1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 28 de Março de 2016:
Caro amigo:
Ainda no dia do teu aniversário, renovo os meus votos de muita saúde e felicidade, quanta queiras.
Como já tive oportunidade de transmitir-te tempos atrás, um problema, não especialmente grave, mas muito aborrecido, relacionado com a vista, tem-me mantido à distância, que é como quem diz tem-me vindo a remeter para um plano demasiado passivo para o meu gosto, no que ao blogue se refere. Com efeito, aconselha quem sabe que, até ver, deva reduzir a um uso tão limitado quanto possível coisas interessantes como computadores, livros, televisões, enfim, coisas de somenos – por isso é que, quando tomei conhecimento da morte do nosso amigo Batista, já este estava enterrado.
Mas, a propósito da “segunda” morte do nosso querido “morto-vivo”, que continuo a recordar com carinho e um sorriso brincalhão nos lábios, por me lembrar das palhaçadas com que o provoquei no “Milho-Rei”, pus-me a ler o poste P15907 (Rui Batista), e fui surpreendido pela fotografia do BCAÇ 3872, em Bissau, com o alferes Rosa Santos em primeiro plano. E isto porque, durante alguns meses, pude privar com este no Saltinho, onde comandou o Pelotão de Nativos 53, tendo recebido o respectivo testemunho das mãos do alferes Paulo Santiago. Como nos comentários ao poste de apresentação do Rui Batista em 2009 (a que, então, não tive acesso), era dito que o alferes em presença “fora subtraído” à CAÇ 3489 / Cancolim, coisa que sempre desconheci, fiquei até na dúvida sobre se o Rosa Santos da foto era o mesmo que eu viria a conhecer no Saltinho. Por isso, hoje mesmo, dirigi um e-mail ao Paulo Santiago, a pedir confirmação (ainda não tenho resposta) e, posteriormente, contactei telefonicamente o Carlos Raimundo, da 3490/Saltinho, que logo confirmou que, sim senhor, o alferes Rosa Santos, que substituíra o Paulo Santiago, passara pela CCAÇ 3489/Cancolim.
Porque tive um excelente relacionamento com ele – era uma pessoa de educação esmerada e muito jovial, sempre com um sorriso de boa disposição (é vê-lo, numa das fotos, a ensaiar um passo de dança, ao som de um disco dos anos 60), sempre pronto para uma brincadeira, para uma conversa bem humorada –, ocorreu-me, há minutos, procurar naquela velha mala de que te falei – lembras-te? – alguma fotografia em que ele estivesse presente. Encontrei duas – vá lá! –, tiradas aquando de uma deslocação da tropa do Saltinho ao Xitole, para uma operação de elevado melindre: recolha do correio da malta, proveniente, via aérea, de Bissau. Mas, com alguma perplexidade, constato que o Rosa Santos está com farda n.º 2, sendo de admitir que, em trânsito para Bissau ou outro lado qualquer, tivesse aproveitado a nossa boleia.
Bissau > 26/12/1971 > Apresentação do Batalhão BCAÇ 3872 ao Com-Chefe, Gen Spínola. Em primeiro plano o Alf Mil Rosa Santos, já falecido há uns anos.
Foto (e legenda): © Rui Baptista (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
Obviamente, fiquei triste ao tomar conhecimento de que também ele já faleceu, anos atrás. Era, se bem me recordo, mais velho que eu dois ou três anos, devendo-se isso ao facto de só ter sido chamado a cumprir o serviço militar após a conclusão do curso de Física e Química. Após o meu regresso da Guiné, não voltei a vê-lo, e do pouco que me recordo, para além das nossas conversas animadas, é que era natural da Figueira da Foz, e pertencia a uma família de empresários de transportes (Marianos?!) muito conhecida. Era uma excelente pessoa – razão tinha o Rui Batista para lamentar a sua partida precoce do pelotão “Os Vingadores”.
E, por falar em excelentes pessoas, e se me permites, meu caro amigo Carlos Vinhal, que tanto considero, aproveito para referir que o camarada que, numa das fotos, canta ao desafio comigo – está de costas, com lenço claro e cartucheiras à cintura – é o Henrique Custódio (furriel enfermeiro da CCAÇ 3490/Saltinho), de quem era muitíssimo amigo. Homem de raro talento, em especial no campo literário, proporcionou-me momentos inesquecíveis de franca camaradagem, na alegria, como na dor. Após uma despedida, em que a poesia, que muito nos dizia, falou mais alto, nunca mais nos encontrámos. Mas sei que continua a escrever as “Décadas de Abril” e a ser um dos redactores do “Avante”, órgão central do PCP.
Xitole / 1972 – À esquerda, em farda n.º 2, e de mãozinha direita na barriga, o alferes Rosa Santos; ao centro, o barbudo da “kalash” é o Migueis, tendo à sua esquerda o Custódio Henrique (furriel enfermeiro da CCAÇ 3490-Saltinho); à porta da messe, visivelmente à vontade e bem disposto, um alferes da Companhia do Xitole.
Xitole / 1972. À esquerda, em farda n.º 2, atento ao despique, o alferes Rosa Santos; ao centro, de costas, lencinho de seda e cartucheiras, o Henrique Custódio, cantando à desgarrada com o barbudo, que é o seu amigo Migueis.
Fotos (e legendas): © Mário Migueis / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
E, quanto à kalashnikov, é verdade que costumava andar com uma, mas era só para ”fazer ronco”, pois claro.
Um grande abraço para todos,
Mário Migueis
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15935: (Ex)citações (307): A descolonização da Guiné-Bissau tinha tudo para correr mal (Jorge Sales Golias)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
O Rui Batista escreveu;:
"Outro dos desaires que teve a companhia, foi o abandono do capitão e de um alferes, e a partida forçada para as tropas africanas do alferes Rosa Santos, do meu pelotão (que era o segundo, os 'Vingadores').
Ficamos a saber que foi para o Pel Caç Nat 53, sucedendo ao nosso querido e camarada Paulo Santiago, como comandante.
As tuas mnelhoras, Miguéis! Luis Graça
Miguéis, que sabes tu deste capitão e deste alferes, da CCAÇ 3489, que não voltaram de férias ?.... Não queremos julgá-los, não temos esse direito, e de resto é proibido fazê-lo no blogue... Mas gostavamos de conhecer a sua história... LG
Do capitão e do alferes da "3489" desaparecidos durante as férias, nada sei. Ou melhor, sei que não devo ter chegado sequer a conhecê-los. Com efeito, para além da malta da "3490" - Saltinho, e do comandante do batalhão (eu, importante que era, não fazia a coisa por menos), que teve a minha colaboração, pelo menos por duas vezes, no interrogatório de prisioneiros em Galomaro, poucas mais pessoas do "3872" conheci - ainda assim, foram suficientes para me proporcionarem histórias e cenas do arco da velha, que, acreditem, lamento não serem para aqui chamadas.
Mário Migueis
Caro Luís, pitosga e trapalhão como ando, nem reparei na origem dos comentários que precederam o meu, nem nos votos de melhoras - aqui ficam os meus agradecimentos. E,já agora, a propósito do referido "interrogatório de prisioneiros em Galomaro", para que não se fique coma ideia de que se trataria de elementos IN capturados em combate, que não era coisa tão frequente como se possa imaginar, esclareça-se que, nos casos concretos, se tratou tão só de elementos suspeitos capturados em território sob duplo-controlo. Prisioneiros eram, mas num espaço muito simpático e restrito, dentro do arame farpado - seria, talvez, o regime equivalente à atual "residência vigiada".
Um abraço,
Mário Migueis
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