9 meses no corredor da morte. Porque não o Círculo de Leitores ? L.G.


(***) Informação do Idálio Reis:

A Companhia sai para a Guiné, com 158 homens: 5 oficiais, 17 sargentos, 35 cabos e 101 soldados. A bordo do Uíge, a 10 de Dezembro de 1969, sob o comando de um único oficial (este escriba), chegam à unidade mobilizadora, o RI 15 de Tomar, 121 militares, com 11 sargentos, 29 cabos e 80 soldados; ficaram na Guiné, para a entrega do material, 1 alferes e 3 sargentos.

Há as perdas: 9 mortos (1 alferes, 1 furriel e 7 soldados), 18 evacuados para Lisboa (7 feridos graves, 5 por doença e 6 feridos menos graves), e 4 não regressam por mudança de Companhia. Há ainda 2 elementos, que saem antecipadamente: 1 cabo — o nosso Lamego e o Comandante de Companhia, para continuar a sua carreira militar como oficial superior de Infantaria.

11 comentários:

Anónimo disse...

Nino foi um resistente anti-colonialista e isso merece respeito. E o respeito acaba aí.
Um abraço

Amilcar Dias

Anónimo disse...

Idem aspas... aspas ao que o Amilcar Dias disse.

Magalhães Ribeiro

Anónimo disse...

Caro Camarada,Amigo e Vizinho,
Companheiro Idálio Reis,
Resistente da Guiné,

Apetece-me lançar uma morteirada!
Não sobre ti paisano como eu, mas sobre...,já não sei.Tenho andado triste com o que ultimamente tem acontecido no blogue. Para um atrasado como eu, uma pergunta que parece ingénua leva a uma resposta carregada de um ódio político ..o pior de todas as respostas..,entre camaradas. Mas não esperas pela demora,levas resposta e com demasia.., de sinal contrário.Eu,repito, no meu atraso continuo puro e a borrifar-me nas afirmações insultuosas venham da direita ou da esquerda. Acima de tudo cultivo a pureza de sentimentos, traduzida na amizade de todos os companheiros sofredores da guerra colonial e não quero ler de uma forma sistemática insultos entre os meus camaradas.Não necessito de lembranças tardias dos salazaristas, nem de comentários progressistas de gente que não sei o que era antes do 25 de Abril!Comecem por procurar entre os oficiais generais do quadro...e mesmo aos que não atingiram o estrelato, onde estavam e o que defendiam...Sou licenciado em Economia e o quadro militar nunca me atraíu...nem era por mim que a progressão de carreira dos profissionais perderia celeridade. Isto para dizer convictamente que:
Quem aguentou e sofreu na pele a meretriz da guerra foram os milicianos..soldados,alferes,furriéis, capitães! Será por isso que a verdade custa tanto ao vir ao de cima? Será que os hoje generais do quadro fizeram, como operacionais, a guerra da Guiné? Que companhias vítimas de ataques constantes com mortos e feridos comandaram? Não me curvo perante Ninos nem Generais portugueses,nem jornalistas ou outros possíveis fazedores de história, nem sequer dos oficiais profissionais. Curvo-me sim perante os anónimos dos dois povos que melhor que ninguém desempenham sempre o papel do mexilhão!
Caro Idálio, conheço a tua cara de qualquer lado.Temos de apurar. Termino, como tu o havias feito: "que a paz se assuma em definitivo para aquele martirizado povo." E já agora que a paz fraterna chegue ao LUÍS GRAÇA E CAMARADAS DA GUINÈ,na pluralidade de opiniões.

Eu sei, quem está a mais, muda-se... Saberei fazê-lo, antes que algum salazarista progressista ou só progresista ou só salazarista me indique o caminho..
Vasco da Gama

Anónimo disse...

Camarigo Idálio

Assino por baixo e rendo-me ao pessoal de Gandembel!

Camarigo Vasco da Gama

Explica-nos por favor ao que te referes, porque concordo com aquilo que dizes.

Abraço camarigo aos dois e a todos
Joaquim Mexia Alves

Anónimo disse...

CALMA CARAGO, QUE PORRA É ESTA MEU "CAPITÃO" VASCO?

ISTO, O BLOGUE, É UM ESPAÇO PLURAL.

CREIO TÊ-LO DITO ONTEM AOS EDITORES, NUMAS PALAVRAS ESCRITAS EM RESPOSTA AO POEMA DO LUIS GRAÇA E Á RESPOSTA, A ELE, DADA POR CARLOS SCHWARZ.

QUEM ABANDONA O QUÊ E POR MOR DE QUEM?

Abraços a todos, opinem sempre como sentem em plena pluralidade, em respeito por todos os camaradas, pelo livre pensamento e, assim enriqueçam mais, em cada dia que passa,este sitio que nos juntou.

Um abraço meu Caro Vasco da Gama. Se estiver temporal,ao passares por Cape Town,faz como o teu homónimo- desfraldas mais o velame poque a india é logo ali...AB do Torcato

Anónimo disse...

Camarada Gama
Sair...nunca
Estava a preparar-me para lançar um alerta ao teu último parágrafo e eis que surgem dois novos comentários. Parei e só tenho que subscrever o que Torcato disse.
Ao camarada e colega Idálio, que verifico agora ter desembarcado em Lisboa, quando se ultimavam em Mafra os preparativos para me colocarem nos ombros 3 galões, só agora começo a compreender a opinião que mentalmente formulei, quando te conheci nos idos dos serviços em Coimbra. Perdoa-me se compreendi mal, mas acheite com um aspecto, digamos que "muito sofrido", não digo carrancudo, mas fechado. Será que me enganei?
Um abraço para todos
Jorge Picado

Julio Vilar pereira Pinto disse...

Caro ex-capitão MILICIANO Vasco da Gama, eu sou um ex-combatente de Angola, mas quero-lhe dizer que as suas intervenções no blogue, seguido por mim com cada vez mais admiração pelos combatentes que tiveram de passar pela Guiné, são de um valor incalculável e não posso esquecer que foi o meu amigo que levantou a questão do artigo da Visão, que foi um insulto a todos os combatentes. Por isso n~unca deixe de participar pois eu leio-o com muito interesse.

Luís Graça disse...

Vasco, grande tigre do Cumbijã:

(i) Diz-me por é que estás zangado...

(ii) Mesmo que tenhas razão, não te vamos abrir a porta para saires...

(iii) Não te esqueces que isto já é um batalhão...

(iv) Com tão poucos capitães milicianos na Tabanca Grande (não sei se chegam à meia dúzia: tu, o Jorge Picado, o Abílio Delgado,.. e quem mais ?), garanto-me que não te vou deixar... desertar.

Um Abração. Luís

Anónimo disse...

"Quem aguentou e sofreu na pele a meretriz da guerra foram os milicianos..soldados,alferes,furriéis, capitães! Será por isso que a verdade custa tanto ao vir ao de cima?Será que os hoje generais do quadro fizeram, como operacionais, a guerra da Guiné? Que companhias vítimas de ataques constantes com mortos e feridos comandaram?"
Vasco da Gama abespinha-se com a ignorância de um jornalista que classifica de ultrajante. Mas não se coibe de trilhar idêntico caminho ao afirmar o que antes se transcreve e que mostra uma de duas coisas: ignorância ou problema freudiano.
No primeiro caso há solução e indicá-la-ei se solicitada. No segundo caso não posso ajudar.
António Russo

Anónimo disse...

Camarada VASCO da GAMA:
Desistir de quê ?
De falar.
De expressar as ideias e sentimmentos !

NUNCA !

Não andes triste, porque até a minha mulher (Teresa) me tem dito:
" Não sei como é que vocês conseguem passar todos estes anos, e ainda se mantêm com
" tal espírito de união ".

FORÇA e em FRENTE.

ABRAÇOS... como diria o meu COMPANHEIRO TORCATO.

CMSantos

CART 2339 Mansambo 68/69, com muitos mortos e feridos.
Resposta ao tal jornalista !!!!

Anónimo disse...

Meu Caro Vasco.
Apenas trocámos cumprimentos e meia dúzia de palavras, na Academia Militar, aquando da apresentação do Livro sobre a "A retirada de Guileje", mas sou um leitor atento dos teus escritos.
Compreendo perfeitamente alguma desilusão. Também eu já apanhei alguns estilhaços. Coisa pequena...
Desistir, nunca.
O Vasco faz falta nesta Tabanca.

Um abraço

Manuel Amaro