1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 13 de Junho de 2009:
Assunto: Viagem...
Amigo Vinhal
Mais um capítulo de “Viagem à volta das minhas memórias”, iniciador narrativo de uma nova etapa da CCaç 2791 (FORÇA), que publicarás se julgares.
Aproveito para mandar um abraço e desejar a todos um óptimo dia de convívio na Quinta do Paul, onde não tenho possibilidade de comparecer, com pena.
Um abraço
Luís Faria
Binar – Sanatório do Sono
Com a entrada do mês de Março de 71 , processam-se de novo alterações na CCaç 2791 e aos primeiros dias do mês, a Força é novamente desmembrada, sendo o 3.º GComb sob o comando do Alf Mil Gomes, Furs Mil Almeida e Ferreira, deslocado para Bissum, em reforço da CCaç 2781 (?), por onde ficou até aos primeiros dias de Novembro, altura em que retornou a Bula. Da actividade deste GComb nesse lapso de tempo, pouco sei para além das deficientes condições (comparativamente) de instalação, de patrulhamentos e emboscadas e de umas flagelações ao aquartelamento, sem que felizmente tivessem ocasionado quaisquer problemas graves.
Assim, ficam em Bula o 1.º e 2.º GComb (o 4.º já estava em Teixeira Pinto) entretidos com os afazeres habituais a par de umas incursões em que felizmente não houve ossos para chuchar.
Com a ida do 3.º GComb para Bissum, comecei a sentir a falta do meu amigo e companheiro de suite Fur Mil Almeida, assim como dos seus dotes de músico, dedilhando (?!?) na minha viola, com um só dedo e numa só corda (mi fino) melodias infindáveis e espantosas na procura do tom certo, sem nunca conseguir tirar um som minimamente límpido agradável ao ouvido ! Um verdadeiro atentado à nossa estabilidade emocional !!
Mesmo assim era extraordinariamente melhor, comparando com as horas seguidas de tentativa de execução de melodias, na sanfona de sua propriedade! Com esta, achava que dando ao fole e carregando nuns botões, fazia maravilhas!! E fazia! Fazia com que o pessoal da suite não conseguisse descansar ou dormir e a par de uns impropérios mais ou menos redundantes mas sem efeitos práticos, zarpasse rapidamente de molde a não ficar com o sistema nervoso em franja, quiçá podendo levar alguém ao assassinato ou ao suicídio!!!
E quando queria acompanhar-me, estando eu à viola?? Aí era o fim… quanto mais desafinado… mais amplitude dava ao fole e mais aquilo gemia !! Era exasperante, maquiavélico!! Se os S.I. soubessem, com certeza teria sido usado como tortura para a obtenção de informações IN ?!!
O pior é que ninguém conseguia demovê-lo da busca diária e sistemática da perfeição - na sua auto-aprendizagem sem fim e sem melhorias - da execução melódica, especialmente na sanfona, até que um mau dia… bem, isso é outra estória !!
Dispersão da CCaç 2791 nos primeiros meses de 1971
Mapa: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2009). Direitos reservados
Voltando à 2791, pelos meados do mês, a Companhia a 2 GComb desloca-se para Binar, (à excepção da componente administrativa) onde vai ficar até finais de Maio, aquartelada nas antigas instalações do “Sanatório da Doença do Sono”, perto da CCaç 17. Poucos dias depois foi de novo desmembrada, sendo destacado o 1.º GComb para Pache em trabalho de reordenamentos. Não recordo porque, o Fur Mil Castro (2.º GComb) também foi, ficando ao que lembro somente o Alf Mil Barros e eu com o meu 2.º GComb.
Registado, em termos operacionais, ficou-me uma flagelação a um princípio de noite, com morteiros e RPG, sem consequências, desencadeada da pista de aterragem. Também interviemos em segurança afastada na operação “Rapazes Destemidos” nas matas do Choquemone, onde o pessoal de outros agrupamentos teve contactos vários com o IN.
Durante esta Operação, o pessoal directamente envolvido recebeu a visita surpresa(?) do Gen Spínola. Recordo-me de ver o heli, escoltado pelo canhão, a descer para aterrar e passados uns minutos começar a ouvir rebentamentos e ver o heli a levantar e sair da zona rapidamente. Posteriormente confirmaram-me que o General tinha aterrado e as morteiradas e roquetadas começaram a estoirar, obrigando-o a pôr-se em segurança. Segundo os meus canhenhos aconteceu a 2 de Abril de 1971. Talvez algum camarada saiba algo mais desta Operação que teve direito a visita maior! Porque teria sido?
Binar era uma povoação pequena situada a uma dúzia de quilómetros de Bula, - na estrada (picada) para Bissorã – onde não havia praticamente nada. Foi um mês e meio de descanso operacional em que os dias se sucediam com uns patrulhamento defensivos, de proximidade, serviços ao aquartelamento e umas idas a Bula buscar abastecimentos.
O Almeida e os gemidos da sua sanfona violentada, estavam realmente a fazer falta!! Ao menos daria para passar tempo a chatear à mistura com mais ou menos ameaças de morte da dita, aliadas ao respectivo coro de dixotes enviesados das respostas. Para estas trocas de galhardetes é que serviam também os amigos. Pois… os amigos também têm obrigação de se aturarem, certo?
Mas, como diz o Povo, “não há mal que sempre dure…” e ao fim de uns dias a adaptação à nova realidade acabou por acontecer, pondo os dias e noites de novo a rolar.
A todos um abraço
Luís Faria
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4413: Estórias avulsas (33): Buracos da vida, ou os dias mal vividos (Luís Faria)
Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4361: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (14): Um mês complicado (3) O osso
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Estava desesperando de te ler novamente.Como sempre és aquele elo de ligação, entre todos nós.Se ele ler este teu Post e o meu comentário!UM GRANDE ABRAÇO AO ALMEIDA, mais tarde meu colega bancário.Vai escrevendo mais sobre a fragmentação da CCAÇ, que chegarás em breve a Teixeira Pinto.Te aguardo lá.
JORGE FONTINHA
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