1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.
GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU
1973/74
26 de outubro, sábado,15h00
Casa do Alentejo em Lisboa
Camaradas,
Com a distância do tempo a imperar sobre corpos gastos por uma longevidade que
já vai longa, mas que teima em preservar neste universo terrestre homens com
histórias hilariantes de guerra para contar, lancei um olhar subtil sobre a
nossa comissão militar na Guiné, sendo que dessa descida à realidade vivida em
Gabu, procurei indagar nas minhas memórias conteúdos reais observados,
concluindo que estes foram transversais a outras gerações de camaradas, não
obstante a data que coube a cada um de nós percorremos naquele território
distante.
Um território, aliás, fustigado pelos matos adensados, capins enganadores e
desafiantes, bolanhas q.b. infestadas de mosquitos, os tons avermelhados da
estéril terra, o pôr de sol alaranjado e sempre encantador, as chuvas intensas
que não davam tréguas, o cacimbo que arrepiava as nossas almas, bem como o
calor africano sempre excessivo constatado, entre outras circunstâncias que nos
deixarão saudades e eis-nos no presente perante um reviver de imagens, algumas
ténues, que teimam em bater com o nosso ego.
Sublinho, com ênfase, que fui um dos muitos milhares de militares que cruzaram
a guerra com a paz e que conheceu a realidade de um tempo que confirmava então
o fim do domínio português naquela antiga província ultramarina, assim como o
exaltar de um jovem país que resplandecia e se afirmava no continente africano
como nação independente.
GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74 é uma obra que atravessa
estilos semelhantes ao longo dos anos de luta, sendo certo que as exequíveis
verdades presenciadas fazem parte de um espólio das nossas vivências em solo
guineense.
Revejo as agruras de uma guerra no seu auge e que se deparou,
posteriormente, com o emblema da paz. Uma dualidade visionada de posições
anteriormente opostas, mas que marcarão eternamente o nosso sentir no decisivo
momento do adeus àquela terra que muito nos marcou.
Os textos expostos neste volume, não longos mas sucintos, mostram o essencial
de um olhar atento sobre o contexto de uma guerra cruel que não dava folgas e
que se predispunha a autênticas incertezas num terreno que, para nós, se
apresentava, a meu ver, diametralmente desigual, tendo em conta que o IN
conhecia perfeitamente os terrenos que pisava e a razão da sua luta.
Fui ao fundo do baú do meu passado, e beneficiando de uma memória que teima em
manter-se em absoluta atividade, soltei as amarras dos tabus e eis-me a
mergulhar livremente no planalto da saudade, trazendo a público as mais
diversificadas conjunturas por mim vividas em terras de Gabu.
Não me refugiei, por uma questão de ética e de honra, nos sons estridentes dos
tiros ou no desenhar de puzzles que conduziam à preparação de
estratégicas operações trabalhadas no palco do conflito. Não ajuizei pretensos
cenários em confrontos diretos com o IN.
Procurei, isso sim, mexer com assuntos que implicitamente escondiam, e escondem, o clamor da peleja. Somos humanos e como tal as análises feitas por cada um de nós obedecem a opiniões por vezes diferentes. Neste contexto, não desafio atos de bravura, cinjo-me, sim, a singelas dissertações que mexem com foros literalmente verídicos e que nos brindam com assuntos por nós vividos.
Procurei, isso sim, mexer com assuntos que implicitamente escondiam, e escondem, o clamor da peleja. Somos humanos e como tal as análises feitas por cada um de nós obedecem a opiniões por vezes diferentes. Neste contexto, não desafio atos de bravura, cinjo-me, sim, a singelas dissertações que mexem com foros literalmente verídicos e que nos brindam com assuntos por nós vividos.
Adianto, porém, que não tranquei em exclusivo a minha caixa de pandora com os
problemas vividos em campos de batalha, mas lancei ecos noutras direções que
trazem evidentes burburinhos sociais, costumes tribais, entre outras temáticas
registadas que mexem, em particular, com a intimidade de jovens militares
entregues então ao destino.
Camaradas, nas minhas memórias de Gabu relato, também, a forma como a
hierarquia tribal impunha regras tacitamente herdadas dos seus antepassados. A
ordem de partilha imposta pela tribo. A maneira hábil como uma população sabia
viver encaixada com duas frentes de guerra. O sexo praticado ao longo da
campanha. Os filhos do vento com a menina de Gabu. O djubi Alberto, meu companheiro. A festa
tradicional nas tabancas indígenas com o fanado. As colunas. As noites no mato.
O Natal de 1973. As lavadeiras. O batismo de fogo. Motes interessantes, entre
muitos outros, para puxar pelas nossas memórias mesmo frágeis que elas
porventura hoje se apresentem.
Nesta apresentação da obra que farei na Casa do Alentejo em Lisboa, no próximo
dia 26 de outubro, sábado, a partir das 15h00, contarei com a presença de
camaradas que comigo dividiram o conflito na Guiné e deixarei, obviamente,
dicas para que todos, em conjunto, apreciarem e tirarem ilações contundentes,
espero, de um pedaço das nossas vidas que marcaram, inquestionavelmente, os
verdes anos da nossa juventude.
Luís Graça, autor do prefácio e fundador do nosso blogue, será o camarada
que dissecará os ventos trazidos pelo livro GUINÉ-BISSAU AS MINHAS
MEMÓRIAS DE GABU 1973/74, numa tarde cultural onde os sons do Alentejo se farão
ouvir.
Lisboa é uma região onde abundam antigos camaradas que percorreram os trilhos
da Guiné. E é justamente a eles que dirijo o meu convite para uma profícua
presença de gentes que continuam a navegar, tal como eu, no campo da saudade.
Até breve!
Em novembro, provavelmente, estarei no Museu Militar do Porto. Depois informo.
Um abraço camaradas, José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
2 comentários:
Grande Amigo José Saúde, lá estarei no dia 26 de Outubro, não só para assistir á apresentação das tuas "Memórias de Gabu", mas também para te cumprimentar!
Um Abraço Amigo.
Pedro Neves.
Meu caro José Saúde:
Apesar de já possuir o livro e de o ter lido com muito gosto, tenho intenção de estar presente mas, a esta distância de tempo, não o posso garantir.
Um grande abraço do
Manuel Joaquim
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