terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10860: Blogpoesia (311): Natal, Bambadinca, 24/25 de dezembro de 1969 (Luís Graça)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Miúdos católicos de Bambadinca, na parada do quartel, frente à igreja, em dia de cerimónia religiosa (possivelmente, crisma ou primeria comunhão...). Foto álbum de José Carlos Lopes,  furriel mil amanuense da CCS/BBCAÇ 2852.

Fotos: © José Carlos Lopes (2012). Todos os direitos reservados.


Bambadinca, 24 de Dezembro de 1969.
Natal nos trópicos!
Não consigo imaginá-lo sem aquela ambiência mágica
que me vem do fundo da memória.
Do meu cristianismo de infância terei apenas captado
o sentido encantatório do Natal
e a sua antítese,
que é o universo maniqueísta da Paixão.
Mas decididamente não vou fazer flash-back.
Cortei o cordão umbilical a frio
e da infância resta-me apenas 
a sensação do salto mortal.
Há, porém, certas imagens poéticas, 
recalcadas no subconsciente
ou guardadas no baú da memória,
que hoje vêm ao de cima. 
Por um qualquer automatismo.
Ou talvez por ser Natal algures,
far from the Vietnam,
longe da Guiné,
e eu passar esta noite emboscado.
O que não tem nada de insólito:
é uma actividade de rotina.
Mas é terrivelmente cruel a solidão deste tempo
em que os homens se esperam uns aos outros
nas encruzilhadas da morte,
os dentes cerrados
e as armas aperradas.

Em constraste, 
um bando alegre de crianças cabo-verdianas
não longe daqui, da Missão do Sono,
entoam alegres cânticos do Natal crioulo
ao som do batuque pagão.
No aquartelamanto, 
de que eu vejo apenas as luzes ao fundo,
ninguém se desejou boas festas
porque também ninguém tem sentido de humor.

Nem por isso se deixou de celebrar a Consoada da nossa terra: 
um pretexto para se comer, pouco,
o tradicional prato de bacalhau
com batatas e grelhos...desidratados
e sobretudo para se beber, muito.

Hoji, festa di brancu,
noite di Natal,
manga di sabe!,
 lembra-me um dos meus soldados africanos,
enquanto ao longe a artilharia do Xime e de Massambo
faz fogo de reconhecimento.

E eu fiquei a pensar neste tempo de silêncio, 
de coragem,
de cobardia
e de cumplicidade.
Mas também de raiva.

Bambadinca, 25 de dezembro de 1969.
Revisto, hoje,  Madalena, V. N. Gaia, 25 de dezembro de 2012
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10859: Blogpoesia (310): Em dezembro (Luís Graça)

1 comentário:

Tony Borie disse...

Olá Luis.
Natal, rabanadas, bacalhau, grelos e batatas, depois vem
Hoji, festa di brancu
Noite di Natal
Manga di sabe!.
E eu acrescento, this is a beautiful christmas message, thank you.
Um abraço, Tony Borie.