1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 16 de Dezembro de 2011:
Amigo Carlos Vinhal
Cá vai um apontamento de “Viagem…” mais uma vez vivido na primeira pessoa e que traduz em certas situações o despoletar de comportamentos humanos por vezes potencialmente perigosos.
Como já sabes, publicarás se achares com um mínimo de interesse.
Aproveito para desejar a todos um BOM NATAL
Um Abraço
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (47)
O fugitivo
Se bem me recordo, poucas para não dizer raríssimas, foram as vezes em que estive escalado para serviço do dia, durante a minha passagem pela Guiné. Talvez pela antiguidade ou por a actividade operacional não o permitir. Já não sei!
Uma dessas excepções aconteceu em Bula onde estive de Sargento de Dia ou da Guarda. Creio que de Dia, já também não recordo, o que não tem importância alguma hoje mas poderia ter tido à época, deixando de ser recordação de uma passagem hoje chistosa, para mim e talvez para quem se possa recordar dela.
Nessas funções chega-se a hora do jantar e dirijo-me para o refeitório dos Praças, exercendo uma das minhas atribuições. A noite é escura, o refeitório está cheio com o Pessoal do Batalhão e vou cirandando por lá! A janta decorria com a algazarra normal e em ordem até que de repente se ouve, vindo do exterior próximo mergulhado na noite, algo do género: ”O fdp do turra fugiu…”
O sossego acabou. Havia na verdade um (pelo menos) prisioneiro turra na cadeia e ao que se ouviu tinha tido o desplante e arte de se pirar da “pildra” mesmo ali quase ao lado!
Alguns Rapazes saem a terreno em penumbra e ao avistarem um vulto começam-se a ouvir os incentivos do género “está ali… é ele, vai p´ro arame… agarra que ele foge… apanha o cabrão…”, fazendo com que esses alguns se transforme de imediato numa mole de seguidores que em atropelo abandonam o refeitório para o lado pouco iluminado adjacente, sem dar tempo a nada.
Toda aquela massa humana, incendiada por estes apelos corre no escuro atrás do vulto avistado, que com algum avanço começou a parecer voar.
Saio do refeitório para o lado da parada, talvez para procurar informação do que se estava a passar, também já não recordo. Recordo isso sim, de momentos depois ver o perseguido logo seguido do maralhal a sair das sombras por detrás do dormitório (?) em direcção ao local onde eu estava. Saquei a pistola e grito-lhe ordem de parar, apostado em o deter antes que ele fugisse ou o maralhal lhe deitasse a mão.
O homem ofegante pára à minha beira, a rapaziada também e à luz constata-se o erro que poderia ter trazido consequências graves e irreversíveis. Não era senão um Soldado (?) ou Milícia (?)!!
Alguém tinha avistado uma silhueta na escuridão a sair das imediações da prisão e julgando ser o “turra” gritou o alerta. Por sua vez a silhueta ao ouvir e ao ver o maralhal começar a ir na sua direcção, em vez de parar, assustou-se e deu às de “viladiogo” ganhando asas nos pés e na certa “borrado de medo “(imaginem!), só parando à minha ordem e junto a mim.
Ainda bem que esta passagem pode ser recordada hoje com certa piada, por mim ou por outros que nela tenham sido actores, ou até por quem consiga imaginar a cena e o cagaço que deve ter apanhado o “fujão”. Talvez até, quem sabe, ele venha a ler isto e nos possa contar de viva voz o que sentiu!
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9147: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (46): A velhice em Bula
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Caro camarigo Luís Faria
Vês como foste capaz de perder alguns bons episódios para as tuas histórias pelo facto de não fazeres (ou fazeres poucos)serviços?
Quem pode saber o que mais aconteceria? Nesta história percebe-se bem o que é a histeria das massas, como é que de repente todo um conjunto de pessoas é levada a fazer uma coisa qualquer sem saber bem do que se trata e partindo dos seus próprios preconceitos. É partindo deste tipo de reacções que todos os manipuladores constroem as sauas manobras de manipulação.
Abraço
Hélder S.
Olá amigo Luís Faria,
Situação complicada resolvida a bem.
Não te referistes a um pequeno-grande pormenor. Pelos vistos a prisão, quando habitada, não tinha guarda constante.
Relaxamento de Comando, do Sargento-da-Guarda ou a prisão era considerada suficientemente segura?
Um abraço amigo,
José Câmara
Não me recordo do ocorrido pois certamente teria sido no período em que estive em Teixeira Pinto.A única coisa que me lembro, estando de Sargento dia em Bula, igualmente,no refeitório, foi uma saída de morteiro,no momento em que um ajudante de cozinha, transportava uma pesada panela de sopa da cozinha para as mesas e se espalhou ao comprido, panela incluída, no meio do corredor central.Com o estrondo, o rapaz assustou-se e deu naquilo.A falta da sopa foi superada com a risada geral que se seguiu à surpresa!
Um abraço e Bom Natal
JORGE FONTINHA
Meu Caro Luís,
Hoje tenho que dar a mão à palmatória: se a alimentação na generalidade dos refeitórios fosse consubstanciada por lautos jantares que empanturrassem o pessoal, como se poderia concretizar uma reacção das NT como esta que relatas?
Abraços fraternos
JD
Caros Amigos
Hélder,
É como dizes.Em determinadas situações os humanos podem transformar-se em "manadas",como tal irracionais,seguidoras cegas,que podem ser aproveitadas!Há infelizmente muitos exemplos.
José Câmara,
Perguntas bem! Se a memória me não atraiçoa,a cadeia era segura e não tinha ninguem especificamente a guarda-la.Ficava junto à casa da guarda ,talvez até paredes-meias,logo à entrada do quartel e tinha grades de ferro nos janelos. Não recordo haver guarda específica
Fontinha
Creio que nessa altura estavas com o teu 4º Gr deslocado para Nhamate e não T.Pinto.Esta cena passa-se , se bem estou certo,já para os finais da comissão.
José Dinis
Se calhar tens razão,se bem que a a meu ver e ao que lembro,tirando Capó e Binar,comparativamente a muitos,fomos uns felizardos quanto a "morfes"
Um abraço a todos e um BOM NATAL
Luis Faria
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