sexta-feira, 29 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4435: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Bissau, a caminho de Fá

Guiné > Bissau > 1968 > Fotos Falantes III (de 48 a 54) > A chegada do Ana Mafalda, o porto de Bissau, uma rua da cidade, navios da marinha, uma LDG a caminho do Xime... Pedaços do puzzle da(s) nossa(s) memória(s)... Fotos do riquíssimo álbum do nosso querido camarada e amigo do Fundão, Torcato Mendonça, que tem já, neste blogue, o estatuto de senador... Espero reencontrá-lo um dias destes, talvez na festa da cereja do Fundão... e dar-lhe um abraço. (LG) Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados. 1. Mensagem, de 21 do corrente, do Torcato Mendonça, ex-Alf Mil, CART 2339 (Fá e Mansambo, 1968/69 Meus Caros Editores: Como disse tenho tentado arrumar o que por aqui escrevi. Acontece que no último envio foram 'As estórias do José II, parte A', incompleta. Já tinha sido enviada e segue novamente. Ainda bem que tudo passou a 'Estórias de Manssambo'. A partir de agora não há confusões. Que chato que eu sou...mas devia ter arrumado ou tido mais cuidado com o arquivo do que escrevi. Abraços do Torcato (É pesado, se não der trabalho.... Acusem, não me importo e agradeço). A ansiedade fizera erguer-me mais cedo naquela madrugada. Assistia ao primeiro, e rápido, nascer do Sol naquelas latitudes. Ao longe, muito ao fundo, na linha do horizonte por entre a neblina já se avistava terra. O barco navegava em mar chão. Seguia o rumo das Caravelas. Rumo de impérios do passado, de desencantos e desamores. O Ana Mafalda segue o mesmo destino levando militares, não os de quinhentos para o início mas, isso sim, militares do século vinte para o fim do império. Ontem ou anteontem tínhamos passado pelo porto de Pedra Lume, Ilha do Sal, em Cabo Verde. Hoje aí estava o Continente Africano a vir ter connosco rapidamente. Fiquei encostado à amurada de bombordo, mil pensamentos a irem e virem, num falso isolamento. Àquela hora, já o convés estava a ficar cheio de militares, tão ou mais ansiosos que eu. Os velhos militares como o 1º Sargento ou o Sargento Moura Gomes, com mais de uma Comissão naquela terra, iam dando indicações apontando a terra a aproximar-se, cada vez mais por entre a neblina tropical. Quase na linha do horizonte, ao longe avistava-se um ponto negro. Aumenta de tamanho e começa a tomar forma de barco. Aproxima-se de nós um zebro, três ou quatro fuzileiros lá dentro, camuflados gastos, pele curtida por mil sóis da Guiné, acenam em saudação de boas vindas aos camaradas periquitos. Volteiam, duas ou três vezes e afastam-se acenando. Vão para a Ilha de Jeta, dizem-nos os velhos militares. O estuário do Geba e Bissau estão perto. De facto o tempo passa rápido e a terra está logo ali, verde em vegetação luxuriante. Estuário do Geba acima, pouco depois, vê-se uma ilha a estibordo e, a bombordo, apareciam os contornos da cidade. Recordação difusa, tal como a bruma que dificultava a visibilidade. A manhã já ia alta quando chegamos ao porto de Bissau e aí estava a cidade. (F Falantes III, 52). Fundeou o barco, atrás uma ilhota, à frente o cais a vir rio adentro, a marginal da cidade e um edifício grande com letras já meio apagadas – NOSOCO. Há poucos dias li um escrito e recordei esta imagem. - O que é aquilo? – perguntei. Eram os armazéns de uma Companhia francesa, hoje é tudo CUF (até o navio onde íamos) mas com nome de Ultramarina ou de Casa Gouveia. Vai ver e compreender. Resposta clara pois, para bom entendedor era suficiente. Enquanto esperávamos o desembarque, lembro-me de ter feito promessa a mim mesmo: tenho que sair daqui vivo e inteiro. Partido ou morto é igual e têm que voltar todos. Enganei-me. No regresso a Évora faltavam demasiados… demasiados… Não me lembro do desembarque. Sei que fomos para Santa Luzia. Ficamos num barracão enorme, aberto na fachada principal, um montão de colchões a um canto e pouco mais. Para dar as boas vindas, no largo fronteiro umas quantas viaturas destroçadas pelas minas esperavam para serem transformadas em peças… de três ou quatro nascia uma. Para melhor recepção fiquei de serviço á Companhia. A noite chegou rápida como a madrugada. Crepúsculo breve. Terra diferente onde até o Sol ia e vinha com pressa. Só o tempo, aquelas horas naquele barracão eram lentos a desandar. Pouco me lembro daquela noite a não ser uma partida ou brincadeira que me fizeram. Talvez, por volta da meia-noite, vieram chamar-me: - Está a chover. - O quê? Então que não chovia agora, respondi. Vim ver e senti a água a cair, aos poucos, pelas goteiras do telhado zincado. Saí. Não estava a chover. Riam-se os que me tinham chamado. Pois é, pois é, pensem quando dormirmos com as estrelas como manta…bom clima…fortifica o esqueleto. Ficamos cerca de três dias em Bissau. Vi a cidade por alto. Provei algumas comidas, fiz compras com indicação dos velhos, senti o pulsar de uma cidade com vida dada pelos militares e pouco mais (Fotos Falantes III, 48, 54). Na madrugada do dia 25 embarcamos num barco enorme, disseram-me ser uma LDG. O destino já o sabia – o Leste, quartel de Fá, de barco até ao Xime, depois em coluna auto. Simpáticos… Íamos, segundo as informações recebidas, ser a Companhia de Intervenção ao Batalhão (BART 1904), sedeado em Bambadinca. E, então sim, a comissão e a dança ia começar. Hoje, passados tantos anos, ao reler o que atrás foi escrito tenho que parar. Vêm-me à memória, em catadupa um conjunto de recordações. Paro. Nem sei quanto tempo, recostado no cadeirão fiquei, mais lá do que cá ou praticamente todo lá, naquela terra vermelha e ardente…nesse tempo, um jovem militar de empréstimo e vida interrompida. Tento então, antes de continuar, seguindo a metodologia da escrita referida no início, inserir algumas dessas recordações ou estórias dispersas. Continuarei depois, saindo de Bissau até Fá e, a partir daí 'continuar a comissão'. (*) _________ Nota de L.G.: (*) Vd. poste anteriore desta série de 18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4368: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Raízes...

3 comentários:

Anónimo disse...

caro camarada Torcato Mendonça, ao ler o teu texto do poste 4435 de 21-05-09, sobre Mansambo, não posso deixar de referir três pontos em comum entre nós:
1- Estivemos na Guiné, embora em datas diferentes;
2-Ambos fomos comandados pelo Cap.Artª Moura Soares
3-Pelo que vejo somos beirões.Tu do Fundão; eu de Penamacor. Realmente o mundo é uma aldeia muito pequena!
Deixo o meu contacto: 968911614
Um abraço fraterno,
JOSÉ BORREGO

Torcato Mendonca disse...

Meu Caro : Este telemóvel ou entrou de fim-de -semana ou não toca.

Mas eu respondo por escrito. Preferia fazê-lo por voz. Um dia.

1 - Estive na Guiné de Jan/68 a Dez/69. Vinte e três meses;
2 - O Cap.Artª Moura Soares foi o terceiro Cmdt da minha Cart 2339. Esteve connosco dois ou três meses. Adoeceu e veio para Bissau comandar o Bat. Artª. Foi, a partir daí, um ponto de apoio para a malta da 2339;
3 - Não sou Beirão. Esqueci-me e por cá fiquei.Não desgosto até gosto mas, de quando em vez vou por ali ou acolá.
Passei dezenas de vezes por Penamacor, em trabalho, a caminho de Espanha - ainda não se soprava pelo balão- e etecetera. Apita que o telelé não quer.Deixei uma mensagem com o meu número.
Um abraço do Torcato

JOSÉ BORREGO disse...

Caro Torcato Mendonça, tentei telefonar para lhe dar o contacto do Cor.Moura Soares, mas não consegui. Desta feita, recorri a este meio para o contactar, deixando o número de telefone do nosso ex-comandante: 214574771.
Em relação ao capitão Gaspar, de quem se contavam deliciosas histórias,faleceu na década de 8o.Também foi meu 2ºCmdt no GANº7, em Santa Luzia, tendo lá chegado nos finais de 1971, aquando da sua promoção a major.
Um abraço do
JOSÉ BORREGO (ARTILHEIRO DE BAJOCUNDA-9º.PELART)
Disponha, sempre!