terça-feira, 2 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16354: Manuscrito(s) (Luís Graça) (88): “Para cá do Marão mandam os que cá estão,/ Que até aqui Basto eu!” (Luís Jales Oliveira)


“Para cá do Marão mandam cá os que cá estão,/ Que até aqui Basto eu!” (Luís Jales Oliveira, In Basto (poemas), 1995, p. 15)


É costume dizer-se que Basto não é Minho nem Trás-os-Montes, é ambas as coisas. De facto, as Terras de Basto estão divididas administrativamente por dois distritos, localizadas numa zona de transição entre o Litoral Norte e o Interior de Trás-os-Montes. Contudo, os concelhos que as constituem (Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Mondim de Basto e Ribeira de Pena) representam uma zona contínua e homogénea centrada sobre o Rio Tâmega, considerado, por si só, um elemento tradicionalmente aglutinador. Aliás, a água é o elemento sempre presente em Basto, quer pela sua qualidade e importância nas actividades rurais tradicionais, desde os vinhedos aos lameiros, quer pela beleza que confere à paisagem.As paisagens de Terras de Basto encontram-se dispostas em anfiteatro sobre o Tâmega e limitadas por um conjunto de formações montanhosas o que, em termos físicos, lhe confere uma grande coesão interna. Com vias de comunicação deficientes, tanto com o exterior como a nível interno, até há bem pouco tempo, constituem, hoje, com as novas acessibilidades, um “concentrado” de ruralidade de fácil acesso para uma partida à descoberta do Portugal genuíno – onde a terra ainda é medida em “carros de pão”, “pipas de vinho” e “cabeças de gado” que alimentam.”

In Terras de Basto, sítio da Probasto


1. Há terras do Portugal profundo que tem a sorte de ter o seu poeta, cantor ou músico... Mondim de Basto, ou melhor, as Terras de Basto, têm o privilégio de, a par da beleza telúrica, da tradição histórica e do património cultural, poderem orgulhar-se da voz que as canta. Se uma imagem vale mil palavras, um poema é um caleidoscópio. Não há fotografia que substitua um poema.

Luís Jales de Oliveira é filho de Mondim de Basto, nosso camarada, membro da nossa Tabanca Grande. Recorde-se que foi fur mil trms inf, Agrup Trms de Bissau e CCAÇ 20 (Bissau e Gadamael Porto, 1972/74).  É autor  de um dos mais belos poemas, que eu tenho lido, sobre a a Guiné e a guerra colonial: Se eu de ti me não lembrar, Jerusalém (Gadamael Porto, Guiné, 1973)" (*).

Já aqui fizemos referência ao seu livro "Corre-me um Rio no Peito" [ed. de autor, 2010, Mondim de Basto, 72 pp. ], que merece uma leitura mais atenta e saboreada, numa esplanada à beira mar, nestas tardes quentes de agosto.

Hoje trago, com notas rápidas, manuscritas, salpicadas de areia e maresia (**),  um outro livrinho, mais antigo, onde o Tâmega, o seu "rio sagrado" e a sua "fonte de inspiração", a par do Monte da Senhora da Graça, antigo vulcão,  continuam a ser dois pontes cardeais, balizas ou âncoras do poeta.  O livrino, de 49 páginas, foi editado em 1995. 

Dele tomo a liberdade de escolher e reproduzir, com a devida vénia quatro ou cinco poemas, que evocam com magia  e emoção aquelas terras de que eu também sou vizinho (pelo lado da Alice), mas conheço mal, ou seja, como turista apressado, isto é, como "estúpido em férias", motorizado... Lido a esta distância (física e temporal), o livro do Luís Jales é um apelo a um visita, mais demorada e sentida, às "terras de Basto", numa próxima oportunidade.

Num exemplar autografado que o autor teve a gentileza de me remeter pelo correio, escreveu como dedicatória:

"Aqui vai um 'cheirinho' do nosso Basto, para o Luís Graça, com um enorme e reconhecido abraço".

Fonte: Luís Jales Oliveira – Basto (poemas). [Mondim de Basto], edição de autor, 1995, 49 pp. [Obra subsidiada pela programa LEADER Probasto]


GRAÇA

No cimo do monte há uma capela,
E cada veza que olho para ela,
Apetece-me voar…
E humilde peregrino,
Vou em ânsias de menino,
Lá rezar.

No cimo do monte há uma capela,
E cada veza que entro nela,
Vivo um mistério profundi:
Senhora,
Que feitiço derramais,
Que o mais comum dos mortais
A teus pés é Rei do Mundo ?

p. 43

CAMILO

Pairando em redor como fantasma,
Da mais bela de Friúme,
Camilo viverá, segundo o plasma,
Do amor, da loucura e do ciúme.
E aqui, “por entre fragas,
Onde nascem flores que são mulheres”,
Cumpre-se a sina:
O estro de Camilo ri-se das chagas,
Colhendo, apaixonado, malmequeres,
Para o túmulo de Joaquina!

p. 40

BASTO

Somos Minho e Trás-os-Montes,
Somos sequeiros e fontes,
Dualidade assumida!..
Somos ânsia de arado,
Somos vinha de enforcado,
A enroscar-se na vida!

p. 26

TERRAS DE BASTO

A Norte,
Quadrilátero esqueratelado,
Que o sagrado Tâmega escancara,
E franqueia,
Entre Douro e Minho lhe fadou a sorte,
Avara,
Por entre  fragas de epopeia.

Quinhão,
Que a coluna vertebral do mundo,
No cilo ardente dos castos,
Emprenha,
Lameira e Alvão, Cabreira e Marão,
Padastros,
Da Rainha montanha.

E feitiço dos feitiços,por olhado ou condição,
O tempo gerou o reino que o pr+óprio tempo escondeu:
Para cá do Marão mandam cá os que cá estão,
Que até aqui  Basto eu!

p. 15


VISÃO

Desta meteórica fraga altaneira,
Partem sedentos os olhos quando te chamo:
Bendita sejas, ó terra, na terra inteira;
Este é o ditoso Basto que eu tanto amo!

p. 17

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16208: Blogpoesia (453): "Se eu de ti me não lembrar, Jerusalém (Gadamael Porto, Guiné, 1973)", de Luís Jales de Oliveira: um dos mais belos poemas da guerra colonial, inspirado pelo Rio Cacine, mas com o Rio Tâmega no coração, quando o poeta, vindo de Bolama, estava a caminho de Gadamel onde foi colocado com a sua CCAÇ 20

1 comentário:

Anónimo disse...

O meu profundo obrigado pelos livros que me mandaste, da tua lavra. É uma boa altura para os ler e reler, com tempo e vagar.

Um sugestão em relação ao "Basto" e ao verso "Para cá do Marão (...). É possível que seja uma gralha, acho que ficaria melhor, para evitar a cacafonia, "Para cá do Marão mandam os que cá estão"...

Um abraço fraterno e telúrico, Luis Graça