sábado, 16 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11101: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (4): Fui praxado, em Bissum Naga, e não vi nada de mal nisso... (Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez)

1. Mail do Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez, (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), que tem andado um tanto escondido  "escondido" por detrás do poilão da nossa Tabanca Grande:

Viva,  Luís,

Acabei de votar Concordo ( mau grado o secretismo que deve envolver as votações...)

E votei Concordo porquê ?

Fui praxado,e não vi nada de mal nisso, antes pelo contrário.  A praxe serviu para criar nos piriquitos a necessidade de sentirem a dura realidade da guerra, como que um acordar para a mesma mas também para os familiarizar com as dificuldades...

Há duas ou três situações que por muitos anos que viva nunca esquecerei...

Estávamos em sobreposição com a companhia que íamos render a Bissum/Naga,e à noite,na messe ouvíamos um alferes da companhia velha a "contar vantagem" (como diriam os brasileiros...). Era um operacional de truz,no mato tivera inúmeros contactos com o IN...  Os turras tinham-lhe medo pois ia para o mato com galões apensos (ao estilo AB...).

Viríamos a saber depois,  por um seu furriel, que se tratava de um faroleiro que se pisgava do mato sempre que podia...). Pois durante as suas divagações, pousou-lhe um mosquito num braço... Sem sequer fazer menção de o afastar do braço, olhou-o e disse : 
- Mas que falta de respeito é esta ? Com tantos piriquitos e vais escolhar a velhice ? 

Aquilo foi uma espécie de abanão para a consciencialização de que a comissão dele chegara ao fim e a nossa chegaria,ou não...

Outra situação,esta sim, verdadeira praxe, foi o convite formal, feito por um furriel velho, à malta para alinharmos numa tainada de galinha da Índia que ele supostamente teria abatido... Caberia aos piras o pagamento das bebidas...

"Entramos pela madeira dentro",como soe dizer-se,com a massa para as loiras, e fomos presenteados com uma travessa cheia de nacos de ave, besuntada em molho de piripiri e tomate ,para se parecer com a travessa que os furriéis velhos colocaram para eles próprios...

Só que a deles tinha nhec e a nossa abutre... Depois de termos "dado cabo" da nossa parte,disseram-nos então o que acabáramos de comer... Foi uma risada geral...

Fizeram-nos ainda durante as saídas noturnas em que ia uma secção deles, a "vida negra" ao obrigarem a deitar no solo completamente encharcado junto aos palmeirais (eles deitavam-se na parte seca) e passando a palavra afirmavam terem "embrulhado" várias vezes ali... 
- Está a deitar, nem um pio... 

A época das chuvas tinha começado...Quando regressávamos ao quartel,tínhamos a farda completamente enlameada em contraste com a deles... Acabaríamos depois por constatar estarmos pertíssimo do quartel, mas tínhamos dado voltas e mais voltas em irculos fechados, com o deita e levanta, que nos baralhara e amedrontara...
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11100: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (3): Também praxei "periquitos", em Cufar... (António Graça de Abreu)

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro Manuel Maia

As situações que relatas também me parecem não prejudicarem ninguém, bem pelo contrário, tendo em conta o 'enquadramento', no tempo e no lugar, em que ocorreram.

A questão que está em 'inquérito' é saber se se é de opinião de que as praxes são 'coisa' para se fazer, ou não.
A resposta pode ser simplista, do género 'sim' ou 'não' mas a realidade é mais complexa e é bem natural que, aliás como em quase tudo na vida', o busílis da questão não seja esse 'sim ou não' mas na 'dose', no tipo e conteúdo da praxe.

Como escrevi mais acima, as que te calharam em sorte terão servido certamente para enriquecimento dos intervenientes, em termos de grupo e em termos de 'conhecimento' do que os esperava, pelo que parece fácil concluir que foi uma 'boa praxe'.

Abraço
Hélder S.