domingo, 4 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15199: Libertando-me (Tony Borié) (37): Tirar férias na guerra

Trigésimo sétimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 29 de Setembro de 2015.




Tirar férias na guerra

O comandante Luís sugeriu algo importante, não é um simples “explicar de vida na guerra”, é mais, consoante a história de cada um, podemos analisar muitas mais coisas, como por exemplo os militares solteiros sem namorada, poderiam vir à então Metrópole, no conceito de ver a família ou amigos, os solteiros com namorada, talvez fosse isso tudo, mais o amor, os casados sem filhos, era isso tudo, mais passar tempo com a esposa, os casados com filhos, era isso tudo, mais ver e abraçar os seus descendentes, enfim, o seu estado civil tinha muita influência nessas decisões e, os que não tinham pai, mãe, esposa ou namorada, com certeza não tinham lá muita vontade de vir de férias à então Metrópole, sabendo que tinham que regressar de novo à zona de guerra, como era o caso do Curvas, alto e refilão.

Depois havia os outros, que o motivo de não virem à então Metrópole, eram os seus recursos financeiros, este talvez fosse o motivo mais importante e em maior número, havia aqueles que se habituaram ao ambiente de África, de cativeiro, àquela muito pequena comunidade de “irmãos de guerra”, onde algumas vezes tirando “férias na guerra”, por um dia ou umas horas, trajando civilmente com roupa emprestada por companheiros, a que chamávamos “roupa da comunidade”, era um pequeno grupo de amigos, dois, três, quatro ou cinco e, também decidiam vir para Bissau ou mesmo para Bolama, na altura pacífica e com praias que só os naturais conheciam, talvez por um período de uma semana no máximo. Também havia aqueles que única e simplesmente tiravam licença fora das suas tarefas e por lá ficavam no aquartelamento, vadiando pelas tabancas, bebendo álcool e fumando cigarros não muito recomendáveis, nos quais nós éramos incluídos, porque talvez derivado à nossa falta de formação escolar e recursos financeiros, entre outras coisas, entendíamos que não devíamos fazer planos para viagens dessas, pois os nossos planos eram muito curtos, eram planos até ao próximo sábado à noite, quando se levava a “bajuda” amiga e querida ao cinema ao ar livre, que existia na sede dos Balantas, lá em Mansoa.


De um modo ou de outro, a condição financeira, a educação escolar, portanto, a patente militar ou o seu estado civil, eram muito importantes nessas decisões, nós por diversas vezes viemos a Bissau acompanhando companheiros que viajavam nos aviões militares, ficando nós a pensar como seria agradável viajar para a civilização, mas muitas vezes não tinham lugar no referido avião, então ficávamos em Bissau por um ou dois dias, vagabundeando pelos cafés e dormindo no aquartelamento da base dos pára quedistas onde o “Zargo” nos proporcionava cama, bebida e comida.

Naquele tempo havia uma curiosidade, que a nós nos fazia ficar algo excitados, era o pensamento de estar num lugar exótico, onde as pessoas trajavam motivos também exóticos, com savanas, pântanos, casas cobertas de colmo, num clima de calor infernal com chão de terra vermelha, em algumas áreas consideradas zonas perigosas, que eram zonas de guerra e, passado umas horas, estar na civilização de Lisboa, isso fazia alguma confusão que nos excitava.

Tony Borie, Outubro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15166: Libertando-me (Tony Borié) (36): ...tal e qual uma árvore centenária

4 comentários:

José Botelho Colaço disse...

Tony o patacão ponto nevrálgico das férias do soldado tuga.
Um abraço.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Já comentei este facto em diversos locais e, se calhar, aqui também.
A morte dos majores foi uma maneira do PAIGC se afirmar pela bestialidade "para gastos de casa". Tratou-de de uma operação psicológica semelhante a tantas outras que sempre se fizeram noutras guerras, civis ou entre potências, através das quais se pretende instigar a mudança de campo de um grupo, mais ou menos numeroso, de elementos do campo oposto. É provável que o PAIGC se tenha apercebido da finalidade da operação e tenha agido em conformidade, mas tinha todas as possibilidades de conduzir os sete prisioneiros para o Senegal, tanto mais que as operações das NT estavam suspensa no momento e que as buscas para os encontrar foram desencadeadas com cerca de 5 horas de diferença. O PAIGC não tinha, portanto, necessidade nenhuma de os matar - à catanada, como foi o caso ou a tiro - podendo tomá-los como prisioneiros do que poderia tirar dividendos (muitos) a nível político. Teve tempo para isso e não tirou qualquer espécie de vantagem da sua actuação selvática, que nada justificou. Não tenho memória de um tratamento semelhante por parte dos "colonialistas, salazaristas e imperialistas" sobre quaisquer prisioneiros que se tenham feito.
Um Abraço
Ant´nio J. P. Costa

António J. P. Costa disse...

Olá Tony
O meu comentário não era para este post.
Creio que o erro (meu) vai ser corrigido.
Um Abraço e pedidos de desculpa.
António J. P. Costa

Hélder Valério disse...

Meu caro Tony

As tuas reflexões são como que complementares ao já variado leque de observações que foram sendo feitas a propósito do tema.
Realmente, como salienta o Colaço, o 'patacão' será o grande decisor, mas também não deixa de ser verdade todo o conjunto de coisas que referes.

Achei piada àquela parte do "fumando cigarros não muito recomendáveis"... então o que é que andavam a fumar? coisinhas para fazer rir?

Abraço
Hélder S.