Nota de 50 escudos, emitida pelo banco emissor da Guiné, em 1971, o Banco Nacional Ultramarino (BNU)
Nota de 100 pesos, emitida em 1990 pelo Banco Central da Guiné-Bissau. Efígie de Domingos Ramos, guerrilheiro do PAIGC morto em Madina do Boé em 1966.
1. Comentário do nosso amigo Cherno Baldé ao poste P9623:
Caro António,
A descrição que fazes da tua estadia na Guiné é muito interessante e tocou-me particularmente porque, também, fui jubi e faxina de condutores de um aquartelamento de metropolitanos, em Fajonquito (1969/74), região de Bafatá, como o foi o teu amigo Sherifo.
No entanto, tenho duas observações a fazer do actual Poste e que, com alguma frequência, tenho lido em vários escritos de ex-combatentes:
Primeiro, referindo-te à moeda local, falas de "Pesos". Na verdade, a moeda que circulava na época colonial, até 1974, era o "Escudo" e nãoo "Peso", que foi instituido em meados de 1975/76, depois da independência.
Em segundo lugar, falas de uma menina que alegadamente "estaria vendida", provavelmente para casamento. Esta interpretação, muito frequente entre os metropolitanos, resulta de uma leitura muito errada dos nossos usos e costumes, enfim da prática relacionada com os casamentos arranjados e muitas vezes celebrados sem consulta e acordo prévio dos principais interessados.
Este tema é do foro cultural e antropológico, do qual poucos de nós temos a preparação necessária para sua correta compreensão e interpretação, pelo que devemos ter os cuidados necessários no seu tratamento para nao ofender aos outros de uma forma gratuita e desnecessária.
Um casamento, seja ele "civilizado" ou "primitivo", deve ser visto, sempre, como um contrato social entre partes cujas cláusulas podem ser diferentes e porventura, mais ou menos (in)justas, mais ou menos liberais. Mas nunca é um negócio de compra e venda como, erradamente, se pode supor pelas primeiras aparências de superfície. Se isto fosse verdadeiro, então não haveria lugar para os divórcios que, também, são uma realidade palpável e cada vez mais frequente, ao contrário do casamento cristão e "civilizado" em que os homens não são chamados a intervir.
[Foto acima: pintura do nosso camarada Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav no Pel Rec Daimler 2046, em Bambadinca, 1968/70].
[Foto acima: pintura do nosso camarada Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav no Pel Rec Daimler 2046, em Bambadinca, 1968/70].
Um abraço de encorajamento,
Cherno Baldé
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Cherno Baldé
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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9539: (In)citações (37): O topónimo fula Tabassai (e não Tabassi)... e a lealdade dos fulas, aliados dos portugueses (Cherno Baldé / José Manuel Dinis)
13 comentários:
Em 1974, chamava-se na Guiné pesos ao escudos.
Magalhães Ribeiro
Pertinente a observacao do Magalhaes Riberio...
"Nasci".. usando o "peso" ( 1 peso, 1000 pesos...ao inves do escudo) e o Xilim ( dois ou dus xilim, no lugar dos centavos) como referencias da unidade monetaria na Guine,mesmo quando vigorava o escudo !
Qual o fundamento historico dessa preferencia/adopcao dos guineenses pelo peso (mesmo quando vigorava o escudo) ????
A palavra aos historiadores !
Mantenhas
Nelson Herbert
Recordando
Lembro-me de sempre ouvir falar em pesos, embora não me lembre o que diziam as notas do pré.
Recordo-me das bajudas em Bissau a vender mancarra, cada tampa meio peso.
Um abraço
BSardinha
Caros amigos,
Concordo com o Nelson, em passar a palavra aos historiadores, de facto, na Guiné existe e sempre existiu este aparente paradoxo entre a denominacao e a verdadeira moeda em circulacao. Penso que, de certa forma, o PAIGC quis acertar as agulhas quando (re)intruduz o Peso que num tempo historico recuado teria servido de medida (ver meio de troca) no territorio, da mesma forma que o Xelim.
De notar que o Peso é ainda a denominacao da moeda usada em alguns paises da América do sul.
No chao fula e junto as fronteiras com os paises vizinhos o escudo, a moeda utilizada nos territorios portugueses chamava-se NORA (deformacao da palavra nota)enquanto que o Franco CFA era BILLET (do Francés).
Abracos amigos,
Cherno Baldé
PS:
Esta minha constatacao deveu-se ao facto de que, no quartel em Fajonquito, eu recebia a compensacao do meu trabalho de Faxina em Escudos (dos quatro, cada um contribuia com 2.500 Escudos, salvo erro) e nao Pesos que ainda nao conhecia, antes de vir para a cidade.
Cherno
Etnocentrismo: termo que foi introduzido, no início do séc. XX, no vocabulário das ciências sociais e humanas, para designar a atitude de preconceito ou desconfiança em relação ao(s) outro(s) que é(são) diferente(s) de mim, de nós, do meu grupo... Ou, por outras palavras, a maneira de um grupo cultural (por ex., étnico-lingustico) se ver e se posicionar em relação ao(s) outros)...
O etnocentrismo não é exclusivo de ninguém: temos é que ser críticos em relação ao etnocentrismo, que é a porta entreaberta da xenofobia, da intolerância e do racismo...
Os guineense baptizam tudo e essa do Pês como pronunciam o Peso, pode como diz o Cherno, vir da tal troca no comércio, que era o negócio da permuta.
O Português montava um balcão e à volta de uma balança, pesava o arroz, o milho a mandioca o sal a cêra o chabeu e mancarra e colonizava conforme podia à volta da pesagem das coisas.
Mas o Peso=escudo, continuou com a independência.
Então vemos passados 10 anos o funcionário que no 25 de Abril ganhava 2 ou 3 contos, continuava a ganhar os mesmos contos, quando um pão já custava 1 conto, uma viagem com um cabrito na candonga custava 2 contos e 1 kg de vaca 10 contos.
Mas que campo de ensaio foi a Guiné...assim como neste rectângulo e ilhas.
Só Cabo Verde continuou com o escudo naquele país impossível.
Luís, evitar o etnocentrismo à custa de varrer etnias africanas para debaixo do tapete, é uma prática que já existe. Vai ser péssimo.
Caro Cherno,
Quando a Guiné-Bissau era uma Província Ultramarina de Portugal, a moeda em uso era o ESCUDO.
Igual ao ESCUDO da Metrópole?
Nã. Era diferente.
Não era emitido pelo Banco de Portugal, mas sim pelo Banco Nacional ULtramarino, que funcionava como Banco emissor para a Guiné, Cabo Verde e S. Tomé.
As notas tinham escrita a palavra GUINÉ, o que lhes dava a categoria de moeda própria daquele território.
Mas é verdade, que tanto os habitantes locais como os militares portugeses, liam "escudos" e pronunciavam "pesos".
Quanto ao casamento numa sociedade islâmica e tudo o que o envolve, sejam os seus contratos, a idade dos noivos ou o número de mulheres que cada homem pode ter, é um tema que os portugueses sempre tiveram muita dificuldade em "encaixar".
Os meus camaradas olhavam para o Chefe da Tabanca de Paté Embaló, que tinha quatro mulheres, todas a viver na mesma casa, da mesma forma que olhavam aquele Empresário Lisboeta, que também tinha quatro mulheres, embora cada uma na sua casa e que fingiam não saber umas das outras.
Claro que o Chefe de Paté Embaló estava dentro da lei e o Lisboeta estava em falta, por praticar poligamia...
A vida sempre foi muito complicada.
Um Abraço,
Manuel Amaro
Caro Cherno Baldé,
Deves estar a fazer confusão em relação aos escudos e aos pesos.Assim temos que qualquer miúdo ou bajuda que se dirigia a nós dizia "parte peso" independentemente de ser fula, mandinga ou balanta. Isto passava-se em Bigene, Binta, Guidage, Barro ou até em Bissau.
Quanto aos 2 500 escudos deves querer dizer 25$00 pois eles deviam receber entre 500$00 e 700$00 por mês.
Quanto aos casamentos é natural que pensassem assim pois nós ouvíamos dizer que tinha de se dar ao pai da noiva, Cola, Aguardente e uma vaca ou outro tipo de gado, portanto é natural que vissem as coisas por essa óptica.
Os únicos casamentos que se faziam de idades tão baixas eram promessas entre reis e raínhas de determinados reinos casarem os seus filhos príncipes e princesas mais tarde a ver se apanhavam os reinos uns aos outros e nós por vezes também gozamos com isso.
Um grande abraço para todos.
Adriano Moreira
Caro Manuel Amaro,
Obrigado pela tua contribuicao.
Devo esclarecer que a origem deste meu comentario deveu-se ao facto de Antonio Amaro, no seu texto, ter feito alusao a uma menina, sua lavadeira que, alegadamente, estaria "vendida" a outrem.
Eu nao defendo nem a poligamia nem os casamentos precoces e arranjados nas costas dos nubentes. Simplesmente a palavra "vendida" para além de incorreta é insultuosa vis-a-vis das populacoes a que se refere, por nao corresponder a verdade dos factos, pelo que vi-me na obrigacao de tentar chamar a atencao, ciente de que nao é nada deliberado da sua parte.
Hoje, a realidade do pais é muito diferente social e economicamente falando e nem imaginam o que significa ter um(a) companheiro(a)com filhos em casa, no meio das dificuldades economicas que se conhecem e na montanha de direitos adquiridos e inculcados mas que raramente sao acompanhados de medidas de atenuacao ou de obrigacoes de parte a parte.
Cherno Baldé
PS:
O ADMOR tem razao, é isso mesmo, eram 2,5 escudos (uma moeda pequena) e nao 2 contos e quinhentos (2.500), como disse antes.
Obrigado
Cherno
Rosinha disse: (...) "evitar o etnocentrismo à custa de varrer etnias africanas para debaixo do tapete, é uma prática que já existe. Vai ser péssimo" (...)
Queres exemplificar ?
António, tu conviveste ao longo da tua vida, com diferentes povos e grupos etnicolinguísticos, nos mais diversos contextos (trabalho, tropa, vizinhança...). E mais: eras um homem de mente aberta, capaz de aceitar e respeitar diferentes modos de vida, valores, representações, usos, costumes, mesmo não sendo os teus... E essa experiência deve ter sido muito enriquecedora: não serias o mesmo se tivesses ficado por cá, na tua santa terrinha... O mesmo se passou comigo...
Não sei se gostas do termo africanista, e se o termo é apropriado à tua situação... Nunca te vi como um "colon" (com tu gostas de te chamar na brincadeira)... Pelo que sei a expressão ou o termo ("colon", corruptela de "colonialista") não se pode aplicar a ti: sempre foste trabalhador qualificado, assalariado ou independente...
Agora é verdade, todos os povos (e todos os grupos) tendem a ser "etnocêntricos", incluindo os portugueses... Uns mais do que outros, e o etnocentrismo pode ser exacerbado pela religião, pela política... Os judeus consideravam-se como o "povo eleito", os chineses como estando no centro do mundo... Idem, aspas, os japoneses que, em 1543, quando lá chegámos nos chamaram bárbaros do sul, isto, estrangeiros, periféricos... Mas também o eram os lusitanos no tempo da conquista da lusitânia pelos romanos...
É arriscado fazer generalizações... A ideia que eu tenho é que o "rolo compressor da globalização" vai acabar por destruir a nossa diversidade cultural, que é um das nossas riquezas, como seres humanos...
O assunto dá pano para mangas... Boa noite. Luis Graça
Ao anónimo, anónimo
Posso não ser colonialista mas estive às ordens de uma colonização europeia em África.
Sou contra a descolonização extemporânea desadequada e desumana, e até seria completamente contra a colonização se eu visse que os diversos povos que conheci me achassem a mais no meio deles.
Nunca falei nem estudei qualquer idioma africano, portanto ninguém nessas condições pode ser africanista.
Talvez alguns comerciantes, ou chefes de posto ou religiosos europeus ou árabes poderão conhecer por dentro África.
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