segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15316: Historiografia da presença portuguesa em África (65): Do Hospital colonial (1902) ao Hospital do Ultramar (1958) e ao Hospital Egas Moniz (1974)

1. Temos aqui falado pouco (ou quase nada) da história dos serviços de saúde militares, na metrópole e "além-mar"...

Há na "Revista Militar" uma resenha cronológica com a sua evolução desde há 200 anos (1801-2012). Para os interessados, merece uma leitura o artigo de Rui Pires de Carvalho, ten cor - Factos relevantes da saúde militar nos últimos 200 anos" (Revista Militar, nº 2544, janeiro de 2014). Curiosamente, e certamente por lapso, não há uma referência à criação do Hospital Colonial de Lisboa, em 1902. O facto relevante desse ano é a criação a “Escola de Medicina Tropical”, instalado na Cordoaria, precursora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical.

Provavelmente para o autor o "Hospital Colonial de Lisboa" era considerado um hospital civil. E, no entanto, as duas instituições estão ligadas, pelo seu nascimento comum em 1902, por lei de 24 de abril. O Hospital Colonial de Lisboa destinava-se expressamente ao "tratamento dos oficiais militares e praças de pré que regressa(vam) do ultramar". Junto a este estabelecimento, provisoriamente instalado na (Real) Cordoaria, é "criado o ensino teórico e prático da medicina tropical" (base 7ª). Também podiam ser tratados neste hospital os empregados civis e eclesiásticos das províncias ultramarinas (como então se dizia, e não colónias...).

A direção e o serviço clínico eram assegurados por "pessoal técnico" da Repartição de Saúde da Direção Geral do Ultramar. Entretanto, por decreto de 28 de fevereiro de 1903 (Ministerio da Marinha e Ultramar — Diario do Governo, n.° 85, de 20 de abril) é  aprovado o regulamento do Hospital Colonial de Lisboa.

As preocupações com a saúde súplica e a medicina tropical fazem parte do discursos dos dirigentes (e da elite médica) das potências  coloniais de então. Em 1899, são criadas as Escolas de Medicina Tropical de Liverpool e de Londres. E, na Alemanha, surge no ano seguinte a escola de Hamburgo. Em 1906 é fundada em Bruxelas a "École de Médecine Tropicale”, com a missão de preparar os médicos e enfermeiros  destinados às colónias belgas. Patrick Manson, fundador da London School of Tropical Medicine, em 1899, tinha sido nomeado dois anos antes como conselheiro médico do "Colonial Office" pelo primeiro ministro Joseph Chamberlain.

Um dos grandes nomes da medicina portuguesa do virar do século, Miguel Bombarda, proferia as seguintes palavras,  em 26 de outubro de 1901, numa comunicação à Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa:

"(....) A colonialização não é somente uma questão social e económica, mas ainda uma questão de higiene e uma questão de patologia. A prosperidade e a riqueza de uma colónia dependem primeiro que tudo das facilidades de vida que lá podem encontrar os elementos colonizadores. Desgraçado povo aquele que das sua colónias só pode arrancar ouro à custa de sangue! Desgraçadas riquezas aquelas que se conquistarem à custa do depauperamento da metrópole pelas vidas ceifadas e pelas existências mutiladas! Todos os dispêndios empregados em salvar vidas não podem senão redundar em riqueza e prosperidade nacionais. O remédio para os graves riscos que importa uma colonialização empreendida às cegas está na intervenção da medicina, com os altamente poderosos recursos de que dispõe na actualidade. A Inglaterra, a Alemanha e a França acabam de o reconhecer pela criação de centros de estudo e de ensino que hão-de simplesmente converter-se em facilidades colonizadoras e em prosperidade colonial" (...).

No entanto, Portugal tem pergaminhos a defender nesta como noutras áreas do saber. O  nosso Garcia da Orta (Castelo de Vide, c.1501-Goa, 1568) é considerado um precursor da medicina tropical, bem como da botânica e da farmacopeia orientaism enquanto autor do tratado "Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia", editado em Goa em 1563.

Mas já em meados do se´c. XIX tinha sido apresentado um  projecto de lei, em 1855,  sobre o ensino da medicina tropical, da autoria  de Pinheiro Chagas. Mas foi a Escola Naval que seria pioneira no ensino da medicina tropical, em 1887, promovida por lei de 25 de agosto desse ano, de Henrique Barros Gomes, filho do capitão de fragata médico naval Bernardino Barros Gomes. Quatro anos depois, em 1901, é de destacar, pelo seu pioneirismo, a missão do sono a Angola, chefiada por  Aníbal Bettencourt, director do então Real Instituto Bacteriológico.

Não se pode falar do Hospital Colonial sem, antes, evocar o grande Hospital Real de Todos os Santos, inaugurado em 1504 por D. Manuel I, e que, de acordo com o seu regulamento, tinha também por missão acolher todos os "doentes do mar" (!), ou seja, todos os nossos marinheiros, soldados e exploradores  que chegavam de viagem a Lisboa (Vd. aqui artigo de Luís Graça, na sua página pessoal, Saúde e Trabalho: refira-se  também aqui a existência de mão de obra-escrava, de origem africana, exercendo funções de ajudante de lavadeira e  com direito apenas a pagamento em géneros: alimentação, alojamento e vestuário).
















Fonte: Portugal > Assembleia da República > Legislação régia > Lei, 24 de abril de 1902 > "Lei (Ministerio da Marinha e Ultramar — Diario do Governo, n.° 98, de 3 de maio) auctorizando o Governo a criar um hospital colonial e o ensino da medicina especial dos climas tropicaes, segundo certas bases (Erratas no Diario do Governo, n.º 100)".


2. Este hospital (1902) vai estar na origem do Hospital do Ultramar (1957), mais tarde Hospital Eghas Moniz, hoje integrado no CHLO - Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE. Do sítio oficial, na Net, do CHLO, tomamos a liberdade de reproduzir o seguinte excerto,  com a devida vénia;


 História do Hospital Egas Moniz

(...) "A independência do Brasil, em 1822, veio desferir um rude golpe no Império Colonial Português, que até à data, e passado o período dos descobrimentos, fizera Portugal alicerçar a sua economia na riqueza daquela colónia. Havia pois que encontrar 'novos Brasis'.

"O que restava do Império não eram territórios desprezíveis na sua dimensão. Mas do ponto de vista económico e do seu desenvolvimento não tinham qualquer expressão. Os 'Domínios Asiáticos' constavam das parcelas de Salsete, Bardês, Goa, Damão, Diu, dos estabelecimentos de Macau e das ilhas de Solor e Timor, constituindo, no seu todo, um único governo geral. Os 'Domínios Africanos' consistiam num conjunto de territórios espalhados pelas áreas Africano-Atlântica e Índica, constituindo, no seu todo, três governos gerais o de Cabo Verde e Guiné, o de Angola e o de Moçambique e um governo particular o de São Tomé e Príncipe e São João Baptista de Ajudá.

"A viragem a África, já que do Oriente pouco havia a esperar, toma corpo com o projecto global de fomento ultramarino impulsionado por Sá da Bandeira. Nessa linha, iniciam-se as viagens de exploração, como as de Capello e Ivens, e tomam-se medidas conducentes à efectiva exploração e desenvolvimento desses territórios. Para tal, e dada a resistência oferecida pelas tribos locais, iniciam-se campanhas militares com vista à sua pacificação e que vão progressivamente envolver contingentes militares significativos.

"A nível internacional a Europa 'acorda' para África, passando a repartir o continente entre as grandes potências de então: Inglaterra, Alemanha, França, Bélgica e Itália.

"Um movimento que se cristaliza na Conferência de Berlim, na qual se abandona o argumento histórico, em que Portugal sempre alicerçara os seus direitos, e se adopta o princípio da ocupação efectiva. Doravante, toda a nação europeia que tomasse posse de uma zona da costa africana ou nela estabelecesse um 'protectorado', teria que notificar esse facto aos restantes signatários, para que as suas pretensões fossem ratificadas. Além disso, o ocupante deveria provar que dispunha de 'autoridade' suficiente para fazer respeitar os direitos vigentes e, se fosse o caso, a liberdade de comércio e de trânsito. Por outro lado, o Tratado Anglo-Alemão de 1886 introduziu a noção de 'esferas de influência', à qual se acrescentava a de 'hinterland', que permitia a ocupação de áreas interiores ilimitadas às nações possuidoras das correspondentes áreas costeiras.

"A este contexto internacional, Portugal via a sua acção dificultada por uma crise interna, de natureza política, social e económica. Tendo visto negado o seu projecto do 'Mapa Cor de Rosa', unindo as duas costas africanas entre Angola e Moçambique, concentrou-se então na efectiva ocupação e desenvolvimento dos territórios que lhe foram reconhecidos internacionalmente.


"O Hospital Colonial de Lisboa sob a égide do Ministério das Colónias foi criado por Carta de Lei de 24 de Abril de 1902 e inicialmente ficou instalado no Edifício da Cordoaria, onde também funcionava o Instituto de Medicina Tropical.



"Tinha como objectivo dar assistência médica funcionários civis e militares, que regressavam do Ultramar em condições físicas deploráveis com doenças infecciosas.

"Em 1919 o Estado adquire a Quinta do Saldanha à Junqueira para aí construir um Pavilhão de Internamento, que foi inaugurado em 1925 e que, por ter sido construído a expensas de Macau recebeu o seu nome.

"Nos edifícios existentes da quinta funcionava a enfermaria tropical que se destinava a tratar indigentes vindos do Ultramar.

"Em 1948, por despacho do Sr. Ministro do ultramar (tinha-se entretanto mudado o nome do Ministério, o que consequentemente mudou também o nome do Hospital), decidiu-se aumentar o Hospital do Ultramar com serviço de cirurgia, pavilhão de doenças infecto-contagiosas, radiologia e análises clínicas.

"Em 1953 concluiu-se o Pavilhão de Doenças Infecto- Contagiosas que ficou separado do edifício principal. Actualmente está ligado ao restante Hospital por um corredor de acesso que designamos por 'manga'.

"Em 1957 é inaugurado o Hospital do Ultramar com a conclusão das obras do edifício de Medicina e Cirurgia e restantes serviços. A sua construção aproveitou o então pavilhão de Macau que actualmente não é visível.

"O Hospital ficou organizado por serviços de 1.ª, 2.ª e 3.ª Classe, por um Pavilhão de Doenças infecto-contagiosas e pela Enfermaria Tropical (Tropical Homens e Tropical Mulheres). O Hospital tinha como objectivo não só o tratamento dos doentes, mas também, em colaboração com o Instituto de Medicina Tropical dedicava-se à investigação e ao ensino pós- graduado em doenças tropicais e infecciosas, para os médicos que se deslocavam para o Ultramar.

"Em finais da década de 60 o Hospital do Ultramar já não conseguia corresponder às muitas solicitações, pelo que se decidiu construir um novo edifício de 8 pisos, que ligado ao edifício velho fez desaparecer a sua entrada.

"Este edifício entrou em actividade em 06/03/1975 e por força da extinção do Ministério do Ultramar passou para a dependência do Ministério dos Assuntos Sociais - DL 506- B/75- tendo passado a designar-se por Hospital de Egas Moniz (portaria 623/74) uma vez que, nesse ano, ocorria o centenário do Prof. Egas Moniz.

"Em 2002 através do decreto-lei n.º 278/2002 de 9 de Dezembro o hospital é transformado em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, com a designação de Hospital de Egas Moniz, S.A.
"Em 29 de Dezembro de 2005, o hospital foi integrado no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., juntamente com os Hospitais de Santa Cruz e de S. Francisco Xavier." (...)

Texto e fotos: Cortesia de CHLO - Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE > História do Hospital Egas Moniz

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15309: Historiografia da presença portuguesa em África (59): Cem pesos era "manga de patacão" para o camponês guineense, produtor de mancarra... Era por quanto venderia um saco de 100kg ao comerciante intermediário... Em finais de 1965 o governo de Lisboa garante a compra pela metrópole da totalidade da produção exportável da mancarra guineense e fixa o preço por quilo em 3$60 FOB (Free On Board)

2 comentários:

Anónimo disse...

Se esteve e conhece a Guiné, como certamente deve conhecer também guineenses, conhece Arcena, que fica em Alverca do Ribatejo?

Luís Graça disse...

Escreveu o Álvaro de Campos / Fernando Pessoa, no seu genial poema "Opiário", dedicado a Mário de Sá Carneiro:

(...) "Pertenço a um género de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes."

... A nossa crise existencial (e identitária ?) vem daí... Cem anos para descobrir o caminho marítimo para a India, chegar lá, ver e vencer... E depois ?... Ficámos "desempregados"...

Portugal e os portugueses foram pioneiros em muitas coisas, até na saúde... È bom lembrar, e isso reconforta-nos, inspira-nos, dá-nos forças para continuar a existir... LG