1. Porque o Natal é quando o Homem quer e porque o nosso camarada Manuel Luís R. Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ
4512, Jumbembem,
1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma),
quis fazer a sua prova de vida, aqui temos uma ternurenta Fantasia de Natal enviada ao nosso Blogue ontem, dia 9 de Janeiro de 2015.
Amigo Carlos Vinhal:
Recebi recentemente um e-mail do nosso camarada Luís Graça, que tu também deves ter recebido, manifestando a sua preocupação em chegar ao ponto de recear telefonar para qualquer um de nós, temendo que o seu contacto seja já inoportuno, pedindo para dizermos "Ok, ainda estamos cá", como prova de vida.
Estando a rapaziada toda já "entradota", compreendo a sua preocupação.
Pela parte que me toca, aqui estou a dizer "OK, ainda estou por cá", enviando-te em anexo um texto para, se o entenderes, o publicares.
É um excerto do meu novo livro autobiográfico, prestes a ser editado, que contém uma mensagem de Natal, embora já um pouco extemporânea, para todos os companheiros.
Agora, amigo Carlos, com a publicação deste texto, ou a rapaziada gosta e vai adquirir o livro, espicaçada que foi, assim, a sua curiosidade, ajudando-me a escoar os livros que as editoras me "obrigam" a adquirir, mesmo sendo o autor, ou não gostam mesmo nada deste naco de prosa e o destino dos livros, além de um ou outro que vou por na estante, é uma pilha a um canto da garagem.
Como vês amigo, ainda cá estou e com algum sentido de humor.
Envio-te também uma fotografia para ilustração.
Um abraço para ti e para todos os companheiros, e respectivos familiares.
Bom Ano de 2016
Manuel Sousa
Fantasias de Natal…
Sempre me disseram, em criança, alimentando a minha fantasia, que o Menino Jesus, que eu via
habitualmente num dos altares da Capela de S. Luís, - Folgares, Vila Flor - muito pequenino, de feições
angelicais, de cabelo loiro, vestido com umas vestes brancas e resguardado numa redoma de vidro, nos
visitava na altura do Natal, entrando pela chaminé, para deixar uns presentes nos sapatos que ali
encontrasse.
Como é que aquele ser tão frágil e indefeso, – pensava comigo próprio, embora criança – tinha o
vigor físico para, pela calada da noite, ao frio, à chuva ou à neve, subir ao telhado da nossa casa e
descer depois ao interior, com a dificuldade acrescida de ali não existir qualquer chaminé? As chamas
da fogueira crepitavam livremente até ao tecto, saindo o fumo por entre as telhas.
Mesmo assim, pelo sim e pelo não, na noite de Consoada, à falta de sapatos, lá ia colocando os
socos junto à lareira, condição essencial para Ele deixar os presentes, segundo me diziam, na
expectativa de que aquele Menino seria mesmo capaz de vencer tais obstáculos e descer através das
"lares" para me deixar qualquer coisa – um carrinho, uma gaita. Oh...! Que alegria seria a minha.
No dia seguinte, ansiosamente, bem cedo, ia ver os socos que, para minha decepção e tristeza,
continuavam intactos e sem qualquer presente. A explicação dos meus pais era a de que ele não teria
brinquedos suficientes para todas as crianças, mas que, provavelmente, no ano seguinte seria a minha
vez, ou então, diziam-me, que ele não teria entrado pelo facto de a nossa casa não ter chaminé e de não
querer "enfurretar" as suas vestes alvas de neve na fuligem das "lares".
Serviam-me de algum consolo estas explicações e consolidava-se em mim aquela ideia de que o
Menino Jesus, tão frágil, correndo o risco de se partir o barro de que era feito, não seria capaz de subir
ao telhado da nossa casa. Isto por um lado. Por outro, chegava a pensar que Ele discriminava os meus
socos, visto que o habitual, segundo me diziam, era porem-se na lareira na noite de Natal os
sapatinhos. Coisa que eu não tinha.
Num desses anos da minha meninice, também por altura do Natal, encontrava-me na aldeia da
Carrapatosa, onde passava alguns períodos com a minha avó materna. Mais uma vez, na noite de
Consoada, levado pela mesma fantasia, a minha tia Aninhas aconselhou-me a colocar os socos no
canto da lareira antes de ir para a cama. Com alguma relutância o fiz, pela experiência anterior e visto
que a casa da minha avó também não tinha chaminé.
No dia seguinte, bem cedo, "inspeccionados" os socos, para minha surpresa e alegria, estavam
atacados de rebuçados. Como criança que era, rejubilei de felicidade! Perante esta realidade, e não
perdendo tempo em trincar e chupar alguns deles, percorrendo com o olhar toda a altura entre o tecto e
a lareira, não pude deixar de pensar que o Menino Jesus da Carrapatosa era muito mais audaz do que o
da minha terra, e imaginava como as suas vestes teriam ficado negras pela fuligem do cadeado das
"lares", por onde ele teria descido feito alpinista.
Logo nesse dia, na ida à missa de Natal com a minha avó, a tia Aninhas e os meus primos, à Capela de Santa Luzia, tive a curiosidade de reparar na sua imagem, supondo eu, pelo que fez durante a
noite, que estaria toda enfarruscada de fuligem.
Para minha admiração, estava imaculadamente limpa, como era habitual, o que me deixou
pensativo, concluindo que aquele menino em nada se comparava a outro qualquer. A mim, por
exemplo. Porque se eu fizesse o que ele fez, a minha roupa estaria que nem a de um carvoeiro,
impregnada de pó negro da lareira.
Só mais tarde tive a noção de que o Menino Jesus, para não se sujar e não apanhar o frio da
noite, fez o cambalacho com a tia Aninhas, que era mordoma da capela, incumbindo-a de ali colocar
os rebuçados, que Ele tinha requisitado na taberna, do Eugénio ou do Cassiano de Campelos, para
serem debitados na Sua "conta". Aqueles a que eu tinha direito – os socos estavam repletos – em
compensação dos anos anteriores que não me tinha trazido nada.
Que Menino Jesus nos abençoe a todos em geral e, especialmente, os ex-combatentes.
Manuel Sousa
____________
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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11 comentários:
Manuel Sousa, primeiro de tudo, folgo em saber que estás vivinho como a sardinha da costa (, embora esta esteja um pouco arredada das nossas mesas, nos últimos anos, por ordens expressas dos patrões de Bruxelas e quiçá das mudanças climatéricas que a afugentam para outras águas...).
Está feita a prova de vida!... E porta-te bem até para o ano.
Em segundo lugar, deixa-me dar-te os parabéns pelo livro que estás a ultimar com a tua história de vida. Fico orgulhoso de ti enquanto enquanto camarada e membro da nossa Tabanca Grande...
Por fim, e não menos importante, tenho que te dizer que a tua história de Natal é linda em qualquer parte do mundo e em qualquer dia do ano... Senti-me reportado à minha infância... E o talento do escritor é isso mesmo, é fazer despertar emoções no leitor...
Gostei da qualidade da escrita, fluída, apurada e rica em regionalismos transmontanos que eu não conhecia, como "as lares" ou o verbo "enfurretar".
Manda notícias sobre o livro quando estiver pronto!... Luís Graça
Amigo e companheiro Luís Graça: Obrigado pelo teu simpático comentário, ao teceres elogios ao meu conto de Natal, excerto do meu livro autobiográfico já em fase de registo no IGAC (Inspecção Geral das Actividades Culturais), formalidade que antecede a sua edição e publicação.
Sobre os regionalismos "lares" e "enfurretar", foi anexado ao livro um glossário que descodifica estes entre muitos outros vocábulos utilizados naquele bonito recanto transmontano, a minha terra, que eu fiz questão de, naquela obra, evidenciar.
No final deste texto aqui publicado, devia ter explicado o seu significado, mas, na altura, não me ocorreu. Assim aqui vai a explicação, quer para ti, quer para os demais que o venham a ler:
As "lares" consistem num cadeado de ferro ou arame suspenso no telhado sobre a lareira,onde é dependurado um balde de lata, destinado ao aquecimento de água ou à cozedura de comida para os animais. A expressão "enfurretar", significa enfulijar.
Um abraço.
Manuel Sousa
Camarada e amigo Manuel Sousa:
Tu além de uma prova de vida dás-nos como sempre uma prova de verdade e autenticidade.
Retratas muito bem esse pobre Menino Jesus transmontano, tão atarefado em dar prendas a todos, mesmo que modestas, e que nem sempre chegavam para todos no mesmo ano.
Desses tempos de garoto (os meninos eram só os filhos das casas grandes) recordo-me da ansiedade e expectativa com que me levantava no dia de Natal para encontrar no sapato um chocolate pequeno que provavelmente seria o único que recebia durante um ano. Meninos Jesus na igreja conhecia dois. Um deles com a aparência de uma criança com três ou quatro anos que estava permanentemente num altar perto do local onde a minha família ficava. Sempre com vestidos fidalgos parecia ser mais um filho das mulheres e dos homens da casa grande, que ocupavam sempre o espaço junto desse altar de Nossa Senhora, que essas senhoras arranjavam.
Meu vizinho de tantas missas dominicais e outras, não deixava de ter um ar simpático.
O outro, o Menino Jesus pobre só saia da sacristia, onde estava guardado, na época do Natal. Chamo-lhe pobre porque nesses dias frios de geadas ou neve, com as mulheres embrulhadas nos xailes e os homens de samarras ou capotes, esse Menino era apresentado a todos para o beijo ritual quase nu, apenas com uma espécie de fralda a cobrir-lhe o sexo.
Obrigado desde garoto a rezar tantos terços à lareira nos serões do tempo frio e a assistir a tantas missas e outras cerimónias religiosas, por rebeldia tornei-me quase um descrente. Apercebi-me muito cedo que quem punha o chocolate no sapato, no meu caso no quarto. era a minha santa mãe, depois de nós adormecermos ou ela pensar tal. Durante anos entrei nesse jogo de faz de conta que até era agradável.
O Natal estava para mim associado a esse tempo frio e seco, às geadas, aos nevões, às grandes fogueiras, a ceia do polvo, dos "trochos" e das rabanadas, comida à lareira, sentados nesses bancos compridos, com as "preguiceiras" baixadas a servir de mesas. Estava associado à fogueira do galo e à missa do galo em que o meu vizinho esse Menino Jesus rico estava resplandecente no altar, com um vestido novo e o Menino Jesus pobre dava os pés a beijar a todos para lhos aquecerem.
Como nós sabemos essa época de Natal das nossas terras era tão rica em costumes e tradições, que sobre elas, poderiamos fazer um poste diferente todos os anos.
Um grande abraço
Camarada e conterrâneo Manuel de Sousa:
Os Lares entre os romanos, eram os deuses da casa e da família, "as lares" como tu bem explicas ao Luís Graça, eram realmente tão úteis a essa pequena economia caseira que envolvia gentes e animais. Por ser uma invenção tão útil, teriam essa origem divina? Desses tempos recordo que a caldeira estava quase sempre pendurada nelas, sobre o lume, para aquecer a água para lavar a louça ou para aquecer a "vianda" para dar de comer aos porcos.
Estas palavras, entre aspas" como as palavras do comentário anterior, que eu me esqueci de assinar, constam na internet, em regionalismo e expressões típicas de Brunhoso. Não fazia parte, por exemplo, no falar dessas gentes a palavra "enfurretar" nem enfulijar , mas sim a palavra enfarruscar, do dicionário comum a todo o país. Nesses tempos do nosso passado Brunhoso tal como Folgares, eram tão ricos em palavras próprias, com significados que só eles conheciam ou cujo uso e conhecimento se estendiam a algumas aldeias em redor, a todo o concelho ou distrito, por vezes. Ontem, por exemplo, surgiu-me em certo contexto, a palavra "safarda" que constei não existir na internet, nem no dicionário da Editora. A palavra existe em Brunhoso e é muito provável que exista em Folgares. Tu meu amigo me poderás confirmar isso, o nosso amigo Luís Graça, como bom investigador intelectual, já há muito tempo que sabe recorrer a todas as fontes. Neste palrar e debitar só palavras e poucas ideias, já pareço mais uma torneira que se abriu e em lugar de bom vinho, só despeja água, ainda que boa água dos nossos montes. Para não vos cansar mais vou parar esta conversa que eu imaginei a três e se calhar não passa de um monólogo.
Um abraço ao Manuel, ao Luís e a todos os camaradas. Francisco Baptista
Obrigado Francisco Batista. Pelo relato da tradição do Natal da tua terra, era quase evidente que tu eras o autor do comentário. Assim, com a assinatura, está confirmado.
Um abraço.
Manuel Sousa
Caro Manuel Sousa:
Mais um conto. um conto de Natal gerador de emoção pela evocação da nossa infância. E os socos, os socos na falta de sapatos são tão elucidativos de como éramos muitos de nós !
Obrigado Sousa.
Um abraço.
"...Com ou sem fantasias,a festa de Natal era sempre uma data especial, quanto mais não fosse, dadas as dificuldades económicas das famílias, que eu quis por em evidência com o que acima escrevi sobre os presentes do Menino Jesus, o comer era sempre melhorado, além de termos acesso a algumas guloseimas materializadas pelas tradicionais fritas de Natal.
Recordo-me de um desses natais em especial, que também ilustra as privações da época:
Um dia, ao fim da tarde, embora muito novo..."
Este é um excerto do texto que evolui depois do conto publicado, que, em conclusão, retrata as dificuldades das famílias da minha terra naquela época, pormenor que não passou despercebido a todos os comentadores. Só gente que nasceu pobre tem a riqueza destas memórias. E sabe também que as crianças daquele tempo,mesmo assim, não bafejadas pela abastança, também eram felizes.
Agora gostaria de saber o nome do último companheiro que postou o seu comentário.
Amigo Manuel Sousa:
Confesso que o autor anónimo do último comentário não fui eu desta vez. Fico muito admirado quando falas no uso de socos na tua aldeia transmontana. Eu achava que nesse tempo os socos eram muito comuns no Minho e Douro Litoral, em Trás-Os-Montes desconhecia o seu uso. Pelo menos na maior parte do Nordeste a que a tua aldeia ainda pertence eu não me lembro de ver homens a calçar socos. Os homens geralmente usavam sapatos de cabedal feitos à medida pelos sapateiros das terras que eram brochados na sola do pé com umas brochas grandes "às três pancadas" ou brochas redondas mais pequenas. Por causa do cabedal usado no seu fabrico e das brochas estes sapatos eram bastante pesados. Quando não tinha escola, ia todos os dias com as vacas e vitelos para os lameiros ou regadas, e os meus pais obrigavam-me a levar os sapatos calçados, que eu descalçava logo que saía da povoação e à tardinha voltava com eles, com sol ou chuva, pendurados ao ombro. Tempos felizes em que até tirava prazer dos grandes aguaceiros do Inverno e da Primavera.
Depois começaram também a aparecer sapatos cuja sola do pé era feita em pneu.
Um abraço. Francisco Baptista
Tenho que acrescentar que a esse calçado que quotidianamente usdado por rapazes e homens eram os chamados sapatos embora tivessem a forma das botas actuais. O sapato raso, chamado sapato fino, era somente usado por alguns mais abastados em dias de festa.
Francisco Baptista
Eliminava o comentário anterior se conseguisse. Como não tenho conhecimentos para tal, vou transcrevê-lo, sem erros de morfologia ou de sintaxe:
Tenho que acrescentar, que esse sapatos quotidianamente usados por rapazes e homens,
tinham a forma das botas actuais, já que tinham algum cano. O sapato raso, chamado sapato fino, era somente usado por alguns mais abastados, em dias de festa.
Francisco Baptista
Amigo e Camarada MEU MANUEL: Adorei ler o conto de Natal. Foi com certeza escrito com todo o amor e carinho. Já agora gostava de perguntar: para quando o novo livro? De certeza que haverá muita gente a querer que ele apareça. Parabens e um abraço Helder Almeida.
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