O Jacinto Cristina: foto da época em que esteve na Ponte de Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546 (Piche e Caium, 1972/74)... O 1º ano foi passado em Piche e o resto do tempo em Caium
Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > A padaria e o padeiro... O forno foi construído na parte inferior da ponte... Como o espaço era pouco, tudo se aproveitava... O forno (e a cozinha) ficava do lado esquerdo, no sentido Piche-Buruntuma... De costas, em tronco nu, vê-se o Manuel da Conceição Sobral (que vive hoje em Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém). Os dois faziam reforço das 4 às 6. Por volta das 5h/5h30, um deles ia amassar a farinha (12 kg /dia)... O outro ficava de reforço até às 6. Depois das seis, até às 8h/8h30, ficavam os dois a trabalhar. Às 9h já havia pão fresco... Todos os dias coziam. Tinham um stock de farinha que dava para um mês. Faziam uma média de 30 pães de 400 gramas, por dia. O resto do dia descansava. O Sobral era o apontador do morteiro 81 e o Jacinto o municiador. Também havia um morteiro 10,7,. ao cuidado do Pinto e do Algés. O 81 ficava do lado direito, à saída da ponte, no sentido de Buruntuma. O 10,7 ficava no lado esquerdo, junto ao paiol, também no sentido de Buruntuma... Mais à frente estava o 1º Cabo Torrão, apontador da HK 21 (irá morrer em 14 de Junho de 1973). também havia o morteiro 60 e a bazuca.
O Jacinto tornou-se de tal maneira imprescindível (por causa do "pão nosso de cada dia") que, além de municiador (e apontador, quando necessário) do morteiro 81, ficou na ponte de Caium 14 meses (13, se descontarmos o mês de férias, em Abril de 1973, em que veio a casa para estar com a mulher e a filha)... "Vieram de férias o Jacinto, o Pinto, o Charlot e o Algés... No avião da TAP... Já não se lembro de quanto pagou... Seis contos, para aí, diz-me ele".
Diziam que era o melhor pão da Zona Leste... Aqui o Jacinto está varrer e a limpar o forno... Fatal foi aquele terrível período de um mês (entre meados de Maio e Junho de 1973) em que o destacamento esteve sem reabastecimentos, sem farinha, sem pão... Meteram-se a caminho de Piche, a 14 de Junho de 1973, tendo sofrido uma brutal emboscada, em que morreram os camaradas: 1º Cabo Ap. Metralhadora David Fernandes Torrão, Sold At Carlos Alberto Graça Gonçalves (Charlot), Sold At Hermínio Esteves Fernandes e Sold At José Maria dos Santos... Disse-me o Jacinto (que ficou na ponte a tomar conta do seu 81), que os corpos foram cortados em quatro, com rajadas de Kalash... e o PAIGC levaram cinco armas (incluindo a do Furriel Mil , que foi projectado com o impacto do RPG7, juntamente com o Sold Cond Auto Rocha).
Uns meses antes, em 19 de Fevereiro de 1973, tinha morrido o Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, na sequência da desmonmtagem de uma armadilha de caça. Essa cena passou-se debaixo dos olhos do Jacinto que se salvou, ao pressentir o perigo.
Destacamento da Ponte Caium > O Sabino na cozinha a preparar um petisco...
Destacamento da Ponte > Os aposentos... As camas eram em beliche, como se pode ver na foto... Este abrigo era o mais pequeno: tinha quatro camas, era o mais pequeno... Ao aldo era o depósito de géneros (que roubou espaço ao abrigo). Aqui o Jacinto, com o Pinto, o apontador do 10.7... Havia quatro abrigos, dois em cada lado, os outros eram todos maiores (6 / 8 camas). Os abrigos eram ladeados por fiadas de bidões cheios de terra.
Destacamento da Ponte Caium > Um aspecto dos pilares da ponte... O Cristina, mais um camarada, na hora do recreio (ele não se recorde do nome)... Ali no rio Caium, naquela improvisada jangada, poderiam dar largas à sua imaginação de marinheiros e aventureiros... Na época seca, o rio levava pouca água... Era um afluente do Rio Coli. O abastecimento de água era feito mais longe, de Unimog, com segurança
Destacamento da Ponte Caium > Mesmo com o metro quadrado mais caro da Guiné, nas "suites" não faltava nada... O chuveiro era um bidão de 200 litros, furado...
Destacamento da Ponte Caium > O tabuleiro superior, com duas fiadas de abrigos (2 de cada lado), feitos com bidões cheios de areias, troncos de palmeira, cimento e chapa de zinco, desenhadas para alojar 30 homens... Na foto, o Cristina , de reforço, de manhãzinha... Este posto fica no início da ponte, no sentido Piche-Buruntuma... E acreditem que pelo meio passavam (passaram) centenas e centenas de viaturas, militares e civis, além de chaimites e obuses...
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da ponte sobre o Rio Caium, onde o Jacinto Cristina esteve mais de metade da sua comissão (cerca de 14 meses)... Na foto, a padaria ficava em segundo plano do lado esquerdo... Deve ter sido tirada no dia dos anos do Sobral, em Março de 1973, a avaliar pelos dois cabritos (comprados na tabanca fula, que ficava a nordeste da ponte, a 3 km, e onde residiam as lavadeiras)... Quem passou por aqui, entre Piche e Buruntuma, dificilmente acredita que um homem pudesse aguentar mais do que um mês, dois meses, neste Bu...rako. Soldado atirador, o Jacinto ficou municiador do morteiro 81 e como era preciso fazer pão todos os dias, aprendeu a arte de padeiro (que depois seria o seu ganha-pão, em Ferreira do Alentejo, onde vive). Como se percebe pelas fotografias, as estruturas da ponte foram aproveitadas ao milímetro...
Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Numa das últimas visitas que fiz à família, em Ferreira do Alentejo (onde o jacinto vive, com a esposa), o nosso camarada emprestou-me um dos seus preciosos álbuns fotográficos, onde tem o essencial do registo da sua passagem pelo leste da Guiné. Fiz uma selecção de fotos e digitalizei-as. Amanhã vou devolver-lhe o álbum (e trazer um dos seus deliciosos pães). A caminho de Serpa, vou lá jantar com ele, a esposa, a neta (a "nossa princesa"), a Cristina e o Rui (casal que, além do mais, nunca perde uma meia-maratona, desta vez a 11ª Meia Maratona do Centenário, que parte da Ponte Vasco da Gama).
Levo comigo duas fotos do monumento construído na Ponte de Caium, já depois do regresso do Jacinto, e na base do qual se pode ler: "Nem só de pão vive o homem"... As fotos foram tiradas em Abril de 2010 pelo Eduardo Campos (**) que fez questão de mas entregar, em Monte Real, em 26 de Junho passado, para as fazer chegar às mãos do Jacinto que ele não conhece, a não ser do blogue... Um gesto de grande camaradagem que me sensibilizou muito e que vai emocionar o Jacinto.
Entretanto aqui fica o primeiro poste da série Álbum fotográfico de Jacinto Cristina... Vou pedir ao Jacinto que me ajude a "legendar" as fotos dos restantes três postes que vou publicar este fim de semana...
[Fotos digitalizadas, editadas e legendadas por L.G.]
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Notas de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores:
24 de Março de 2010 > Guiné 64/74 - P6042: Tabanca Grande (209 ): Jacinto Cristina, natural de Ferreira do Alentejo, CCAÇ 3546 (Piche e Caium, 1972/74): Foi soldado atirador, mas a guerra fê-lo padeiro...
8 comentários:
Só mesmo um alentejano podia fazer "o melhor pão" ...! Destacando-se aqui a forma perfeita como a massa aparece tendida e pronta a entrar no forno.
Nem no meio da guerra foram descuidados o rigor e o preceito que a tradição exige, talvez aprendidos com a sua mãe.
Quantos alentejanos não foram padeiros e cozinheiros na Tropa?
Certamente ainda hoje são recordados pelo seu pão, pelos seus petiscos, e pela sua amizade e boa disposição.
Parabéns a este brilhante padeiro e os meus sinceros votos de muita saúde e de uma longa vida.
Os meus respeitosos cumprimentos para ele e para todos os tertulianos.
Maria Teresa Parreira
Maria Teresa (esposa do João Parreira, presumo, pelo apelido...):
Obrigado pelo comentário. Amanhã irei mostrá-lo ao Jacinto que não tem mail nem Internet... Ele vai ficar enternecido... O mais engraçado é que se tornou padeiro devido às circunstâncias da guerra... Lembrava-se de ver a mãe a fazer o pão, como só as mães sabem fazer... Conseguiu reconstituir todas as operações...
É também uma história de amor muito bonita... Posso ser que eu me deixae contá-la, aqui, na Tabanca Grande.
Por outro lado estou esperançado que "o amor da sua vida" consiga reconstituir os poemas que lhe escrevia, a ele, Jacinto, e enviava para Piche e para a Ponte Caium... Há uns anos atrás, ela pegou nos aerogramas todos que o Jacinto tinha recebido, lido, relido e guardado religiosamente, e atirou-os para a fogueira... Terá havido milhares de casos destes... Hoje êla tem pena... Incentivei-a a "voltar à escrita", é uma mulher muito inteligente e de grande sensibilidade... Amanhã vou ver como está o "trabalho de restauro"...
Além de grandes homens e belos padeiros, o Alentejo também dá(dava) belas mulheres e grandes poetisas...
Dr. Luis Graça
Chegou a altura de me identificar.
Sou Maria Teresa Parreira, mulher do Bernardino Parreira, de Faro, e sou natural do Baixo Alentejo, mais propriamente de Castro Verde.
Entrei neste Blogue pela mão do meu marido, ex-combatente na Guiné.
Tal como ele, nutro grande carinho e simpatia pelo povo guineense.
Sou visita assídua deste Blogue, interesso-me pelos temas aqui tratados, e aproveito para felicitar o seu Ilustre Autor. Considero este Blogue uma Obra Prima para a História de Portugal e da Guiné.
Os resultados estão à vista!
Aproveito para lhe agradecer a oportunidade que me tem dado de comentar neste espaço, e apresento-lhe os meus respeitosos cumprimentos.
Maria Teresa Parreira
Maria Teresa: Este blogue é também seu... Se achar vantajoso, junte-se a nós... Como eu costumo dizer, temos uma tabanca grande, com um poilão alto, ao centro, a cuja sombra nos acolhemos... Todos diferentes, todos iguais...
A minha cara amiga não precisa de pedir licença a minguém, para comentar... Basta cumprir as nossas regras básicas de convívio... Não sendo alentejano, tenho muitos amigos por aí... E amanhã irei até Serpa, com jantar marcado em Ferreira do Alentejo...
Apareça, sempre, bem precisamos (ainda hoje) do "apoio de ombro" das nossas grandes mulheres, algarvias, alentejanas, ribatejanas, estremenhas, beirãs, minhotas, durienses, transmontnas... Portuguesas, com muito orgulho!
Um beijinho para si. Um Alfa Bravo para o Bernardino.
Camarigos
Que emoção ver fotos da" minha Ponte Caium", até fizeram um forno novo, o que deixámos estava situado na estrada para Buruntuma , fora do tabuleiro da ponte. Caro Luís na tua visita ao Alentejo dá lá um abraço ao Jacinto Cristina da parte dum "Caiumense". Diz-lhe que a Companhia dele rendeu a minha CCav. 2749/BCav.2922 em Piche. Dou-lhe os parabéns por ter aguentado 13 meses na Ponte. Estive lá à volta de 3 meses e picos. Na 2ª vez que o meu GC estáva escalado para ir para lá ,vim de férias e "baldei-me" ao ataque onde sofremos um ferido ligeiro, mas o PAIGC teve algumas baixas pelos rastos de sangue.
Abraço Camarigo
Luís Borrega
Caros camaradas
As fotos do álbum do Jacinto Cristina são de facto uma preciosidade já que permitem tomar melhor conhecimento do modo de viver naquele local, naquelas circunstâncias.
Depois temos a situação de esse nosso camarada ter permanecido ali durante todo o tempo que é referido, num ponto nevrálgico, que foi progressivamente tornando-se mais perigoso, para além do desconforto e precaridade, o que é realmente notável.
Vi as fotos que o Eduardo ofereceu (e que o Luís será portador) e que teve a amabilidade de as mostrar em Monte Real. Acho que o Jacinto irá ficar com um nó na garganta e certamente se emocionará.
Um abraço
Hélder S.
Caro Luís Graça
Venho rectificar o que disse no meu comentário anterior, depois de consultar a minha "Folha de Acentos", verifiquei que à data do ataque à Ponte Caium, não estava de férias, conforme disse, mas possívelmente, devia estar no Destacamento de Cambor a substituir algum graduado que foi de férias.
Abraço
Luís Borrega
Camarigos
O morteiro de 10,7mm, quando eu estive lá não existia. Foi para lá originário de Buruntuma,na 2ª vez que o meu 3º GC foi destacado para a Ponte Caium.
Já impunha outro respeito...
AB
Luís Borrega
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