segunda-feira, 11 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15960: Nota de leitura (828): “A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961-1974”, por John P. Cann, Academia da Marinha 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Este distinto investigador norte-americano tem uma observação muito peculiar sobre os trâmites da nossa guerra colonial, é rigoroso nos factos e atrativo pelo seu olhar refrescado.
Temos agora a Marinha e vemos como a partir de 1961 esta arma passou a prever a sua intervenção com barcos apropriados, com o armamento mais adequado, em 1962, quando já é patente a subversão no Sul chegam os fuzileiros no DFE n.º 2. John P. Cann escreve as grandes divergências que se instalaram entre o Exército e a Marinha, acabando por diminuir as duas.
Trata-se de uma obra de referência que a Academia da Marinha reeditou o ano passado.

Um abraço do
Mário


A Marinha na Guiné, 1961-1974

Beja Santos

A obra intitula-se “A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961-1974”, por John P. Cann. Entre 1987 e 1992, John P. Cann foi oficial da Marinha no Estado-Maior do Comando da NATO, na Área Ibero-Atlântica, em Oeiras. Fascinou-se pelo estudo da nossa guerra colonial. Começou por escrever “Contrassubversão em África. O modo português de fazer a guerra". Com a Marinha em África, John P. Cann ocupa-se da componente naval, como esta se antecipou ao conflito, como se preparou e travou esta luta nos rios de África. Este livro foi inicialmente editado pela Prefácio, em 2009, uma edição com erros clamorosos, em boa hora a Academia da Marinha o reeditou em 2014. Vejamos no essencial como ele contextualiza o desempenho da Marinha e o seu comportamento na Guiné.

Considera que a Armada cumpriu exatamente o que tinha originalmente planeado alcançar e é elegante na crítica: “As falhas na sua utilização poderão ser atribuídas ao primado do Exército e à falta de compreensão por parte dos seus chefes sobre o modo como uma Marinha fluvial poderia ser utilizada como maior eficácia num ambiente de contrassubversão".

Estamos agora na Guiné e o capítulo intitula-se “Um sinistro e tórrido trecho de pântano e selva”. A Guiné foi o mais importante teatro de operações para a Marinha, cerca de 80% de toda a carga e pessoal movimentava-se por mar ou via fluvial. O transporte através dos rios e braços do mar era também importante para o PAIGC, daí a premência de policiamento do tráfego fluvial pela Marinha. Em termos estratégicos, procurava-se a combinação de lanchas de fiscalização e desembarque e a operacionalidade dos fuzileiros. John P. Cann renova a sua apreciação de que a Marinha correspondeu ao desafio “mas foi em parte inibida por uma diferença não resolvida na aproximação ao objetivo com o Exército”.

E explica a questão de fundo: “Desde o início da guerra que havia um debate sobre a melhor estratégia militar a ser empregue na Guiné, havia diferenças significativas no pensamento do Exército e da Armada. Esta era a favor de um conceito estratégico de estrangulamento do inimigo, exercendo-se estrito controlo sobre as diferentes vias fluviais a partir de uma posição central”. Tratava-se obviamente de uma estratégia que tinha limites de exploração, não era aplicável nas áreas despovoadas e periféricas.
O autor faz o reparo de que permanece um enigma porque é que o PAIGC nunca se posicionou para tornar a vida nos rios e rias um inferno para as nossas tropas.

Nos primeiros anos de guerra, cerca de 60% do transporte no rio era assegurado por uma frota comercial de 60 embarcações. Era vital que essa linha de abastecimento fosse protegida. A Marinha entra de facto no cenário da Guiné em Maio de 1961 com a chegada de duas LFP. Em Junho de 1962, chega a hora dos fuzileiros, o DFE n.º 2 chega a Bissau a bordo de dois aviões militares. Em Outubro de 1962, a situação na Guiné deteriorou-se progressivamente, o PAIGC procurou isolar o Sul. A primeira experiência de confronto teve lugar em Dezembro de 1962 aquando do reconhecimento de Cachil, na ilha de Caiar. Foi a primeira experiência de operação conjunta entre o Exército e a Marinha da Guiné.

Os fuzileiros até ao final da governação de Schulz entraram em operações conjuntas, mas gozando sempre um estatuto de autonomia. A utilização e o controlo de fuzileiros mudaram com a chegada de Spínola.

O autor tece considerações sobre o armamento e a resistência dos navios que operavam nas rias e rios e explica como houve necessidade de os robustecer protegendo-os no casco e na superestrutura para serem resistentes aos projéteis do inimigo. Refere as quatro rotas principais da Marinha a partir de Bissau: de Bissau para Farim ou para o rio Cacheu; de Bissau para Bissum, no rio Armada; de Bissau para Catió; e de Bissau para Bedanda. Estranho é a inexistência de referências à proteção que a Marinha dava ao Geba, designadamente o acompanhamento que as lanchas faziam das embarcações civis no Geba estreito, no início da guerra, o PAIGC mostrou-se operativo em dois pontos fulcrais: à entrada do Geba estreito: perto do Xime, em Ponta Varela, o local tinha a propriedade, na correnteza, de fazer aproximar as embarcações da margem, os RPG2 e RPG7 eram francamente demolidores; e na outra margem, no Cuor, em Mato de Cão, daí a fiscalização e patrulhamento da área até Novembro de 1969, altura em que o porto do Xime entrou em pleno funcionamento.

Falando de operações, John P. Cann destaca as façanhas de Alpoim Calvão na região Sul e a operação Tridente. E reserva uma referência especial à operação Via Láctea, que se desenrolou em Junho de 1968, em que capturaram dez toneladas de armas e munições. Spínola, logo que chegou, interrompeu este tipo de ações e implementou uma linha operacional distinta da anterior. Mesmo de forma muito polida, John P. Cann faz sentir de que houve um claro desentendimento entre o Exército e a Marinha que subtraiu as potencialidades a esta última. Em dado momento, Spínola desloca fuzileiros para Ganturé, a missão era suster a passagem de guerrilheiros no Cacheu. E os fuzileiros ficaram na posição de viver em destacamento, vivendo mesmo as consequências de todas as flagelações a que estavam sujeitas as unidades do Exército, e policiando o rio.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15955: Nota de leitura (827): "Eusébio - O romance biográfico", de Sónia Louro (Lisboa, Editora Saída de Emergência, 2016)

1 comentário:

antonio graça de abreu disse...

Diz o Mário Beja Santos: "O autor faz o reparo de que permanece um enigma porque é que o PAIGC nunca se posicionou para tornar a vida nos rios e rias um inferno para as nossas tropas."
Um enigma?!...
Muito simples. Não porque não o desejassem, mas porque não tinham poder logístico, militar para "tornar a vida nos rios e rias um inferno para as nossas tropas."

Abraço,

António Graça de Abreu