1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado*, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 21 de Dezembro de 2011:
Carlos, Luís, Virgínio e restante Tabanca Grande
Há muitos camaradas que, por vezes, quando estou com eles já não sei se eram da CCS ou de alguma companhia operacional. Conheço-os e pronto, mas também há os que passados estes quase quarenta anos, a sua recordação está tão viva que parece que nunca estive sem os ver. O Aljustrel é a par de muitos outros uma figura incontornável e já há algum tempo fazia tentativas para relatar as suas andanças. Muitas mais coisas há para dele contar mas por agora fico por aqui.
JA
ESTÓRIAS DO JUVENAL (40)
AI COMPADRE AMADO, QUE DOR TÃ GRANDE!
O meu compadre "Aljustrel" era um daqueles camaradas que as estudava e armava a cada passo.
Era mecânico e acompanhou-me nalgumas das piores colunas que fiz pelo Leste. Como já contei, era ele que ia comigo quando o Teixeira caiu na mina e também me acompanhou a Buruntuma em 1973, quando se esperava um grande ataque do PAIGC naquela zona, depois dos ferozes ataques a Copá. Nessa altura também sapadores do 3872, foram destacados para essas paragens e por lá ficaram durante uns tempos a "semear" os mortíferos engenhos. Eu e o "Aljustrel" tivemos mais sorte pois viemos logo embora no mesmo dia, depois de descarregarmos a nossa perigosa mercadoria.
Mas o que eu quero é falar do "Aljustrel", que tinha uma propensão para a tonteira e alguns disparates, que fizeram dele personagem única.
Ele estava sempre envolvido na matança de algum cabrito, que entrasse no arame, chegando mesmo a matar um que tinha sido oferecido ao nosso Comandante.
Quando soube de quem era o bicho, apresentou-se com ele debaixo do braço ao nosso T.Coronel, dizendo que ele andava à solta e que o tinha matado sem querer. Está claro o nosso Comandante olhou para ele e disse, que se andava à solta não era dele. A verdade é que ele tinha proibido os animais à solta dentro do quartel e assim não quis dar o dito por não dito.
No inicio da nossa comissão quando fez o primeiro reforço resolveu pregar uma rajada de G3 numa vaca e gritar que eram turras. Escapou dessa como de muitas outras.
Um dia disse-me: "oh compadre Amado o periquito tem umas galinhas já matadoras e o que é que acha de a gente matar uma e fizer um petisco?" Assim foi, matamos, assamos a galinha e quando estava pronta, fomos ao posto de sentinela onde o Lourenço periquito estava de serviço e zás, fizemos uma petisqueira.
O periquito ficou tão contente e tão agradavelmente surpreendido, que até pagou as cervejas, enaltecendo a nossa amizade por nos termos lembrarmos dele para o pitéu. Escusado será dizer quando no outro dia deu pela falta da galinha, nunca mais se calou de f.d.p. para cima.
Um dia foi entregar material para abate a Bissau e pela terceira vez pediu à mãe dinheiro para a carta de pesados. Ele ia para Bissau com boas intenções, mas uma vez lá, havia umas raparigas muito acolhedoras lá para os lados do Pilão e a carta ia à vida, nas ditas, da vida.
Entretanto quando pediu à mãe o dinheiro para a carta, ela perguntou-lhe se a mesma era da avião, pois estava cansada de lhe enviar o dinheiro para o efeito.
Quandos os "periquitos" estavam para chegar, brincávamos com coisas sérias. O Aljustrel, eu e o Esteves na enfermaria
Outra vez foi chamado ao Comandante, porque uma madrinha de guerra, a quem com o tempo acabou por prometer casamento se queixou dele. Ela fez queixa porque ele lhe deixou de escrever. Foi obrigado a escrever-lhe e à cautela, passou a escrever a todas as outras, não fosse alguma lembrar-se de fazer queixa dele também. O Comandante avisou-o, mais alguma fizesse queixa dele e ia ver como elas lhe mordiam.
Mas umas das melhores teve a haver com as férias.
O nosso herói fez requerimento para o gozo de férias, mas como não vinha à Metrópole, entendeu passá-las no quartel e deitado. A malta achou graça e assim levavam-lhe as refeições à cama, deixou de se barbear, só saía de noite para ir para a tabanca ou para a cantina, não fosse o azar de ter um mau encontro com o Tenente Raposo ou mesmo com o Comandante.
Não esperava ele que tanto descanso lhe fizesse mal.
Um belo dia o compadre "Aljustrel" ia para se levantar e não conseguiu. Umas dores lancinantes nas costas, não o deixavam endireitar nem dar passada. "Aí compadre Amado que me desgracei. Que dor tã grande!!!!!" Amparado por mim e pelo periquito, a caminho da enfermaria com as costas num ângulo de 90º, assim mais ao menos como a Alemanha perdeu a guerra.
Resultado, o "Aljustrel" acabou as férias na enfermaria a levar umas injecções, que o Dr Pereira Coelho lhe receitou. Doeram que se fartou, mas curou-o.
Este episódio teve outro realce ao ser responsável, por ter acabado com o direito a férias, para quem permanecesse no quartel.
Passado pouco tempo depois de termos regressado, apareceu-me em Alcobaça com a esposa e já uma filha. Depois disso deixei de o ver durante 34 anos, não sabendo nada dele durante esse tempo pois correu o Mundo como embarcadiço. Num almoço em 2008 na Mealhada apareceu com esposa, a segunda filha e mais o marido desta. Foi uma alegria reviver as estórias.
Era ver a esposa e a filha olharem incrédulas para ele.
Faltava-lhes aquilo para acabarem de o conhecer melhor.
Um abraço
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9227: Blogoterapia (194): Como é bom não termos dúvidas (Juvenal Amado)
Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8857: Estórias do Juvenal Amado (39): O meu Avô Juvenal, o Benjamim e Eu
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Camarigo Juvenal Amado
Mais uma belíssima história de um camarada do nosso batalhão. Há elementos que são marcantes, pela forma como se iam desenrascando das agruras daqueles tempos na Guiné.
Um abraço e Boas Festas.
Luís Dias
FELIZ NATAL
Galomaro,estive lá cerca de um mês, foi bom. Farto de "burakos"...
Manhã de preguiça...em dia destes desculpa-se.
Abração T. (Aljustrel (Baixo Alentejo) era, para mim lugar de passagem. Parava muitas vezes num café que lá havia. Agor só na Área de Serviço da A2...vidas.
Juvenal, amigo e camarada:
Tens essa capacidade, rara, de ver, vislumbrar, enxergar, topar, descobrir, sentir, tocar... humanidade nas pequenas coisas da vida, do amor, da paz, da guerra...
Obrigado por mais um pequeno grande retrato de gente como nós, humaníssima, que nunca brilhou nem brilhará sob as luzes da ribalta da grande tragicomédia da história...
Dá um abraço, da minha parte, ao teu compadre Aljustrel quando o voltares a ver, nos vossos encontros anuais, e diz-lhe que também ele entra neste grande retábulo, neste grande presépio, que é o nosso blogue, uma espécie de gigantesco bagabaga onde há uma vida subterrânea de memórias, de afetos, de histórias, de cumplicidades...
Diz-lhe que houve o Gen Spínola, e o Gen Bettencourt, e o grande líder Amílcar Cabral, e o Senhor Prof Doutor Amílcar Cabral... mas também houve o Aljustrel. Como houve o Peniche, o Mouraria, o Campanhã... Tu, eu e ele, anónimos soldados de uma guerra cuja memória corre o risco de morrer connosco... E será que se perde alguma coisa ? Sem dúvida, a nossa humanidade, a nossa e a dos guineenses... É por isso que este blogue ainda faz algum sentido... Ou não ?... Apesar do nosso cansaço, irritação, desânimo, desesperança...
Não sei se devo (ou posso) desejar-te um humaníssimo Natal, o tal que é quando um homem quiser... Mas acho que devo: mais, tenho essa obrigação! Bom Natal, camarada!
Luís Graça,
Madalena, VN Gaia (Cale) (e o Porto, e Portucale, Portugal, aqui tão perto!)
Gostaria de levar ao v/conhecimento a denúncia por vários comentários sobre GUILEJE e que nunca foram publcados. Por que será? Só digo verdades, não ofendo ninguém (a verdade ofende os mentirosos eu sei), mas sei o que passei, a zona onde estive, e quero com a verdade, respeitar a memória de quem lá perdeu a vida. Não sei se isso é pecado nos tempos que correm?!!
Orlando Silva
Ex-Alferes dos Cobras de Guileje
966765914 - Aveiro
Caro Orlando Silva
Está a fazer juízos de valor que não correspondem à verdade. Aqui ninguém interfere na publicação dos comentários. São apagados unicamente os feitos de forma anónima e ofensivos.
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Aguardamos as suas críticas e sugestões neste endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com
ao dispor de todos os nossos camaradas e leitores.
Receba um abraço do camarada
Carlos Vinhal
Co-editor
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