quarta-feira, 21 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6204: Agenda cultural (72): Documentário, de Diana Andringa, Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, no IndieLisboa '10, na Culturgest, a 23 (Grande Auditório, 21h30) e 25 (Pequeno Auditório, 18h30)



Sítio do  IndieLisboa '10 - 7º Festival Internacional de Cinema Independente, Lisboa, 22 de Abril a 2 de Maio de 2010


Tarrafal: Memórias do Campo da Morte, documentário de  Diana Andringa:  "Longas horas de pé sobre um banco, espancado se tentasse apoiar-se na parede, foram uma das torturas sofridas por Arlindo Borges, de Cabo Verde".




 Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, documentário de Diana Andringa:  "lanta do campo gravada num osso de vaca cuidadosamente preservado"


1. Mensagem enviada pela nossa amiga Diana Andringa, realizadora, no passado dia 19:

Assunto - Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta no IndieLisboa '10

 Olá! 

Às 21H30 do dia 23 de Abril   passa no Grande Auditório da Culturgest (Caixa Geral de Depósitos, Campo Pequeno), o documentário que fiz sobre o Campo de Concentração do Tarrafal – "Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta".

Teria muito gosto em que fosse visto por muita gente nessa noite. A imagem do João Ribeiro e o som da Armanda Carvalho são ainda melhores  naquelas condições. Tenho alguns convites para oferecer aos que o desejem.

O filme repete no Pequeno Auditório da Culturgest no dia 25, às 18H30.

 Diana Andringa

Tarrafal: Memórias do
Campo da Morte Lenta.


Chamavam-lhe "o Campo da Morte Lenta". Os críticos, naturalmente. Que as autoridades, essas, chamaram-lhe primeiro, entre 1936 e 1954, quando os presos eram portugueses, "Colónia Penal de Cabo Verde" e, depois, quando reabriu em 1961 para nele serem internados os militantes anticolonialistas de Angola, Cabo Verde e Guiné, "Campo de Trabalho de Chão Bom". 

Trinta e dois portugueses,  dois angolanos, dois guineenses perderam ali a vida. Outros morreram já depois de libertados, mas ainda em consequência do que ali tinham passado. Famílias houve que, sem nada saberem do destino dos presos, os deram como mortos e chegaram a celebrar cerimónias funebres.

"Ali é só deixar de pensar. Porque se não morre aqui de pensamentos. É só deixar, pronto. Os que têm vida ficam com vida. Nós aqui estamos já quase mortos." A frase é do angolano Joel Pessoa, preso em 1969 e libertado, com todos os outros presos do campo, em 1 de Maio de 1974.

No 35º aniversário desse dia, a convite do presidente da República de Cabo Verde, Pedro Verona Pires, os sobreviventes reencontraram-se para um Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal.

"Tarrafal: memórias do Campo da Morte Lenta" resultou desse reencontro. Durante os dias em que os antigos presos voltaram ao Tarrafal, gravámos entrevista após entrevista, registando as suas recordações. Trinta e dois presos, desde o português Edmundo Pedro, um dos que o estreou, em 1936, aos angolanos e cabo-verdianos que foram os últimos a deixá-lo, no 1º de Maio de 1974, passando pelos guineenses que, ali chegados em Setembro de 62, saíram em 64 uns, em 69 os restantes.  Um guarda, Joaquim Lopes, cabo-verdiano e convertido ao PAIGC. Uma das raras pessoas que testemunhou a vida no Tarrafal desde a sua abertura ao seu encerramento, Eulália Fernandes de Andrade, mais conhecida por D. Beba.

É um documentário feito à base de depoimentos e filmado quase sempre no interior do campo, afinal, o espaço em que os presos se moviam. Entre as raríssimas excepções, o cemitério, onde acompanhamos a homenagem dos sobreviventes aos que ali ficaram. Vozes, caras expressivas contra fundo de cela. Alguns objectos surpreendentes: as calças rasgadas  pelo chicote e puída pelo chão prisional, a planta do campo desenhada num osso de vaca, a bengala que testemunha o resultado da tortura. A alegria de se verem lembrados em duas exposições nas celas que tinham ocupado.

A alegria: palavra estranha num filme sobre o Tarrafal. Mas essa é a grande lição destes homens: porque, como diz um deles, o caboverdiano Jaime Scofield, "o mais importante não é que eles nos tenham querido matar lentamente. O mais importante é que nós resistimos."

Esta é a história de homens a quem quiseram destruir toda a esperança e que souberam resistir até à vitória: "Porque no Tarrafal nós inventámos a vida, sempre!"

TESTEMUNHOS
- por ordem de entrada no filme -

Edmundo Pedro (Portugal)
Eulália de Andrade, D. Beba (Cabo Verde)
Joaquim Lopes, guarda (Cabo Verde)
Cândido Joaquim da Costa (Guiné)
Caramó Sanhá (Guiné)
Francisco Mendes Vieira (Guiné)
Manuel Neves Trindade (Guiné)
Carlos Sambu (Guiné)
Augusto Pereira da Graça (Guiné)
Macário Freire Monteiro (Guiné)
Nobre Pereira Dias (Angola)
Amadeu Amorim (Angola)
Fernando Correia (Guiné)
Mário Soares (Guiné)
Jorge da Silva (Guiné)
Agnelo Lourenço Fernandes (Guiné)
Lote Sachicuenda (Angola)
Augusto Kiala Bengue (Angola)
Evaristo "Miúdo" (Angola)
Silva e Sousa (Angola)
Joel Pessoa (Angola)
Lote Soares Sanguia (Angola)
Jaime Cohen (Angola)
Alberto Correia Neto (Angola)
Vicente Pinto de Andrade (Angola)
Justino Pinto de Andrade (Angola)
Carlos Tavares (Cabo Verde)
Luis Fonseca (Cabo Verde)
Jaime Scofield (Cabo Verde)
Luís Mendonça (Cabo Verde)
Arlindo Borges (Cabo Verde)
António Pedro Rosa (Cabo Verde)
Pedro Martins (Cabo Verde)


Ficha técnica:
Imagem: João Ribeiro
Som: Armanda Carvalho
Montagem: Cláudia Silvestre
Música; "Abandono" ("Fado Peniche") Poema: David Mourão-Ferreira Música: Alain Oulman Voz: Amália Rodrigues
Assobio: Bruno Morgado
Voz off: Jorge Sequerra
Misturas: João Ganho
Produção e Realização: Diana Andringa [, 2009]
Tempo: 1H 30'




2. Comentário de L.G.:

Além deste trabalho da Dina Andringa, que que eu recomendo vivamente e vou ver, espero que não percam também o filme de Rui Simões, de 2010, com a duração de 95', Ilha da Cova da Moura,  um bairro do Concelho da Amadora, injustamente estigmatizado e mal amado, que pode ser visto, simbolicamente, como a última ilha que nos restou do arquipélago a que um dia chamámos Império Colonial... Parafraseando uma jovem moradora local, "português preto não existe" (sic)... A frase, na sua ambiguidade,  pode também querer sugerir duas coisas: que há, entre nós um velho racismo subliminar nunca resolvido, e que a exclusão social e o racismo andam quase sempre de mãos dadas...

Um trailer do filme, com a duração de 1' 45'', pode ser visto aqui.

Exibições: 28 Abril, 19:00, Culturgest, Grande Auditório
30 Abril, 18:30, Culturgest, Pequeno Auditório

Sinopse:

Na área da Grande Lisboa, o nome Cova da Moura nunca foi sinónimo de bem-estar, educação ou prosperidade. Pelo contrário, esteve sempre associado à ideia de violência, insegurança, perigo, ou, na melhor das hipóteses, de falta de instrução ou simplesmente pobreza. O documentário de Rui Simões não pretende apenas procurar o outro lado do bairro e fazer um retrato positivo da sua comunidade. O objectivo deste projecto não é o de apagar uma série de ideias feitas mas procurar as causas e efeitos desses preconceitos. Assim, o realizador seguiu o quotidiano deste bairro, descobrindo nele reflexos de Cabo Verde e procurando os modos como a exclusão social se combate ou perpetua nas vidas dos seus moradores.

5 comentários:

Antonio Graça de Abreu disse...

O Tarrafal existiu, não podemos branquear a asquerosa e deprimente história de um regime que enviava alguns dos melhores dos seus opositores para execráveis "frigideiras" numa bonita ilha de Cabo Verde.
Mas Diana Andringa, (conhecemo-nos das coisas das China, há já una anos, não é?...),ainda e sempre o malfadado choradinho português...
Amílcar Cabral, o revolucionário lírico que pagou com a própria vida
o sonho impossível, perigoso, fora da realidade, de unir a Guiné a Cabo Verde (PAIGC) teve esta semana uma talvez não muito surpreendente resposta.
Por parte de Mário Soares.
Li no Diário de Notícias de sábado, 17 de Abril, escondido num canto da pag. 17. Será que estamos a falar de coisas diferentes:

" O ex-presidente da República Mário Soares defendeu ontem que Cabo Verde "não deveria ter sido independente" e que o arquipélago "teria muito a ganhar" em ter evitado a separação em relação a Portugal. "Eu sempre achei que Cabo Verde não deveria ter sido independente,não assisti à independência de Cabo Verde por isso mesmo." disse no colóquio Vozes da Revolução no ISCTE, em Lisboa.


Haveria muito a comentar.
Mário Soares está xéxé, ou lúcido e avisado pela experiência dos anos de vida?
Um abraço,
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Antonio Graça de Abreu,

Essa do Dr. Mário Soares com essa conversa da Independência de Cabo Verde, e logo ele, que disse: (haja memómoria)" E, em democracia, se o Algarve quer ser independente temos que lhe dar a independência".

Agora é tarde!

Mas, havia imensos Caboverdeanos qua queriam ser como a Madeira e as Canárias, e nunca acreditaram no projecto de A. Cabral, e não escondiam isso mesmo.

Talvez, nos habitantes da Ilha de Santiago, Amilcar Cabral tivesse um pouco mais de apoio, embora todos os Caboverdeanos tivessem orgulho na figura internacional de Amilcar.

Eu pessoalmente só falo assim, porque espero que ainda haja antigos colegas e amigos, de Caboverde, Guiné e Angola ainda leiam estas lembranças.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Posso estar enganado, mas acho que Luís Cabral, numa entrevista quando estava exilado em Portugal, disse também que Cabo Verde devia ter optado por uma autonomia do tipo das dos Açores ou da Madeira. Mas não tenho a certeza absoluta.
Acho piada ao que António Rosinha diz sobre a posição de Mário Soares a respeito da independência do Algarve. É que nunca o ouvi ter posição idêntica sobre o caso dos Açores.
Cordiais saudações,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Peço o favor de não atenderem à questão que levanto de Luís Cabral e a autonomia de Cabo Verde. Não consigo, de qualquer forma, confirmar. E só posso estar enganado.
Abraço,
Carlos Cordeir

Anónimo disse...

Também li a noticia que o Graça Abreu refere no CM num canto de página.
Fiquei a pensar se teria lido bem. A idade e a vista pregam-nos partidas, mas…
Na página 431 e seguintes, do livro País sem Rumo de António de Spínola editado por SCIRE em 1978, consta que a Delegação Portuguesa ao Acordo de Argel, assinado em 26 de Agosto de 1974 e que estabelece a independência da Guiné para o dia 10 de Setembro seguinte (15 dias apenas), e que estabelece que Cabo Verde também será independente, teve como elemento máximo o Dr. Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros”

José Martins