por José Manuel Matos Dinis
[ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71; um dos "homens grandes" da Magnífica Tabanca da Linha que tem amanhã mais um dos convívios regulares, desta vez em Carcavelos]
Mais um repto dos nossos editores. De facto, a tropa mexeu muito connosco, com as gerações da guerra de África. A guerra que a certa altura das nossas vidas já se revelava um obstáculo inevitável, e que cada um encarava de forma particular, com reserva, ou com a descontracção possível, já que a todos os ajuizados havia de causar alguma ponderação, quiçá preocupação.
Com excepção da morte da minha mãe aos 8 anos, situação que o meu pai compensou o melhor possível, fui um puto muito feliz, e tive a sorte de ter sido criado num local ocupado por muitas famílias da mesma geração, de portas abertas para os amigos dos filhos, pelo que os putos acompanhavam-se com grande alegria, imaginação, rebeldia e solidariedade. Era a malta do bairro, que alinhava em alcateia, que jogava futebol, ou guerreava os putos de outros azimutes de Cascais.
A certa altura comecei a imaginar que em África teria grandes possibilidades de levar um tiro na córnea, e quando chegava a casa com negativas, desculpava-me com essa possibilidade, do que resultava a seguinte questão: estudar para quê, se estava destinado a uma medalha a título póstumo. E o bom coração do meu pai cedia. Passei por baixo durante alguns anos.
Quando acabei o 5.º ano, já contava 18 de idade. O meu pai colocou-me perante uma escolha. Segundo ele, eu não dava para tirar um curso superior, logo, não valia a pena continuar a arrastar o corpinho nos corredores do colégio, e propôs-me tirar um curso técnico que me habilitasse para a vida. Um familiar tinha outra proposta para mim, e assim inscrevi-me na escola de hotelaria de Lisboa, enquanto de tarde estava autorizado a estagiar num hotel. Maravilha!
Em Outubro de 68 fui diagnosticado de pleuresia, e o saudoso Canas da Mota recomendou uma mesinha e, sobretudo, muito descanso e boa alimentação, que tinha doença para uns 2 ou 3 meses. Foi o que fiz. Passadas duas semanas pedi-lhe licença para sair. Confirmou que tinha acontecido um milagre, e deixou-me sair por muito pouco tempo diariamente. Não o contrariei. Saía à noite. Já estava com o destino traçado para as Caldas.
Em Dezembro apresentei-me para trabalhar, pedi o salário de um conto, e um horário com cartão de ponto. Foi um mês porreiro, pois a minha actividade era muito agradável, e punha-me em contacto com muitos ilustres e interessantes personagens. Segundo um dos ascensoristas, a Mylène Demongeot dava-me bola, talvez porque me fartei de esperar por ela, que deva entrevista à Maria Leonor; Jorge Amado foi de uma grande simpatia numa breve conversa que mantivemos; o capitão Warton, um veterano americano da 2.ª GG, que fazia transportes para o Biafra, convidou-me para seu representante em África, que recusei liminarmente; enfim, muitas outras personagens da política e do empresariado nacional davam alguma réplica ao meu atrevimento. Mas a Beatriz Costa era a mais simpática e gaiata, sempre a irradiar alegria, foi a primeira pessoa a falar-me das "delicias" de Torre de Molinos.
No final de Dezembro o director veio ter comigo e perguntou-me se queria receber a Gigliola Cinquetti no dia 9 de Janeiro. Respondi-lhe que não, que nesse dia teria que me apresentar nas Caldas para iniciar o serviço militar. Foi assim que se soube da minha incorporação.
Estava de chuva, e a malta em fila para recebermos fardamentos e armas, com os sacos civis ao lado de cada um. Um furriel de Operações Especiais, acompanhado de 4 ou 5 mamantes, fazia revista e sacava dos sacos as melhores iguarias. Eu tinha o saco cheio delas, e apresentava-me com os meus 70 kgs e 1,78 mts. Ao meu lado, o Zé Tito com o corpo ginasticado e os ombros largos da formação no INEF aguardávamos em cavaqueira, achando graça a tudo quanto víamos. Quando o furriel se me dirigiu, respondi-lhe que levava bolos de bacalhau, pastéis de carne, presunto, paio, salame de chocolate, e uma garrafa de qualquer coisa, mas que era tudo para mim, que era de bom alimento. Surpresa geral: o furriel declarou ao séquito que já tinham o suficiente, e eu granjeei alguma admiração.
Não cheguei a dizer mais nada, pois aquele tenente exclamou surpreendido: hhhaaannn!? E logo acrescentou:
E acompanhou-nos numa sucessão de ordens que incluíram rastejar na lama. Quando o pelotão chegou à caserna, outros elementos de outros pelotões comentavam que o tenente era um... (nome feio)... Não, (nome feio) é o Dinis, respondiam os meus camaradas. Tal episódio constituiu uma espécie de pacto entre nós, o tenente, e os cabos milicianos, onde o Mourinho pontificava.
Férias! E o curso de "mines and bloody tracks". Éramos 5 que constituíamos um grupo reguila. Na primeira noite, já bem avinhados, seriam umas duas da manhã, quando arribámos ao Casal do Pote. No gabinete do oficial de dia, um aspirante porreirinho desfez-se em gentilezas na recepção. Sacou de uma garrafa de whisky e encheu os cálices. Cada um tinha uma estória para desfiar, enquanto outro voltava a atestar. Quando a garrafa vazou, bazámos para dormir. Na caserna, a luz vermelha de presença inspirou uma sessão de streep, pois o pessoal não ia dormir com fardas. Alinhámos os caixotes em modo de desfile de modas, e o Ruas, um jeitoso de quase 2 metros oriundo da PM, começou a despir-se, enquanto a malta improvisava sons sobre a "pantera cor-de-rosa", uma música que se adaptou muitíssimo bem. Os que acordavam mal-dispostos levavam um aviso para não interromperem a "performance", e com isso ganhámos o nosso espaço e individualidade. Durante a primeira aula, o alferes-engenheiro ensinou-me o essencial: nunca se armem em parvos.
Férias novamente, a que se seguiu uma viajem turística para o Funchal, a bordo do Funchal. Por altura da passagem da barra o Zé Tito fez-me uma declaração: estou quase teso; e eu respondi-lhe nos mesmos termos. O que fazer? Vamos p'rá batota. Por junto tínhamos cerca de um conto e trezentos. O Zé pediu para ficar com os 300 escudos e deu-me o conto de reis para o póquer. Rondámos as mesas para estudos dos potenciais adversários, e pedi licença na mesa onde jogavam uma família de três e um vendedor de artigos fotográficos, que me lembre. Estudei-os muito bem, até que o Zé Tito se aproximou e questionou; como vai nisso? Estou a ficar teso. Toma, respondeu, ganhámos nos jogos de tombadilho, deu-me agora o comissário. Era outro conto de reis, Em cerca de meia hora ganhei 6 contos. Era fim-de-semana, e de táxi fomos para o Hotel. Na 2.ª feira batemos a pala ao nosso Comandante, e pedimos um abono para nos instalarmos, porque já não tínhamos dinheiro
Mais um repto dos nossos editores. De facto, a tropa mexeu muito connosco, com as gerações da guerra de África. A guerra que a certa altura das nossas vidas já se revelava um obstáculo inevitável, e que cada um encarava de forma particular, com reserva, ou com a descontracção possível, já que a todos os ajuizados havia de causar alguma ponderação, quiçá preocupação.
Com excepção da morte da minha mãe aos 8 anos, situação que o meu pai compensou o melhor possível, fui um puto muito feliz, e tive a sorte de ter sido criado num local ocupado por muitas famílias da mesma geração, de portas abertas para os amigos dos filhos, pelo que os putos acompanhavam-se com grande alegria, imaginação, rebeldia e solidariedade. Era a malta do bairro, que alinhava em alcateia, que jogava futebol, ou guerreava os putos de outros azimutes de Cascais.
Na praia da Duquesa tínhamos os nossos lugares cativos. E as nossas amizades alargavam-se com a entrada para o secundário, onde passámos a conviver com a juventude estudantil do concelho.
Claro que vivi em casa do meu pai até frequentar os estabelecimentos militares do Exército Português.
Claro que vivi em casa do meu pai até frequentar os estabelecimentos militares do Exército Português.
A certa altura comecei a imaginar que em África teria grandes possibilidades de levar um tiro na córnea, e quando chegava a casa com negativas, desculpava-me com essa possibilidade, do que resultava a seguinte questão: estudar para quê, se estava destinado a uma medalha a título póstumo. E o bom coração do meu pai cedia. Passei por baixo durante alguns anos.
Quando acabei o 5.º ano, já contava 18 de idade. O meu pai colocou-me perante uma escolha. Segundo ele, eu não dava para tirar um curso superior, logo, não valia a pena continuar a arrastar o corpinho nos corredores do colégio, e propôs-me tirar um curso técnico que me habilitasse para a vida. Um familiar tinha outra proposta para mim, e assim inscrevi-me na escola de hotelaria de Lisboa, enquanto de tarde estava autorizado a estagiar num hotel. Maravilha!
As aulas eram bacanas, com um grupo de raparigas e rapazes bastante animado. De tarde, quando sentia necessidade de dinheiro para a estroina, duas a três vezes semanais, ia "trabalhar" na recepção (outro lugar que rapidamente degenerou num ambiente de reguilice), e acompanhava aos quartos os clientes recém-chegados com ar de deixar uma nota na mão. As moedas ficavam para um "groom" que não perdia pitada quando me via a alinhar.
Foi um tempo também magnífico, divertido, e com dinheiro no bolso, ao contrário da minha vida anterior, que até me envergonhava de pedir 5 c'roas ao meu pai. Deixei de recorrer ao argumento da tropa, porque deixei de apresentar negativas.
Em Outubro de 68 fui diagnosticado de pleuresia, e o saudoso Canas da Mota recomendou uma mesinha e, sobretudo, muito descanso e boa alimentação, que tinha doença para uns 2 ou 3 meses. Foi o que fiz. Passadas duas semanas pedi-lhe licença para sair. Confirmou que tinha acontecido um milagre, e deixou-me sair por muito pouco tempo diariamente. Não o contrariei. Saía à noite. Já estava com o destino traçado para as Caldas.
Numa dessas noites no bar do Chico (um primeiro andar fronteiro ao Largo Camões, onde morou o Américo Tomás), com um prodigioso amigo fui co-inventor de um jogo de setas denominado "Angola é Nossa". Consistia no uso das setas lançadas sobre um alvo circular, com espaços alternados de branco e preto. O melhor resultado de uns quantos jogos valia uma cervejola, um Porto, um Drambuie, um Constantino, qualquer coisa. Sabíamos quem ganhava conforme os pontos de cada espetadela no alvo. Acertando numa faixa preta, conquistava-se um ponto; acertando numa branca, descontavam-se 2 pontos. Estão a ver como comecei a exercitar-me com denodo, e a dominar a geometria no espaço, numa precoce preparação para a maldita guerra.
Em Dezembro apresentei-me para trabalhar, pedi o salário de um conto, e um horário com cartão de ponto. Foi um mês porreiro, pois a minha actividade era muito agradável, e punha-me em contacto com muitos ilustres e interessantes personagens. Segundo um dos ascensoristas, a Mylène Demongeot dava-me bola, talvez porque me fartei de esperar por ela, que deva entrevista à Maria Leonor; Jorge Amado foi de uma grande simpatia numa breve conversa que mantivemos; o capitão Warton, um veterano americano da 2.ª GG, que fazia transportes para o Biafra, convidou-me para seu representante em África, que recusei liminarmente; enfim, muitas outras personagens da política e do empresariado nacional davam alguma réplica ao meu atrevimento. Mas a Beatriz Costa era a mais simpática e gaiata, sempre a irradiar alegria, foi a primeira pessoa a falar-me das "delicias" de Torre de Molinos.
No final de Dezembro o director veio ter comigo e perguntou-me se queria receber a Gigliola Cinquetti no dia 9 de Janeiro. Respondi-lhe que não, que nesse dia teria que me apresentar nas Caldas para iniciar o serviço militar. Foi assim que se soube da minha incorporação.
Estava de chuva, e a malta em fila para recebermos fardamentos e armas, com os sacos civis ao lado de cada um. Um furriel de Operações Especiais, acompanhado de 4 ou 5 mamantes, fazia revista e sacava dos sacos as melhores iguarias. Eu tinha o saco cheio delas, e apresentava-me com os meus 70 kgs e 1,78 mts. Ao meu lado, o Zé Tito com o corpo ginasticado e os ombros largos da formação no INEF aguardávamos em cavaqueira, achando graça a tudo quanto víamos. Quando o furriel se me dirigiu, respondi-lhe que levava bolos de bacalhau, pastéis de carne, presunto, paio, salame de chocolate, e uma garrafa de qualquer coisa, mas que era tudo para mim, que era de bom alimento. Surpresa geral: o furriel declarou ao séquito que já tinham o suficiente, e eu granjeei alguma admiração.
Na primeira semana o tempo persistia chuvoso, e os pelotões recolhiam-se nas salas de aulas regimentais, uma espécie de regresso ao liceu. Da última cadeira de uma fila, levantei o braço. O tenente Clemente ordenou:
- .Diga lá, ó nosso instruendo!
- Meu tenente, nós estamos aqui para ganharmos preparação para a guerra nos climas inóspitos, e agora porque está a chover, refugiamo-nos como uma turma de meninas.
Não cheguei a dizer mais nada, pois aquele tenente exclamou surpreendido: hhhaaannn!? E logo acrescentou:
- Está tudo a formar lá fora!
E acompanhou-nos numa sucessão de ordens que incluíram rastejar na lama. Quando o pelotão chegou à caserna, outros elementos de outros pelotões comentavam que o tenente era um... (nome feio)... Não, (nome feio) é o Dinis, respondiam os meus camaradas. Tal episódio constituiu uma espécie de pacto entre nós, o tenente, e os cabos milicianos, onde o Mourinho pontificava.
Depois de várias estórias fui colocado em Tavira, e também o Zé Tito, meu amigo da juventude, com quem fiz a tropa do primeiro ao último dia. E foram muitas as aventuras também em Tavira, onde só fomos penalizados durante um fim-de-semana. Custou-me muito. Nesse dia de manhã, enquanto a malta iniciava as tarefas (ida ao mercado e padaria, compra e preparação do almoço), só me levantei para comer, se não erro, uma posta de pescada cosida com batatas e legumes. Depois, os sacanas lá de casa abalaram para o mundo livre e deixaram-me a loiça para lavar. Velhacos!
Férias! E o curso de "mines and bloody tracks". Éramos 5 que constituíamos um grupo reguila. Na primeira noite, já bem avinhados, seriam umas duas da manhã, quando arribámos ao Casal do Pote. No gabinete do oficial de dia, um aspirante porreirinho desfez-se em gentilezas na recepção. Sacou de uma garrafa de whisky e encheu os cálices. Cada um tinha uma estória para desfiar, enquanto outro voltava a atestar. Quando a garrafa vazou, bazámos para dormir. Na caserna, a luz vermelha de presença inspirou uma sessão de streep, pois o pessoal não ia dormir com fardas. Alinhámos os caixotes em modo de desfile de modas, e o Ruas, um jeitoso de quase 2 metros oriundo da PM, começou a despir-se, enquanto a malta improvisava sons sobre a "pantera cor-de-rosa", uma música que se adaptou muitíssimo bem. Os que acordavam mal-dispostos levavam um aviso para não interromperem a "performance", e com isso ganhámos o nosso espaço e individualidade. Durante a primeira aula, o alferes-engenheiro ensinou-me o essencial: nunca se armem em parvos.
Férias novamente, a que se seguiu uma viajem turística para o Funchal, a bordo do Funchal. Por altura da passagem da barra o Zé Tito fez-me uma declaração: estou quase teso; e eu respondi-lhe nos mesmos termos. O que fazer? Vamos p'rá batota. Por junto tínhamos cerca de um conto e trezentos. O Zé pediu para ficar com os 300 escudos e deu-me o conto de reis para o póquer. Rondámos as mesas para estudos dos potenciais adversários, e pedi licença na mesa onde jogavam uma família de três e um vendedor de artigos fotográficos, que me lembre. Estudei-os muito bem, até que o Zé Tito se aproximou e questionou; como vai nisso? Estou a ficar teso. Toma, respondeu, ganhámos nos jogos de tombadilho, deu-me agora o comissário. Era outro conto de reis, Em cerca de meia hora ganhei 6 contos. Era fim-de-semana, e de táxi fomos para o Hotel. Na 2.ª feira batemos a pala ao nosso Comandante, e pedimos um abono para nos instalarmos, porque já não tínhamos dinheiro
A estadia na Madeira pode merecer um episódio autónomo. Quero no entanto referir, que até esta altura nunca me escusei ao que fosse, de bom e de mau, embora considere que tenha vivido muito feliz, coisa que o serviço militar só ocasionalmente interrompeu. Nunca me fui abaixo com problemas, e adoptei a divisa de que o que não tem solução (para mim) solucionado está.
Até essa idade também nunca deixei de encarar os problemas impossíveis de não enfrentar, e com maior ou menor sucesso consegui ultrapassá-los. Também concluí desde novo que a união faz a força, e sempre me preocupei em valorizar a solidariedade e o espírito de grupo. Sobre os princípios gerais de educação consignados nos deveres gerais de respeito, desde muito cedo que mos transmitiram, e de um modo geral estive atento a eles. Mas a tropa acrescentou a decisão e determinação na acção, atitudes muitas vezes necessárias para o vencimento de inercias, e o alcance de objectivos. Só a partir deste período é que fui confrontando com verdadeiras hipocrisias... e comecei a engolir alguns sapos. Muitas vezes por falta de solidariedade, causada pelo medo que impende sobre subordinados, conforme mecanismos psicológicos e sociais que limitam a liberdade de espírito e o sentido crítico, atitudes fundamentais para se atingir o bem comum.
José Manuel Matos Dinis
_____________
José Manuel Matos Dinis
_____________
Nota do editor:
Último poste da série > 19 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15639: e Ma... Lembrando o caso dos meus conterrâneos que, tendo emigrado antes, vieram do estrangeiro propositadamente para fazer a tropa (Francisco Baptista, Brunhoso, Mogadouro)
Último poste da série > 19 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15639: e Ma... Lembrando o caso dos meus conterrâneos que, tendo emigrado antes, vieram do estrangeiro propositadamente para fazer a tropa (Francisco Baptista, Brunhoso, Mogadouro)
4 comentários:
Amigo e camarada José Dinis:
Como eu gostei deste teu texto! Será que é um ensaio, ou é já uma parte da tua biografia, pois tu desvendas-te e descobres-te com toda a graça e simplicidade de alguém que não tem nem nunca teve nada a esconder, pois mesmo quando decides usar da tua malandrice, quase inata, não escondes o jogo , nem os passes de mágica aos outros. Neste texto, diferente de outros,mais intelectualizados, em que pareces querer esconder-te atrás duma barragem de palavras e conceitos, revelas-te com frontalidade ao confessar as tuas falhas e fraquezas com a mesma naturalidade com que vais mostrando sem ostentação a tua dignidade e nobreza de carácter.
Não sei porquê a propósito do que escreveste, veio-me à memória, um amigo lisboeta que conheci em Lamego na tropa. Já não lhe recordo o nome, lembro-me que era filho dum reitor dum liceu de Lisboa e convivia com rapazes e raparigas da sociedade abastada da capital. Eu , um provinciano, nunca deixei de ser, ficava pasmado ao ouvi-lo contar as estórias fantásticas da juventude dele com os amigos e amigas, ia ouvindo com curiosidade, com tão pouco para contar em troca que até fico admirado, como é que essa amizade durou todo esse tempo. Conclusão tu serás um pouco como esse camarada, que não sei porquê, para mim continua a ser um puto porreiro, que com outros conhecimentos, outras relações e outro caldo de cultura que a vida na grande cidade proporciona, sabe fazer amizade com qualquer homem
Fico aguardar outras estórias da tua vida, com todo o sal, pimenta e vivacidade com que as sabes temperar.
Um grande abraço. Francisco Baptista
Li notícias da Lunda na revista do Expresso.
Verifiquei que ainda lá deixámos os calhaus todos do rio Chikapa.
Passa bem JD
Caro Francisco Baptista,
Muito obrigado pelo teu generoso comentário. Não acho que uma autobiografia (que ainda não é, mas podes excitar-me a ideia), tenha que valorizar o auto-biografado, sob pena de nesse afã deixar à mostra a maior das fraquezas, a presunção. E eu sou normalíssimo com bons a maus momentos, sempre sujeito à apreciação de terceiros.
Tu também fazes memórias da tua juventude e da tua terra com grande entusiasmo e humildade, por isso as tuas crónicas são tão apreciadas. E sobre o elevado requinte da escrita, noto com muito agrado (e uma pontinha de inveja) uma constante evolução.
Caro Rosinha,
Portugal estava a fazer muito por Angola, e os metropolitanos que lá estavam e eram cada vez mais, sentiam-se angolanos, e a maioria dos angolanos sentia-se portuguesa. Aliás, porque passei várias férias no antigo ultramar português, sobretudo em Moçambique, constatei várias vezes, que tanto moçambicanos, como angolanos e guineenses, sentiam-se portugueses, embora abandonados. Mostravam-me cartões de identidade civis e/ou militares, e manifestavam-se orgulhosos dessas condições. Sobre o rio Chikapa tenho a ideia de que não o explorámos, embora, imagino que ali tenha havido ensaios. Em 1973, informação privilegiada referiu-me que havia material identificado para explorações superiores a dois milhões de quilates durante 30 anos.
Para ambos vai um grande abraço
JD
Meu caro Dinis, aprecio a tua escrita, tanto a espontaneadade da descrição, quanto a arquitetura da peça. Dá-me prazer a leitura das tuas publicações. Obrigado.
JS
Enviar um comentário