II Parte > Excertos (pp. 5-8)
Instalado em Bissau, a partir de Novembro de 1960, com o desenvolvimento da minha vida empresarial, os contactos alargaram-se. Festas conjuntas em casa do amigo João Vaz [, alfaiate,], ou na minha, a acolhermos os estudantes vindos de férias, e a envolvermos os amigos – além do João Vaz, Elisée Turpin, Pedro Pinto Pereira, Júlio Pereira, Duarte Vieira e o Dr. Maurício Dias (de visita frequente a Bissau).
Estes contactos foram avolumando suspeitas, porque a repressão colonial era tal que tudo, para eles, era motivo de suspeitas.
7. Não descuidávamos o apoio aos que partiam para a luta. Lembro-me de Armando Faria, Dr. Venâncio, Fidelis Cabral de Almada, Hugo Borges, etc. Organizávamos quotizações para um jantar, bailes, caso do Dr. Fidelis, até uma ajuda pecuniária. Foi ali que descobri a acção do Dr. Severino Gomes de Pina. Era secretário da Câmara [e advogado].
Na recolha de contribuições para um jantar, Elisée Turpin aconselhou-me a irmos pedir ao Dr. Pina. Fomos à Câmara. Estava a falar com o funcionário europeu, de nome Ventura, pai do conhecido Abel Ventura. Não hesitámos, dirigímo-nos a ele e pedimos a sua contribuição. De modo contrariado, ripostou-nos o Dr. Severino Gomes de Pina, com a recusa, o que me deixou contrariado. Mas no mesmo dia e noite, procurou-nos para pedir desculpas e para a dar a contribuição. O Elisée recebeu mas eu mantive-me zangado, afastei-me deles.
9. Em 1964, requeri terreno onde se encontram as minhas actuais instalações e iniciei as obras. Então o número de contactos aumentou. Concentrávamo-nos frente às minhas obras, com o perigo a aumentar passamos a organizar jantares e mais festas. O grupo engrossou, com Júlio Pereira (que vinha de Farim), Armando Lobo de Pina, Domingos Maria Deybs, João Vaz, Elisée Turpin, Pedro Pinto Ferreira, Duarte Vieira, Aguinaldo Paquete, eu, Carlos Domingos Gomes, etc.
Estes encontros organizavam-se sempre que o Júlio Pereira vinha de Farim para nos trazer as notícias da evolução da luta, que já estava muito avançada. Tudo estava sob perigo, sob vigilância da PIDE.
10. Havia muita dificuldade da população em se abastecer de arroz. Organizei o apoio de abastecimento em arroz, e praticamente em tudo o que era alimentação. As pessoas passaram a vir dormir ao pé das minhas instalações. Destaco nesse empreendimento o apoio de Cipriano Correia Dias, que era alto funcionário da Economia e responsável da distribuição das requisições. Protegeu-me sempre a iniciativa, que reforçava com os que conseguiam requisições e não conseguiam fundos para o levantamento de arroz. Vendiam-se as requisições a troco de algum lucro.
"Depressa a fama da distribuiçãio de arroz galgou notícia por todo o país e eram centenas as pessoas que vinham dormir para serem as primeiras a ser atendidas.
11. Como uma bomba soou-nos a notícia da prisão de Júlio Pereira em Farim, na sequência de uma granda atirada a um ajuntamenmto numa festa de tambor em Farim (**). Foi sovado que nem um animal e obrigado numa cela a lutar com um companheiro até à morte.
12. Eu era vereador da Câmara Municipal de Bissau, com o velho companheiro Benjamim Correio, Dr. Armando Pereira e Lauride Bela. Ninguém me fazia acreditar que seria preso, dada a forma isolada como actuava durante a distribuição de arroz. Atendia tudo e todos, até às pessoas que desmaiavam oferecia arroz, punha no meu carro e levava-as a suas casas, mas sempre de cara amarada (sic), porque sabia que a minha actividade estava sendo vigiada.
(Continua)
[ Revisão / fixação de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.]
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores desta série:
30 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6807: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (1): Encarregado de uma empresa francesa, em Bissau e depois Bolama (1946-1951)
(...) Em 1946, aos 17 anos (nasceu portanto em 1929), o autor era “paquete de escritório da família Barbosa, junto do Grande Hotel”. Ganhava 120 escudos de salário mensal. Essa família Barbosa incluía Antoninho Barbosa e César Barbosa, tios do Caló Capé.
Achando que não era lugar de (ou com) futuro, candidatou-se a (e ganhou) o lugar de auxiliar de escriturário numa firma francesa, SCOA – Sociedade Comercial do Oeste Africano (proprietária do edifício onde está hoje a Pensão Berta), com várias lojas pela Guiné (Bissau, Bolama, Bissorã…). (...)
2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50
(...) Na pág. 5, Parte I, o autor refere o nome de diversas personalidades que, ainda antes da chegada de Amílcar Cabral, foram influentes na vida pública, social, cívica e cultural, da cidade de Bissau, devendo ser tidas em conta no estudo da génese do nacionalismo guineense... Entre esses nomes (vd. recorte acima, ponto 13), o autor cita os dos pais do nosso amigo Pepito, o Dr. Artur Augusto Silva [, 1912-1983, ] "advogado, defensor dos arguidos políticos", e a Dra. Clara Schwarz da Silva, "esposa do Dr. Artur Silva, mãe dos estudantes", professora do Liceu Honório Barreto, e hoje membro da nossa Tabanca Grande, com a notável idade de... 95 anos, feitos em Fevereiro passado! (...)
5 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955
(...) "17. Foi a fase em que surgiu Amílcar Cabral, [em 1952, o qual ] jogou um papel importante, inteligente, em que organizou a sociedade, fazendo serenar os ânimos [exaltados devidos às ] rivalidades, e levando os adeptos a uma camaradagem que se impunha, e a um convívio em paz. E unidos, no sentido de organizar o combate ao único inimigo da Pátria, o nefasto colonialismo. (...)"
8 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6836: Memórias de Um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (4): Casado em 1956, vereador em 1957, em Bolama, regressa a Bissau em Novembro de 1960, como convicto nacionalista
(...) "1. Casei-me a 8 de Setembro de 1956, viajei para Dakar, a 12 de Setembro de 1956, de ambulância, de Lulula para Zinguinchor. Era condutor um amigo e colega de infância José Bapote, que ainda vive. De Zinguinchor segui para Dakar, onde passei um mês na companhia da esposa e do Djack, Jacinto Gomes, meu sobrinho que eduquei desde os dois anos e meio, após a morte da mãe.(...)
(**) Vd. postes de:
4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5211: Efemérides (32): 1 de Novembro de 1965 – Relatório Oficial da Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)
3 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5203: Efemérides (26): 1 de Novembro de 1965 - Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)
(...) No passado dia 1 completaram-se 44 anos, sobre um ataque que me marcou profundamente. Tenho duas fotos de uma das sobreviventes e lembrei-me de enviar para serem publicadas no blogue.
Tudo aconteceu em Farim, resultante do rebentamento de um engenho explosivo, em pleno batuque na tabanca do Bairro da Morcunda.
Eram 21h30, quando um elemento da milícia lançou um fornilho (uma granada embebida em pregos, lâminas e bocados de ferros), para o meio do pessoal presente.
27 mortos e 70 feridos graves, uma deles era uma senhora que podem ver nas fotos e que, nessa altura, era ainda uma criança de 10 anos. Chama-se Cáti, mora actualmente em Farim e, em Março de 2008, fui encontrá-la numa festa na Missão Católica em homenagem a um grupo de turistas “tugas”, que por ali passaram 2 dias. (...)
18 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2060: Bibliografia de uma guerra (14) : o testemunho de Pedro Pinto Pereira. Memórias do Colonialismo e da Guerra (Dalila C. Mateus)/vb
11 comentários:
Tambem no nosso exército havia guineenses nacionalistas e que aderiram ao PAIGC.
Um ex-furriel que conheci num serviço público com algum relevo (portanto do PAIGC), não devo mencionar o nome dele, embora penso qu veio para Portugal com a confusão de 1998, esteve nuns alojamentos em Sta Cruz, fez o serviço normal no nosso exército.
Tambem um furriel da Força Aérea, que posso dizer o nome pois a história dele era pública, foi ministro, e conheci-o pessoalmente, era da minha idade, Tino Lima Gomes, faleceu já, fugiu para Konacri com uma avioneta.
Se todos eram nacionalistas, e em Angola e Moçambique a mesma coisa, imaginemos que logo em 1963, 10 anos antes da morte de Amilcar Cabral, alguem entregava a Guiné a Amilcar Cabral o que aonteceria à Guiné e a Amilcar?
Em Angola e Moçambique nem se deve pôr essa pergunta pois eram muitos os concorrentes.
Mas essa pergunta ouvia em pequena tertúlias em Bissau, e nem sempre se chegava a situações muito auspiciosas.
Cumprimentos,
Antº Rosinha
Tambem no nosso exército havia guineenses nacionalistas e que aderiram ao PAIGC.
Um ex-furriel que conheci num serviço público com algum relevo (portanto do PAIGC), não devo mencionar o nome dele, embora penso qu veio para Portugal com a confusão de 1998, esteve nuns alojamentos em Sta Cruz, fez o serviço normal no nosso exército.
Tambem um furriel da Força Aérea, que posso dizer o nome pois a história dele era pública, foi ministro, e conheci-o pessoalmente, era da minha idade, Tino Lima Gomes, faleceu já, fugiu para Konacri com uma avioneta.
Se todos eram nacionalistas, e em Angola e Moçambique a mesma coisa, imaginemos que logo em 1963, 10 anos antes da morte de Amilcar Cabral, alguem entregava a Guiné a Amilcar Cabral o que aonteceria à Guiné e a Amilcar?
Em Angola e Moçambique nem se deve pôr essa pergunta pois eram muitos os concorrentes.
Mas essa pergunta ouvia em pequena tertúlias em Bissau, e nem sempre se chegava a situações muito auspiciosas.
Cumprimentos,
Antº Rosinha
Caro Amigo, este documento está a tornar-se de bastante interesse para mim.
Estou a converter os seus Posts em outro formato de ficheiro, para posterior leitura mais atenta.
Obrigado por este trabalho.
Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ 3872 - Galomaro
Da entao presenca militar portuguesa na Guine, a Forca Aerea e tida como o ramo com a maior indice de infiltracoes de nacionalistas...decorrente por certo do nivel "academico" e de "literacia" dos mobilizados para esse ramo...
Nelson Herbert
USA
Nelson Herbert, poderia dar-nos indicação de onde obteve esse dado?
Parece-me que alguém está confundindo a guerra na Guiné, com outra guerra qualquer.
Ou então confundindo os guerrilheiros do PAIGC da época com algum grupo tipo Al-Quaeda.
Por outro lado, defenir de tal forma os militares da FA creio ser abusivo.
Cumprimentos
Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 - Galomaro
Felipe
Nao estou confundindo guerra alguma da Guine com outra guerra qualquer que seja... pelo que permita-me que o diga.. foi despropositado essa sua insinuacao !
Essa tal "carapuca" da tal outra guerra... de geito algum se me enfia !
Reagindo agora a parte que interessa do seu comentario,...dir-lhe-ia que nao eh novidade, pelo menos para os guineenses, o facto das celulas clandestinas do PAIGC em Bissau, contarem na altura com uma forte militancia de jovens guineenses (angolanos e saotomenses) alistados nas fileiras da Forca Aerea.
Quer nomes ?
Nelson Herbert
USA
O grau de "literacia" entre o guineenses,angolanos,caboverdianos e saotomenses entao alistados nas fileiras da Forca Aerea, era bem propenso a militancias clandestina e causas do genero..por razoes que obviamente deve imaginar !
Nelson Herbert
USA
Caro Nelson
O seu Comment das 10:03:00 PM, altera substancialmente a compreenção que tive do seu primeiro 2:33:00 PM.
Por ignorância, ou desconhecimento meu não me foi notória a existência de muitos individuos africanos da Força Aérea, na Guiné.
De qualquer forma faz parte dos manuais de qualquer "movimento militante" (e até mesmo os do G. Spinola com a Psico) o recrutamento de quadros de maior ou menor grau, nestas áreas.
Desejo sem pretender prolongar o diálogo aqui nos Coments, que estejamos minimamente esclarecidos.
Cumprimentos, até a um próximo "desacordo!!!".
Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 - Galomaro
Filipe
Conversando e que a gente se entende!
Mantenhas
Nelson Herbert
USA
P2060 e P6843
A propósito destes dois Postes que aludem a relatos sobre o infeliz acontecimento ocorrido no dia 1 de Novembro de 1965 em Farim no decorrer de um “Batuque”, festa organizada pela respectiva população do Bº de Morocunda, tendo sido nessa altura lançado um engenho explosivo para o meio desse aglomerado de pessoal, por um elemento afecto ao PAIGC conforme consta na História do BArtª 733 a págs 116 e segs, sediado ao tempo naquela Vila, tendo provocado a morte de muitas pessoas da população [27] e um morto das NT, bem como, várias dezenas de feridos e na sequência desse tresloucado acto foram presos muitos elementos sobre os quais recaía fortes indícios de suspeitas de estarem ligados ao IN, estando incluído neste grupo, Júlio Pereira, aqui invocado no Post 6843 e conforme consta também na mencionada Hist do BArtª 733, onde cujos factos, hora, local e circunstâncias em que os mesmos se verificaram, vêm relatados de forma desenvolvida a partir da pág 116 da mencionada História daquela Unidade, que pode ser consultada no AHM, apenas quero referir o seguinte:
Continua
Carlos Silva
Contnuação
No primeiro Post 2060, são aludidos extractos de factos narrados pelo Sr Pedro Pinto Pereira [falecido em Janeiro de 2009 em Bissau, pelo qual nutria muito respeito e muita estima, porquanto, privei com ele muito de perto desde 1995 quando o conheci na Guiné e principalmente a partir de 1998/99 quase todos os dias ao fim da tarde na Praça da Figueira, travando longas conversas com ele] no livro aí citado “Memórias do Colonialismo e da Guerra”, que foram mortos pela PIDE no decorrer do acima mencionado “Batuque” para cima de 100 pessoas.
Ora, na referenciada pág 116 consta que em consequência da explosão de tal engenho morreram 27 pessoas e ficaram feridas cerca de 70 e não vejo razão para não se referir mais de 100 mortos, se de facto fosse essa a verdade.
Donde, comparando estas narrações divergentes, ao ler os factos narrados na Hist do BArtª 733, inclino-me mais para a veracidade desta narração, por várias razões e fundamentos, entre os quais é que os factos foram presenciados e narrados por quem os presenciou, sofreu na carne, tão hediondo crime, quer civis quer militares do BArt 733 e com certeza de outras sub-unidades ali instaladas e com uma grande probabilidade mais ou menos próxima da verdade dos factos transcritos resumidamente para a dita História.
Outra, em termos lógicos não vejo como um engenho com as características indicadas e lançado daquela maneira para o aglomerado de pessoas, possa ter provocado a morte de mais de 100 indivíduos.
Mesmo que estivessem juntos em molhada, seria que tal explosão mataria os 100 ? - “ Bomba de Hiroshima”.
De certo, nem a explosão de uma granada de OBUS com 45ks ou um míssil/foguetão 122mm utilizado pelo PAIGC, provocaria tantos mortos naquelas circunstâncias.
Por outro lado, o falecido Sr Pinto Pereira que nem era do PAIGC conforme também resulta do referido livro, não presenciou os factos, até porque não estava lá no local seguramente.
Deste modo, pergunto, em que base sustentou e produziu tais afirmações, que com muito respeito, não aceito como verdadeiras, até prova em contrário.
Com este comentário quero dizer e chamar a atenção que temos de ser realistas na análise e não podemos fazer só a propaganda do outro lado.
Há muitos documentos nossos que podem ser consultados, analisados e confrontados com a outra posição, que poderá ter sido veiculada em termos propagandísticos e de contra-informação, como sabemos e depois sim, tiramos as respectivas ilações.
Aliás, a este propósito, o nosso camarada Paulo Bastos que nessa altura estava em Farim, embora não estivesse presente no local dos acontecimentos, abordou essa questão nessa base da sua presença e do que está escrito na Hist do BArtª 733, tendo até juntado 3 págs desse documento que estão publicadas no Blogue, vid Potes 5203 e 5211, bem como, juntou fotos de uma das vítimas sobreviventes, nossa amiga Cadi residente em Farim, tiradas aquando da nossa visita em 2008.
Muito haveria para dizer sobre este tema, mas não cabe só a mim desenvolvê-lo por ser um estudioso da guerra na Guiné e principalmente do nosso Sector O2 Farim.
Agora, o que não posso é deixar em branco situações como esta e muitas outras que tenho conhecimento, sobre as quais tenho desenvolvido comentários sobre as mesmas.
Mas enfim… fiquemos por aqui porque a conversa já vai longa e desde já lanço um apelo a n camaradas que abram os olhos e deixem-se de blás-blás, porque estas matérias, não são só História do PAIGC, fazem também parte da nossa História.
Não somos vencedores, mas também não somos vencidos.
Com um abraço amigo
Carlos Silva
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