sexta-feira, 7 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6340: Controvérsias (74): Enfermeiros… mas não por opção (Armandino Alves)


1. O nosso Camarada Armandino Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé -, 1966/68), enviou-nos uma mensagem, em 6 de Maio, que a seguir publicamos:

Enfermeiros… mas não por opção
Camaradas,

Como toda a gente sabe, a selecção dos soldados no fim da recruta, para as diversas especialidades era feita de forma aleatória, não havendo qualquer inquérito a fim de se saber a função que cada um gostaria de desempenhar.
Vais para “isto” e bico calado.
Por isso, muitos foram para enfermeiros sem qualquer propensão, para desempenhar esse cargo.
Depois, no Serviço de Saúde em Coimbra, as aulas eram todas teóricas e dadas por Sargentos ou Cabos RD. Quanto a Médicos, que eu me lembre, só lá apareceu um – tenente -, 1 ou 2 vezes, em todo o curso.
E, pelo menos no meu curso, nunca se falou em teatros de guerra.
Era mais um curso para se integrar nos Hospitais, e depois íamos aprender para os mesmos. Mas, aprender o quê?
Tirando aqueles que tiveram a sorte de ir para enfermarias de Ortopedia e Traumas, o que aprenderam os outros?
A dar injecções!
Quanto ao resto eram autênticos “ceguinhos” e só foram aprendendo, com o tempo e a experiência, desenrascando-se o melhor que podiam e sabiam.
Na época 1966-68, não se notou muito essa pecha, pois quando era solicitada uma evacuação ela era feita, fosse por helicóptero nas operações, fosse por DO nos aquartelamentos ou destacamentos com pista de aviação.
A falta de evacuações é que veio pôr a nu esse desiderato.
Haviam enfermeiros, mas não havia o material necessário.
O que eram os garrotes fornecidos com a Bolsa de Enfermeiro?
Um simples tubo de borracha maleável, que era muito bom para tirar sangue e nada mais. Um garrote a sério teria que ser improvisado com ligaduras e um pau, para fazer o torniquete.
Como já aqui se falou a Marinha tinha o último grito em garrotes e não sei se a Força Aérea também os tinha (mas para isso ninguém melhor que a Enfermeira Giselda para melhor nos informar).
Quanto aos atrelados sanitários, tinham muito material lá dentro, mas não era para mexer. Eles estavam apenas à nossa guarda e isto nos aquartelamentos que os possuíam.
O atrelado sanitário era um hospital de campanha e, portanto, pertencente ao Hospital Militar. Certo é que o que lá estava armazenado era intocável.
Vem isto, que acabo de escrever, a propósito do poste P6315.
Tenho a certeza que tanto o Furriel Enfermeiro como o Cabo Maqueiro não iam munidos com soro, pois não o possuíam, e se houvesse lá um atrelado sanitário com soro, com certeza que o prazo de validade já teria caducado há muito tempo.
E quanto tempo aguentaria um soldado ferido?
Que quantidade de sangue já não teria perdido entretanto?
Sem o soro não havia possibilidade de o estabilizar e mesmo que houvesse a remota possibilidade de uma transfusão directa, com outro camarada com sangue do mesmo tipo, no meio daquele inferno, seria quase impossível.
Eu tive um camarada que morreu com um tiro no abdómen, por falta de evacuação, por ser de noite.
À noite não haviam meios aéreos e também não se podia usar o garrote.

Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf da CCAÇ 1589 (1966/68)
____________
Nota de M.R.:

4 comentários:

Carlos Vinhal disse...

Caro Armandino
Quanto maiores eram as vossas carências, mais meritório era o vosso trabalho e o esforço que faziam debaixo de fogo, pondo na maior parte das situações em risco a vossa própria vida.

Na minha Companhia, como em tantas outras, de alguns soldados e cabos atiradores se fizeram Auxiliares Enfermeiros, que na hora do aperto socorreram os seus camaradas feridos.

A úns e a outros o nosso etrno obrigado.

Já agora, a propósito, nas Companhias independentes, médico e padre eram coisas proibidas.

Ab
Carlos Vinhal

Unknown disse...

Caro Carlos Vinhal

Não era só nas Companhias Independentes. Padres só vi um no 600. Os Médicos eram afectos ás CCS
e depois iam visitando as Companhias
x vezes por mês ou quando o tempo o permitia
Armandino Alves

Anónimo disse...

Carlos,

Há situações, talvez excepcionais, em que a companhia independente tinha médico em permanência. A CCaç 3325 - BII 19, que esteve em Guileje, tinha, segundo o blogue "Guileje 3325 - vamos falar verdade", alferes médico em permanência, o Dr. Bacelar.
Abraço,
Carlos Cordeiro

Orlando Silva disse...

Caros amigos,
Convém acrescentar, que em Guileje durante a nossa Comissão em 1971 (COBRAS), foi possível contar muitas vezes com um Alferes Capelão.
Como devem saber, a C.Caç. 3325, alargou a ZA para 12 Km de raio, desde a fronteira sul até ao rio a norte, e de Gadamael ao Corredor da Morte (efectuámos 7 operações ao Corredor de Guileje sem qualquer tropa especial). Armadilhámos toda e qualquer base de fogos do IN, e não tinhamos dia nem hora para sair para o mato.
É de salientar a mensagem do Nino Vieira interceptada a certa altura, que dizia: "Se tiverem que passar por Guileje, façam-no depressa e com bastante cuidado".
Porque não ficámos estàcticos no Quartel, o IN apanhou-nos medo, é natural, não tinha descanso nem segurança.
Os nossos militares é natural que, com toda esta actividade operacional, com o trabalho diário de manutenção do aquartelamento (até para os manter ocupados e não pensarem no dia a dia), e com os 5,5 meses de isolamento nos quais não podiamos ser reabastecidos por terra (até nos lançaram por pára-quedas ovos que nos deliciaram com pão, pois só tinhamos a certa altura farinha e conservas), precisávamos de apoio psicológico e moral. Compreende-se.
Já agora, se algum dos militares que esteve em Guileje, quizer estar presente no nosso almoço anual da C.Caç. 3325 que se realiza no dia 21 de Maio pf, pode entrar em contacto comigo, pelo nr. 966765914. Deve ser bonito trocar ideias com pessoas que viveram a realidade daquela zona de guerra.
Todos devem saber aliás, que está provado que a zona de Guileje foi a pior zona de toda a guerra colonial.
Um abraço a todos.
Orlando Silva
Ex-Alferes Miliciano "Cobra"
Aveiro