1. José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73 (*), deixou este comentário no Poste "Guiné 63/74 - P4407: Meu pai, meu velho, meu camar..."(**):
Olá António,
Julgo que sei o que sentes quando, magistralmente, te referes ao amor de pai. O mesmo se passa comigo, mas por motives diferentes. Durante a minha comissão na Guiné eu nunca recebi uma carta de meu pai nem ele leu uma escrita por mim.
Sabes António, o meu pai só aprendeu as letras que o trabalho lhe ensinou. Nunca se sentou numa carteira de escola, mas aprendeu o alfabeto que as lições da vida lhe ensinava todos os dias. Naquele tempo não era obrigatório ir à escola.
Um dia ele decidiu sair da sua ilha, as Flores, para que no Faial os seus filhos pudessem ter acesso ao liceu. Para que pudessem ter uma vida melhor e diferente do que a dele.
Já nos E.U.A. para onde emigrara continuou a incemtivar e ajudar os filhos a melhorarem os seus conhecimentos escolares. De cursos médios a mestrados foram cinco os rebentos que graduaram das universidades americanas.
Muitas foram as vezes que tentamos que ele aprendesse o ABC. Nunca quis aprender. Sempre respondeu com alguma graça:
- Se eu souber tanto como vocês não terei alegria.
Nós bem compreendemos o que ele nos quer dizer. Por amor ele se sacrificou. Por amor ele deu-nos tudo o que tinha para nos dar.
Hoje, com oitenta e dois anos de idade e regressado ao Faial, ele espera a minha visita anual. Ao fim e ao cabo eu ainda sou a carta que ele nunca leu. Dele sempre recebi uma grande lição de amor
Procuro não defraudá-lo.
José Câmara
2. Comentário de CV
Comovente, este comentário do nosso camarada José da Câmara.
Se no Continente, onde tudo era mais perto, as dificuldades para ir à Escola eram imensas, até porque não interessava que o povo soubesse muito, bastando uma elite facilmente manobrada que não queria perder privilégios, para manter o regime à tona, que fará nas ilhas onde o horizonte terrestre quase acabava ao fim da rua.
Lembro-me de o meu pai fazer a 3.ª classe no regime de adultos. A 4.ª fê-la quase a par comigo a fim de manter um miserável emprego na Função Pública.
Tempos difíceis que não obstaram a que eles fizessem sacrifícios para que os filhos tivessem mais do que eles, por pouco que fosse, já que eles não tinham nada.
__________
(*) Vd. poste de 27 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4421: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (2): O IAO em Santa Margarida
(**) Vd. poste de 24 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4407: Meu pai, meu velho, meu camarada (4): Não é um elogio fúnebre que te quero dedicar... (António G. Matos)
Vd. último poste da série de 26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4415: (Ex)citações (29): A Guiné que todos temos um pouco na alma (João Lourenço)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Boa tarde José da Câmara e Companheiros da Tabanca Grande,
Em poucas linhas uma grande e comovente mensagem.
Saudações Especiais,
João Carlos Silva
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