1. O nosso Camarada Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63), enviou-nos a seguinte mensagem com data de 7 de Agosto de 2009:
Camaradas,
Tinha esta estória guardada e não a tinha ainda enviado por entender que, por se tratar de um episódio passado com outro camarada, devia no mínimo sondar a sua opinião e mesmo obter a sua autorização.
No ultimo almoço da companhia, recordámos o episódio em questão, que continua a motivar boas gargalhadas e o protagonista - enfermeiro Lomelino -, disse-me para avançar com a sua publicação.
Por isso aqui está:
O enfermeiro Lomelino
Em 1961, quando o nosso pelotão foi destacado para Farim e após uns dias de estadia no destacamento de Cavalaria, nos cederam para quartel um antigo armazém abandonado dentro da povoação, tratamos de adaptar o espaço às nossas necessidades, transformando-o em caserna.
O Lomelino, era o enfermeiro do meu pelotão, a quem todos reconheciam total competência no desempenho das funções inerentes à sua especialidade.
Ninguém hesitaria em pôr a “bunda” a jeito para uma pica, se fosse necessário, ou a tomar um medicamento por ele receitado para maleitas menos graves, embora o que ele mais receitava era o LM, que, já sabíamos, se não fizesse bem, mal também não fazia.
Além da assistência aos militares, quando lhe era solicitado, também dava apoio e tratamento da população civil. Então lá ia ele com o bornal cheio de ligaduras, drogas, seringas e agulhas, prevendo a teimosia de alguns Homens Grandes, que diziam que só a injecção fazia passar a dor, porque sentiam a picada. Comprimido não fazia efeito e nem o “fermeiro” Lomelino conseguia demovê-los desta ideia.
Se o meu Camarada era bom na sua “arte”, já na formação da vertente bélica, o Lomelino, um dia demonstrou uma grave falha e, das duas uma: ou lhe ensinaram muito pouco sobre armas, particularmente sobre a arma que lhe foi distribuída - uma pistola Parabellum -, ou ele esqueceu muito depressa, até porque, segundo nos dizia, a sua missão era tratar pessoas e não matá-las.
Outros tempos... em que eram prática comum a ética e o profissionalismo, que permitia falar assim.
Voltemos ao nosso enfermeiro Lomelino e ao seu esquecimento (ou distracção), da instrução que lhe fora prestada sobre os procedimentos de manuseamento de uma Parabellum.
Uma bela manhã, com vários militares dentro da caserna e os que tinham feito guarda durante a noite, ainda nos braços de Morfeu, o nosso bom camarada e óptimo enfermeiro, lembrou-se que estava na hora de fazer a limpeza da pistola.
Para isso muniu-se do material necessário e descontraído deitou mãos à obra, mas, distraído, esqueceu o procedimento mais básico para esta operação: tirar a munição que estava na câmara e o carregador.
Quando soou o primeiro tiro, uns olhavam espantados para o Lomelino enquanto outros já se tinham atirado para debaixo das camas, mas ao segundo tiro só o Lomelino ficou de pé com ar incrédulo a olhar para a pistola, que já tinha atirado para cima da cama.
Há homens com muita sorte. Um dos camaradas que depois da guarda dormia ainda com o camuflado vestido e o quico amarrotado debaixo da cabeça, veio mostrar os estragos que uma das balas fez no casaco e no quico.
As duas peças pareciam que tinham sido ratadas: o casaco, da cintura até à gola e o quico em vários pontos. A bala passou entre o cobertor e o corpo, e ele afirmou que não sentiu nada.
O Lomelino jurou solenemente que nunca mais ia pegar na pistola e cumpriu.
Nos destacamentos seguintes, não me lembro de o ter visto armado, nem mesmo em Bambadinca.
Por mim, considero a sua decisão demasiado drástica, bastava que passasse a limpar a pistola a, pelo menos, um quilómetro de distância do quartel.
Um Abraço,
Alberto Nascimento
Sold Auto da CCAÇ 84
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Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:
26 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4743: Estórias avulsas (46): O dia em que o Pinto piou (Vasco Joaquim)
1 comentário:
Caro Alberto Nascimento
Aqui está mais uma história que refere alguns interessantes aspectos particulares dos tempos que passámos na Guiné.
Cenas como as que relatas ocorreram, infelizmente, conforme até aqui tem sido referido, com alguma frequência e nem sempre sem deixarem marcas, como aconteceu neste teu relato.
Agora só mais uma pequena observação. Dizes, em certo passagem, que o teu camarada Lomelino "segundo nos dizia, a sua missão era tratar pessoas e não matá-las", para comentares sobre isso com a expressão "Outros tempos... em que eram prática comum a ética e o profissionalismo, que permitia falar assim."
Atenção amigo, algum cuidado com o expressar desse tipo de sentimentos, pois os "bernardos" "andem aí" com dentes aguçados e prontos para a "revanche" que acham já ter chegado a hora...e não gostam dessas idéias que revelam "menor pendor bélico, menor vontade em defender os superiores desígnios para os quais fomos (foram) destinados.
Um abraço
Hélder S.
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