Prezado Luís Graça:
Tomo a liberdade de remeter mais um pequeno texto que poderá ser publicado.
Para todos, continuação de feliz ano de 2016.
Com um abraço amigo,
Domingos Gonçalves
MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1967)
REPORTAGENS DA ÉPOCA - 13
Dia 13/12/1967
Às oito horas saí com duas secções e com os caçadores nativos para verificar a causa do rebentamento das armadilhas.
Afinal, tinham sido accionadas por bichos...
Rearmadilhei, sensivelmente nos mesmos locais, as duas estradas.
O destacamento já não recebe correio da metrópole há três semanas...
O envio das cartas ainda se consegue fazer, de quando em quando, através dos helicópteros que levam para Bissau os doentes, ou os feridos. Infelizmente estamos também a ficar sem aerogramas e selos.
Ontem expedi uma carta com duas moedas de 2$50 coladas ao envelope com fita adesiva...
Espero que a façam seguir...
À noite ouvia-se perfeitamente o batuque na tabanca senegalesa de Maria.
É um pouco de festa que nos chega de longe.
Do nosso lado os tempos já não permitem festas...
É uma tristeza...
Milagrosamente hoje conseguiu-se uma vaca para matar.
É a primeira vez que no rancho geral se vai comer carne em Guidage, desde que estou aqui em substituição do colega doente.
Foi uma aventura...
Durante a noite consegui que um nativo se deslocasse ao Senegal e roubasse o bicho...
O procedimento não é muito ético...
Mas a sobrevivência deve estar acima da moral caseira...
Pelas dez horas da noite o animal entrava, sem pagar qualquer imposto alfandegário, nos meus domínios.
Enquanto o roubo não der problemas...
Lá terá que ser...
É mesmo para continuar.
De quando em quando, a carne é um bem demasiado precioso para que se possa dela prescindir.
E como do outro lado da fronteira há muito gado, não é por causa de algumas vacas que a economia do Senegal se vai ressentir...
A economia dos donos das vacas, essa, enfim, poderá ficar um pouco tremida...
Dia 14
Pela manhã a população do Senegal veio queixar-se dos turras, dizendo que eles, de noite, tinham roubado uma vaca...
Desta vez, eles ficaram com a fama...
E nós com o proveito...
Tenho que começar, também, a ser guerrilheiro...
A gente faz o mal...
A culpa cai para o lado dos outros...
Assim é que é bom...
E hoje não aconteceu mais nada de especial...
Nem tiros houve, para quebrar esta monotonia...
Chegaram a Ierã cerca de 100 turras vindos da zona do Oio.
Têm como missão carregar material bélico, alimentação e roupas para a referida área.
Conseguiram trazer do Oio 30 vacas para vender à população do Senegal.
O dinheiro conseguido com a venda dos animais destina-se à compra de alimentos.
O grupo que recentemente atacou Bigene e tentou atacar este meu reino continua em Ierã.
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Nota do editor
Último poste da série de 1 de julho de 2015 Guiné 63/74 - P14820: Memórias da CCAÇ 1546 (1967) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil) (12): Coluna a Farim
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