Guiné > Algures > CCP 121 > BCP 12 > 1970 (?) > Um camarada açoriano do Hoss, num momento de pausa na guerra e com sinais de grande sofrimento estampado no rosto. A seu lado, no chão, uma MG 42, uma poderosa arma nas mãos dos páras...
Foto: © Sílvio Abrantes (2010). Direitos reservados
1.
1. Já aqui falámos do nosso camarada Sílvio Fagundes de Abrantes, conhecido entre os páras e outros camaradas da Guiné como o Hoss. Ele já consta da lista dos membros da nossa Tabanca Grande, mas certamente por lapso nosso ainda não foi apresentado formalmente aos nossos leitores. Em 21/2/2010, ele apresentara-se nestes termos:
Sou o Sílvio Fagundes de Abrantes, o HOSS.
Caro amigo Luís Graça, junto seguem as duas fotos que o amigo me pediu, uma do tempo de tropa e outra actual.
Um abraço, Hoss
Mas já antes tínhamos publicado, dele, o poste P5668, em que veio em defesa do seu "amigo Oitenta" bem como o poste P5580 (*).
Na altura esvrevemos que a alcunha Hoss tenha sido atribuída ao Sílvio por analogia com a figura do Hoss Cartwrigh, da popular série televisiva norte-americana Bonanza...(Quem, da nossa geração, não era fã da família justiceira mas bonacheirona do Faroeste, o pai Ben, e os filhos Adam, Hoss e Little Joe ?... Comecei a vê-los desde 1959, se não me engano, na RTP)...
O camarada Sílvio já leu, compreendeu e aceitou as nossas regras de bom senso e bom gosto (por exemplo, não usamos o termo "preto", pela sua conotação racista...) e manifesta o seu desejo de fazer parte desta já grande e fraternal comunidade de amigos e camaradas da Guiné.
Ele também já sabe que na nossa Tabanca Grande não cultivamos ódio nem raiva por ninguém, incluindo os antigos militares da PM e os homens (e mulheres) que nos combatíam (os guerrilheiros do PAIGC)...
No nosso blogue, simplesmente contamos histórias, partilhamos memórias e até afectos. De imediato o Sílvio, que é natural de Águeda, se mostrou com disposição de nos contar histórias do seu tempo de militar da CCP 121 / BCP 12. Explicita ou implicitamente, o seu padrinho é Paulo Santiago, seu amigo e vizinho, foi a ele que pedimos que apadrinhasse a entrada do Hoss no nosso blogue. O Sílvio é, pois, bem vindo. Já cumpriu as nossas regras formais e, além disso, já nos contou algumas histórias. Aqui vai a primeira, que achei deliciosa, e que passou despercebida, no meio dos comentários a um poste P5568(*).
O Sílvio tanmbém já nos explicou que "era soldado enfermeiro, nunca fui promovido a cabo porque num dia fui duas vezes à missa e tramei-me. Eu era apontador de MG e um colega meu trazia a bolsa de enfermagem"... Da próxima vez, vamos publicar o relato da tremenda emboscada que ele apanhou em 16 de Junho de 1970, na estrada Bissau-Teixeira Pinto, a 3 km do Pelundo. LG
2. O MUNDO É PEQUENO
por Sílvio Abrantes (Hoss)
Na minha terra realiza-se uma festa que é das maiores do distrito da Aveiro. Andava eu na festa e a certa altura com um grupo da amigos fomos beber a uma tasca. Quando lá chegámos estava um negro a ameaçar tudo e todos. A minha caixa dá meia volta e digo ao negro:
- Aqui não fazes barulho, se quiseres fazer barulho vai para a tua terra, aqui nem penses, por este dedo já passaram muitos cães e nunca ninguém foi preso por matar um cão. Desaparece e já.
O pobre não teve outro remédio. Diga-se que era um homem de 1,90 m de altura e com o corpo a condizer. Na quarta-feira a seguir volto à festa e o nosso homem viu-me e veio ter comigo. Diz ele num perfeito português:
- No domingo estavas bravo.
Metemos conversa e eu pergunto de onde era:
- Da Guiné diz ele.
Eu disse-lhe que estive lá como militar.
- E como vieste aqui parar?
Diz ele:
- Eu era turra, como vocês dizem e entrei numa conspiração para matar o Nino Vieira, só que falhou e tive de fugir e vim para Portugal.
Levanta as calças de uma das pernas e diz:
- Vês esta perna esfacelada, foi o filho da p… do Hoss que me fez esta serviço.
Eu pergunto:
- Conheces o Hoss? - e ele diz que sim.
Então pego nele e levo-a para minha casa, onde lhe mostro o meu algum de fotos da Guiné e ele reconhece o Hoss nas fotos. Eu pergunto:
- Onde é que está o Hoss? - E ele continuava a apontar para as fotos, não chegava onde eu queria, então viro a primeira página do álbum onde há uma foto minha de meio corpo, pergunto:
- É este?
- Tu és o Hoss? - Eu digo que sim. Imaginem como o meu amigo Henrique ficou. Esteve uns minutos em silêncio e depois diz:
- Leva-me a casa.
Nunca mais disse nada. Deixei-o em casa. Passados uns meses, veio ter comigo para eu ir a uma festa a casa dele onde estava gente grande da Guiné que está a viver em Lisboa. Lá fui. Quando chegámos à porta de entrada da sala, ele apresentou-me, fez-se um silêncio sepulcral. Aquele gente ficou atónita em ver ao vivo o Hoss. E assim fiquei amigo do ex-turra, Henrique
Como o mundo é pequeno.
____________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5580: FAP (44): A verdade sobre os incidentes, em Bissau, em 3 de Junho de 1967, entre páras e fuzos... (Nuno Vaz Mira, BCP 12)
7 comentários:
Caro Sílvio Abrantes
É rica a tua história.Conheci,em Galomaro,um Sargento pára da CCP 123/BCP o "HER HITTLER", excelente Homem,brilhante Militar.
Alcunhas próprias de guerreiros.
Amigo tens um óptimo padrinho!
Um abraço do
António Tavares
Sem pretender dar lições a ninguém e muito menos a quem sabe mais do que eu, quero só frisar que sempre tive no meu entendimento a palavra "negro" como mais pejorativa que a palavra "preto".
Pois a palavra negro leva mais ao navio negreiro ao comandante do navio, capitão negreiro, etc..
Enquanto a palavra preto define aquela côr, embora possa ser substituída por negro, mas no meu entendimento fica a perder.
Com um grande abraço para todos e principalmente para o Luís.
Adriano Moreira - cart. 2412 "SEMPRE DIFERENTES"
Caro Sílvio:
A propósito desse teu encontro inesperado com alguém que transporta(va) na pele (e não só) as marcas do teu temível "dedo", eu, que, durante a vida, também já fui surpreendido com situações de incrível coincidência, confesso-te que não acreditaria em nada do que contas se não tivesse sido préviamente avisado de que eras afilhado do Paulo Santiago. Fico até a pensar que, se calhar, acerca do teu primeiro encontro com o arruaceiro que não te deixava beber o cópito em paz, não nos contaste tudo - será que a coisa se ficou apenas pelas palavras?!... Olha que não sei se o teu padrinho seria tão benevolente!.
Um abraço amigo,
Mário Migueis
Um abraço
Oh Miguéis, sou um gaijo pacífico,
mas.....há cinco anos, depois de
dois anos como arguido,com termo de
identidade e residência,fui a
julgamento acusado de ofensas
corporais a uma senhora.Estava
inocente...fui absolvido.Duas das
minhas testemunhas abonatórias foram,respectivamente, o Sílvio e o
nosso amigo Carlos Clemente...
Curiosamente,no blogue, há dois
Páras,ambos aqui do concelho de
Águeda,e ambos meus amigos de há
longo tempo.
Abraços
P.Santiago
Desconhecia a da dama que quis tramar o Paulo Santiago. Mas, ao desfecho, comento eu:
"Ara" agora!... coitado de Sua Excelência o Meritíssimo!... Com testemunhas desse quilate, até eu não pensava duas vezes antes de absolver o réu.
Mário Migueis
Não conhecia essa da dama que quis tramar o Paulo Santiago.
Mas, quanto ao desfecho, comento eu:
"Ara" agora!...Coitado de Sua Excelência o Meritíssimo,com testemunhas desse quilate, até eu não pensava duas vezes antes de absolver o réu!...
Mário Migueis
Antes que me apareça alguém à porta com vontade de me dar uma tareia, quero deixar aqui claro que isto que acabo de dizer, tal como os m/comentário anteriores, não passa, óbviamente, de uma brincadeira. Uma coisa é ser-se conflituoso/provocador, outra coisa - melhor, um milhão de vezes melhor! - é não virar a cara à luta, que é a característica que, verdadeiramente, reconheço no Paulo e numa das testemunhas abonatórias. E, pelo que li no texto do Sílvio, acredito que os três intervenientes no processo, estarão, nesse aspecto, ao mesmo nível.
Um grande abraço,
Mário Migueis
Enviar um comentário