1. A propósito da apresentação do livro "A Retirada de Guileje" feita pelo seu autor, Coronel Reformado Alexandre da Costa Coutinho e Lima, integrado no 2.º Ciclo de Conferências "Memórias Literárias da Guerra Colonial", no dia 14 de Maio na Biblioteca-Museu República e Resistência/Grandela, o nosso camarada José Martins (*) envou-nos este trabalho para publicação.
Conferência sobre a Retirada de Guilege
Apresentação do conferencista pelo anfitrião José Paulo Sousa, da Biblioteca-Museu República e Resistência, Espaço Grandela.
© Foto José Martins
Durante esta segunda fase de conferências sobre literatura da guerra colonial, coube a apresentação do livro "A RETIRADA DE GUILEJE", da autoria do Coronel de Artilharia, na reforma, Alexandre da Costa Coutinho e Lima.
Como referiu o anfitrião José Paulo, não se trata de um livro de ficção, mas de um documento histórico, não só vivido pelo autor, mas pelas duas centenas de homens que, na altura, constituíam a guarnição de Guileje.
Como é meu hábito, não faço comentários a escritos dos camaradas de armas. Cada vivência é uma vivência e, cada soldado é um soldado, por detrás do qual se esconde um Homem, que tem reacções e sentimentos diferentes, o que proporciona o grande conjunto que todos somos. Prefiro referir factos, que por si mesmos, revelam ou, ajudam a revelar, o que cada um sentiu ao envergar uma farda, tenha sido do quadro ou conscrito, tenha sido profissional ou alistado.
Coutinho e Lima foi um dos poucos militares profissionais que, durante o período em que decorreu a guerra, cumpriu todas as suas comissões de serviço na Guiné.
No seu livro, 1.ª edição a páginas 15, escreve:
- Na 1.ª comissão, no período de 63/65, como Capitão, fui Comandante da Companhia de Artilharia n.º 494 (CART 494), que passou a maior parte do tempo em GADAMAEL (DEZ63 a MAI65), foi a primeira Companhia que esteve aquartelada nesta localidade.
Sobre a CART 494, passamos a referir alguns factos, conjugando a Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África – 1961/1974:
A Companhia de Artilharia n.º 494, foi mobilizada no Regimento de Artilharia Pesada n.º 2, na Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia.
Quase até ao momento do embarque, a subunidade estava destinada à região de Montepuez, na província de Moçambique. Foi porém desviada e, em 17 de Julho de 1963 embarca em Lisboa, rumo à Guiné, chegando a Bissau em 22 desse mesmo mês.
Fica estacionada em Bissau, após o que se dirige para Ganjola em 15 de Setembro de 1963, para ocupação da localidade e efectuar operações nas regiões de Tombali e Cubucaré.
No período de 17 de Setembro a 15 de Dezembro de 1963, fica integrada no dispositivo do Batalhão de Caçadores 356.
Com a criação do subsector de Gadamael, criado em 19 de Dezembro de 1963, assume a responsabilidade deste subsector, na dependência e dispositivo do Batalhão de Caçadores n.º 513, tendo sido substituído, em Ganjola, por um pelotão da Companhia de Caçadores n.º 414.
Realiza várias operações na área Bomane e Sangonhá, destacando-se as operações “Toca” e “Jacaré”, onde captura material e provoca baixas ao inimigo, sendo de referir, também, uma reacção a um ataque a Gadamael.
É neste período que regista as seguintes baixas:
- Manuel Tavares da Costa, Alferes Miliciano de Artilharia, falecido em 26 de Janeiro de 1964, por ferimentos em combate em Gadamael-Porto, tendo sido inumado no Cemitério de Alvarenga;
- Albino Mendes Carvalho, Soldado Atirador, falecido em 23 de Outubro de 1964, vítima de afogamento, tendo sido inumado no Cemitério de Bissau, campa nº 1280;
- Armando Barreiro de Amorim, Soldado Atirador, falecido no Hospital Militar Principal, em Lisboa, em 23 de Outubro de 1964, depois de ter sido ferido em combate na região de Gadamael, tendo sido inumado no Cemitério de Arcos de Valdevez.
Inicia o deslocamento para Bissau em 16 de Maio, por troca com a Companhia de Caçadores n.º 798, tendo terminado o deslocamento em 28 de Maio de 1965.
Em 29 de Maio de 1965 passa a integrar o dispositivo de manobra do Batalhão de Caçadores n.º 513 e depois o do Batalhão de Caçadores n.º 1857, tendo ficado com a missão de segurança e defesa das instalações e população da área de Bissau.
Entre 27 de Julho e meados de Agosto de 1965, desloca, temporariamente, dois pelotões para Gadamael e Ganturé, em reforço das guarnições locais.
É rendida pela Companhia de Caçadores n.º 1426 em 24 de Agosto de 1965, para efectuar o embarque de regresso.
Aspecto da sala no inicio da sessão.
© Foto José Martins
Na segunda comissão, também cumprida na Guiné, exerceu a sua especialidade de Observador Aéreo de Artilharia, especialidade que tem desde 1957, ano em que terminou a sua passagem pela Escola do Exército, hoje, Academia Militar de Artilharia, tendo sido colocado no Quartel-General, em Bissau.
Na página, acima referida do seu livro, escreve sobre esta comissão:
- Na 2.ª Comissão, no período de 68/70, ainda Capitão, desempenhei as funções de Adjunto da Repartição de Operações do Quartel-General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné (QG/CCFAG). A minha colocação deveu-se ao facto de ser Observador Aéreo de Artilharia, que era Especialidade de Mobilização.
O conferencista ouvindo a apresentação do anfitrião.
© Foto José Martins
Recorrendo, de novo, a introdução do livro "A RETIRADA DE GUILEJE", na página 15, transcrevemos a referência sobre a última comissão:
- Na 3.ª Comissão, no período de 72/74, com o posto de Major, fui mobilizado em rendição individual e colocado, inicialmente, no Centro de Instrução Militar (CIM) em Bolama; nomeado Comandante do COP 5, desempenhei as funções desde 22JAB73 até 22MAI73. Na sequência da decisão que tomei de RETIRAR DE GUILEJE, passei à situação de prisão preventiva, desde 22MAI73 até 12MAI74, enquanto me foi instaurado um Auto de Corpo de Delito.
A “ala” feminina – Uma professora do ISCTE e duas enfermeiras paraquedistas.
© Foto José Martins
Na sala, sobre cada uma das cadeiras, podia ver-se um folheto, que abaixo reproduzimos, fazendo uma súmula do livro que ia ser apresentado, para os visitantes do blogue, que ainda não tenham tido a oportunidade de ler o livro, tenham uma pequena visão deste acontecimento histórico, em que um Comandante/Homem, praticamente sozinho, tem que tomar uma decisão, sobre a sorte de centenas de pessoas que lhe estavam confiadas.
Apresentação do livro “A RETIRADA DE GUILEJE” – 14MAI2009
Biblioteca-Museu República e Resistência – Espaço Grandela
Em 04SET72, com o posto de Major, iniciei a terceira comissão por imposição, na Guiné.
Em 08JAN73 fui nomeado, pelo Sr. Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Sr. General ANTÓNIO DE SPÍNOLA, Comandante do Comando Operacional n.º 5 (COP 5), com sede em Guileje. Na zona de Acção do COP 5 passava o Corredor de GUILEJE, através do qual o PAIGC introduzia 70 a 80% dos abastecimentos (armas, munições e outros), para todo o território da GUINÉ.
Em 25MAR73, foi abatido na região de GUILEJE o primeiro avião a jacto FIAT G-91, atingido por um missel terra-ar STRELA; o piloto foi recuperado com um pé partido. O aparecimento destes mísseis provocou grandes alterações e limitações no emprego da nossa Força Aérea.
Em 18MAI73 pelas 7:00 horas, 2 Grupos de Combate e 1 Pelotão de Milícias, saídos de GUILEJE, foram emboscados por um grupo Inimigo (IN) estimado em 100 elementos; as Nossas Tropas (NT) sofreram 1 Morto, 7 feridos graves (um dos quais veio a falecer 4 horas mais tarde por falta de evacuação) e 4 feridos ligeiros. Em 11MAI73, o Sr. General SPÍNOLA, na sua última visita a GUILEJE, afirmara, perante a formatura geral de todos os militares que, não obstante os condicionamentos da actuação da Força Aérea, esta faria a evacuação dos feridos graves; esta promessa não foi cumprida.
Face à situação, solicitei a ida a GUILEJE da Delegados da Repartição de Operações e da Força Aérea; porque estes não apareceram, desloquei-me no dia seguinte (19MAI73) a CACINE, comandando a evacuação das baixas da emboscada, através do rio; esperava lá encontrar os Delegados referidos. No dia 20MAI, ao fim da tarde, fui transportado de helicóptero a BISSAU, onde apresentei ao Sr. General SPÍNOLA, a necessidade de reforços, já solicitada antes por mensagem; respondeu-me que não me dava qualquer reforço, que devia regressar na manhã seguinte a GUILEJE e que ia mandar para lá o Sr. Coronel Pára-quedista RAFAEL DURÃO, passando eu a 2.º Comandante.
Cheguei a GUILEJE ao fim do dia 21MAI, depois de me ter deslocado de sintex (barco com motor fora de borda) de CACINE (onde a Força Aérea me deixou) para GADAMAEL; o percurso de Gadamael para GUILEJE foi feito em coluna apeada, utilizando um trilho da população, durante o trajecto, ouvimos a flagelação que GUILEJE estava a sofrer, a mais violenta de todas, que provocou a morte de um Furriel Miliciano e vários estragos materiais, entre os quais a destruição total do Centro de Comunicações, incluindo as antenas, o que impedia a ligação rádio com qualquer entidade.
Face à forte pressão do IN, à não atribuição de reforços e a outros factores (falta de água no quartel, escassez de munições de artilharia, não evacuação de feridos, etc) decidi retirar para GADAMAEL, no dia seguinte ao romper do dia, todos os militares (cerca de 200) e toda a população (cerca de 500 elementos), por considerar a posição insustentável. A alternativa era aguardar a chegada do Sr. Coronel Durão, que eu não sabia quando se iria verificar e que, em minha opinião, não resolveria a situação, porque, seguramente, não viria acompanhado de reforços, nem tão pouco tinha condições para solucionar os factores atrás referidos e, principalmente, a forte pressão do IN, que cada vez era mais acentuada.
Desde as 20:00 horas do dia 18MAI até às 4:00 horas do dia 22MAI (80 horas), GUILEJE sofreu 37 flagelações. A retirada efectuou-se, em coluna apeada, com pleno êxito, tendo surpreendido totalmente o IN, que continuou a bombardear GUILEJE, onde só entrou em 25MAI73
O Sr. General SPÍNOLA não sancionou a decisão, ordenando a minha prisão preventiva e a instauração de um Auto de Corpo de Delito; estive preso em BISSAU, desde 27MAI73 a 12MAI74. Como consequência do 25ABR74, os crimes que supostamente me eram imputados, foram amnistiados por Decreto-Lei da Junta de Salvação Nacional e o processo foi arquivado.
Os factos descritos são relatados, no livro que agora foi publicado; o processo é, também analisado e criticado, com pormenor; a última parte do livro trata do Simpósio Internacional de GUILEJE, realizado em BISSAU, de 1 a 6 de Março de 2008, em que participei.
O livro “A RETIRADA DE GUILEJE” não está à venda nas livrarias; estou disponível para o enviar, pelo correio, para qualquer parte do MUNDO. Os meus contactos são:
Rua Tomás Figueiredo, n.º 2 – 2.º Esq.
1500-599 Lisboa
Telefone: 217 608 243
Telemóvel: 917 931 226
Email: icoutinholima@gmail.com
Aspecto da sala © Foto José Martins
Com a afabilidade a que me habituou, nos encontros que com o Coronel Coutinho e Lima tive, de pronto me forneceu cópia da cábula que elaborou para desenvolver a sua apresentação. Dela damos nota a seguir:
01. Introdução
02. Nomeação para o COP 5; nenhum reforço
03. Primeiras medidas tomadas em Guileje
. Obras
. Substituição material Artilharia
. Reforços (GC Cacine, Pel Rec Fox e Pel Mil)
04. Abate do 1.º FIAT – 25MAR73
. Restrições de Apoio Aéreo
05. Deserção do Milícia ALIU BARI
06. Última visita do General Comandante-Chefe - 11MAR73
07. Inicio da acção em força sobre Guileje – 18MAI73
08. Período 18/22MAI73 (57 mensagens – pag 45 a 70 do livro)
09. Ida a Bissau – 20MAI73
10. Regresso a Guileje (21MAI73); situação encontrada
11. Factores considerados na decisão da Retirada
12. Preparação da Retirada
13. Chegada a Gadamael; mensagens do Coronel Durão
14. Ida para Bissau; prisão; processo.
O Alferes Miliciano Seabra, comentando os acontecimentos que também viveu na Guiné, nos longínquos anos de 1973. Na foto vê-se o Alberto Branquinho, um dos próximos conferencista destes colóquios
© Foto José Martins
(*) José Martins, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4394: Bibliografia de uma guerra (46): "Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura" - Comentário de Fátima Teixeira
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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