sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10574: Notas de leitura (422): "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", de Manuel Luís Lomba (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,
Aqui fica a crónica dos acontecimentos que envolveram um conjunto de operações para afastar a guerrilha da mata de Cufar Nalu.
Terá sido o episódio que mais impressionou o então furriel Manuel Lomba que aproveita esta circunstância para analisar por sua conta e risco a luta armada vista dos dois lados, de acordo com o que leu e as opiniões que recolheu, antes e depois do 25 de Abril. Bem vistas as coisas, são memórias da guerra e uma análise política, um olhar contundente sobre o fim do Império. Há para ali parágrafos que não poderão ser sonegados ao que melhor a literatura da guerra irá acolher nas antologias a publicar.

Um abraço do
Mário


A batalha de Cufar Nalu (2) 

Beja Santos

As memórias “Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu” (por Manuel Luís Lomba, Terras de Faria, Lda., 2012) são uma peça singularíssima na literatura da guerra colonial, como foi lembrado no texto anterior. Toda a recordação da vida operacional da CCAV 703 aparece entremeada pelo enquadramento histórico e político, é um longo olhar do combatente como se pretendesse fazer o arco entre a chegada de Nuno Tristão até à independência da Guiné-Bissau, quase mesmo ao presente. Manuel Lomba, vê-se à légua, fez leituras e nos seus regressos à Guiné-Bissau fez muitas perguntas para encontrar uma elucidação dos acontecimentos. Quem pretende tocar em muitos assuntos, inevitavelmente corre riscos de ser contraditado. Não para atiçar a curiosidade do leitor que referi que há aqui pasto para controvérsia, o importante é ler tudo do princípio ao fim e não ficar condicionado pelas notas da recensão.

Pois estamos dentro da mata de Cufar Nalu, o furriel Lomba e os seus homens estão desarticulados, seguem sozinhos para um acampamento, entre explosões e gritos de mulheres e crianças e animais domésticos resolveram incendiar algumas moranças. O regresso será acidentado, muitos daqueles homens levam as tripas revolvidas, há para ali muita soltura de ventre, a noite caiu, aconchegaram-se sob a mortalha da noite tropical. Ao amanhecer, deu-se o agradável reencontro com a Companhia. As instâncias do comando mostraram-se furibundas, ameaçou-se com punição até que se descobriu que o rádio estava mesmo avariado. Final feliz para um episódio brilhantemente contado. Os sargentos do BCAV 705 vivam aboletados extramuros do forte da Amura, no rés-do-chão do que fora o consulado do Senegal, temos aqui matéria para regressar a Bissau e às comemorações do Natal de 1964. Afinal as três tentativas de assalto à mata de Cufar Nalu tinham redondamente falhado. A prosa agora divaga para as sabotagens a partir de 1962, no Sul da Guiné, é preciso entender como o PAIGC pôs toda a região em polvorosa. E em 16 de Janeiro de 1965 a CCAV 703 vai regressar à mata/santuário. Chegam a Cufar que ele assim descreve: “Um aglomerado fantasmagórico de casas de arquitetura colonial, de gente com patacão, hora todas em ruínas, consumidas por explosões e incêndios. Algumas buganvílias subsistiram, a crescer desordenadas, sob o que restava das balaustradas das suas longas varandas. O pomar de mangueiras, laranjeiras e toranjeiras também subsistira à intempérie bélica, cravejadas de estilhaços de bombas. No discreto canto das ruínas interiores da fábrica recolhemos publicações de Amílcar Cabral, umas versando as culturas do arroz e da mancarra na Guiné, outras de subversão e de doutrinação da sua guerra de libertação, emblemas e flâmulas do PAIGC e os livros, muito manuseados, Centro e Cinquenta Perguntas a um Guerrilheiro”.

Ergue-se a primeira vedação de arame farpado, montam-se emboscadas nas redondezas, algures nos trilhos entre a mata de Cufar Nalu e Boche Mende, aí os guerrilheiros têm plena circulação, por enquanto. Uma grande lala, com a extensão de talvez 2 km, entrepunha-se entre as ruínas da fábrica e a mata de Cufar Nalu. A guerrilha parece demorar a reagir à ocupação de Cufar. O autor enquadra os acontecimentos: “A operação Campo e a nomadização em Cufar da CCAV 703 tinha como missão criar a base de apoio às operações Alicate 1, 2 e 3 à até então inexpugnável mata de Cufar Nalu. O comandante-chefe investiu na sua complexidade o seu potencial disponível: a CCAV 703; todos os meios de ataque aéreo da base de Bissalanca; as CCAÇ 617 e 619, de Catió; a companhia de milícias de Catió, comandada por João Bacar Djaló; e o remanescente do Grupo de Comandos “Os Fantasmas”; e o eficiente apoio logístico e de patrulhamento fluvial da Armada”. E pelo que adiante ele dirá, a esquadra do pelotão de morteiros 912 veio de Jabadá para ficar adida a toda a força militar sediada em Cufar. Temos a descrição da construção dos abrigos e dos sucessivos patrulhamentos, um combate épico começa a travar-se. Chegou a hora das flagelações, as nossas tropas não se atemorizam, respondem com batidas e patrulhamentos ofensivos. Logo em 3 de Fevereiro, no âmbito da operação Alicate 2, "Os Fantasmas", reforçadas pela CCAÇ 617, voltaram a montar uma emboscada na acessibilidade à mata de Cufar Nalu, ter-se-á o mesmo procedimento na operação Alicate 3. Da mata, as demonstrações de força caem no interior de Cufar, os guerrilheiros estão dotados do canhão sem recuo 122, felizmente que os seus disparos não têm precisão, não destroem mais em Cufar do que já estava destruído. A descrição das flagelações é sempre viva, faz o leitor sentir a reação das nossas tropas numa grande angular. Iremos gostar de João Bacar Djaló e do capelão, este muito ativo, adaptou as ruínas da fábrica de descasco de arroz a capela improvisada, a imagem publicada no livro é elucidativa, a fé derrama-se em qualquer paradeiro por mais inopinado que possa parecer.

A 18 de Março, chegou ao cais do rio Meterunga o grosso do efetivo da CCAÇ 763, comandada pelo capitão Costa Campos, dotada de 8 cães de guerra, a CCAV 703 regressa a Bissau. No entanto, irá participar nas operações dos dias 10 e 11 de Abril à zona de Antuane, operação Faena, dias depois, igualmente ao lado dos fantasmas participará na operação Açor. Tenta-se de novo a sorte em afastar a guerrilha da mata de Cufar Nalu, em Maio, juntam-se as Companhias 728 e 764, a enquadrar o Batalhão 619 e a CCAÇ 13, de Catió; a Companhia 763 de Cufar; o Destacamento de Fuzileiros comandado por Alpoim Calvão, bem como duas esquadrilhas de bombardeiros T6, dois pelotões de granadeiros e autometralhadoras Fox e duas baterias de obuses 8.8. e escreve: “A famigerada base turra da mata de Cufar Nalu, apertada no anel de cerco e de fogo, por terra, mar e ar, não obstante a tenacidade dos turras defensores, o seu armamento pesado, o manto protetor da virgindade do seu mato, dos seus poilões, acabou por cair, as tropas tugas da operação Razia iniciaram o assalto ao início da manhã, de 15 de Maio, e entraram no seu reduto, abandonado ao meio da tarde. Segundo os intervenientes, os cães de guerra da Companhia 763 revelaram-se fantásticos. As chapas metálicas onduladas das suas 4 casas foram removidas e utilizadas na recobertura da parte da fábrica de descasque de arroz, para sede da Companhia 763, que viverá 3 meses nos abrigos subterrâneos, enquanto construía o aquartelamento”.

Depois, o autor abalança-se a escrever sobre a formação do estado da Guiné-Bissau, dá especial ênfase aos acontecimentos de 1973 e 1974 e detalha alguns aspetos relevantes do que se passou durante a fase de transição do poder. Podemos tomar este testemunho como o de alguém que viveu em pleno a série de operações que conduziram ao desbaratamento dos grupos do PAIGC implantados perto de Cufar e que igualmente aproveita para dar a sua própria interpretação sobre os acontecimentos da luta armada e da descolonização.

É uma obra sem precedentes, em que se matiza uma leitura histórica a pretexto da vivência de um conjunto de operações, neste caso na região Sul, em condições muito ásperas.
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Nota de CV:

22 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10554: Notas de leitura (421): "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", de Manuel Luís Lomba (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia Camarada
Vai ao AKY (urg)e compra um capacete.
O AGA (Kão) não deixará de atacar e necessitas de estar protegido.
Desta vez não sei como vai ser, mas prepara-te para levar com o SunTzu ou similar.
Um Ab. e obrigado
António J. P. Costa

antonio graça de abreu disse...

Muito obrigado, capitão AJP Costa, pela importância que me dá.

Vá ao AKI, vá, têm lá uns parafusos óptimos para aparafusar a mioleira.

Eu também uso.

Quanto a denominar-me AGA(Kão), o insulto fica para quem o faz.

Chamo-me António Graça de Abreu, tenho 65 anos, fiz a guerra da Guiné 72/74 em Teixeira Pinto,Mansoa e Cufar, como alf. mil.
Somos todos camaradas da Guiné.

Seu leitor atento,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Mas será possível !!!

Ofereço-me para ser intermediário...para fumarem o cachimbo da paz.

Paz aos homens de boa vontade..amen.

C.Martins

Anónimo disse...

Para o C. Martins
A minha ideia era avisar o Beja para o que iria suceder. Efectivamente, já no post anterior sobre esta matéria ele fora contrabatido com toda a agressividade, quer na substância e quer na forma, atitude de que discordo, mesmo com respeito pelo princípio da liberdade de expressão. Eu próprio já experimentei... e outros também foram devidamente zurzidos.
Por mim não fumo e muito menos cachimbo. Só posso abrir uma excepção.
Um Ab. do
António José Pereira da Costa