segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17046: Notas de leitura (929): “O PAIGC perante o dilema Cabo-Verdiano (1959-1974)”, por José Augusto Pereira, Campo da Comunicação, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Há que reconhecer a este jovem historiador a ousadia na pesquisa e análise de uma questão tabu, passadas todas estas décadas, a dissecação histórica de uma unidade que se transformou no slogan mais dinâmico de direção do PAIGC e que a prática veio demonstrar, após a independência de facto, que as raízes históricas eram um argumento ideológico muito perto do vazio.
Quem escreve o prefácio é o comandante Pedro Pires. É no contexto da sua exposição que encontrei uma inverdade medonha, incompreensível num dirigente político com o peso de Pedro Pires. A dado passo do referido prefácio, a propósito da decisão de criar os Armazéns do Povo, escreve: "Fui encarregado da implementação desta decisão na Frente Sul. Os seus efeitos positivos se fizeram sentir rapidamente no mural dos nossos combatentes. Uma pequena nota banal, mas que tinha influência junto das populações: os produtos comercializados pelos Armazéns do Povo e postos à disposição dos combatentes e das suas famílias eram de melhor qualidade que os vendidos nas lojas do lado português. Isso causava cobiça e motivava assaltos às populações das zonas libertadas pelos supletivos coloniais". Como é que é possível ter audácia, hoje, de fantasiar que as forças armadas portuguesas faziam operações para assaltar e pilhar os bens dos guerrilheiros? Como é que é possível, tantas décadas depois, ter este desplante, este delírio para enganar o pagode?

Um abraço do
Mário


O PAIGC perante o dilema Cabo-Verdiano (2)

Beja Santos

O livro “O PAIGC perante o dilema Cabo-Verdiano (1959-1974)”, de José Augusto Pereira, Campo da Comunicação, 2015, dá uma excelente oportunidade para irmos conhecendo as diferentes vicissitudes da luta armada na Guiné e como o PAIGC, a partir de Conacri e Dakar, procurou incentivar a subversão cabo-verdiana. Vimos no número anterior como o autor cotejou dados fundamentais sobre as estruturas sociais e económicas da Guiné e Cabo Verde, o posicionamento histórico dos dois povos, a génese do PAIGC, as primeiras hostilidades postas à unidade Guiné-Cabo Verde, como Cabral impôs o PAIGC junto de países amigos e na esfera internacional.

O autor dedica bastante atenção à ação do PAIGC na frente político-militar, como se liderou a guerrilha, como conquistou a população no interior da Guiné, como lidou, nas diferentes fases da guerra, com a estratégia imprimida pelas Forças Armadas portuguesas. E assim chegamos à questão da unidade no pensamento de Cabral. Em Dezembro de 1960, Cabral enviou um memorando ao governo português, faz referência ao programa do PAIGC com duas parcelas territoriais e propõe negociações com as autoridades de Lisboa para se obter a independência num clima amistoso que culminasse na união orgânica dos povos da Guiné e Cabo Verde. O refrão de unidade passará a ser permanente. Quando confrontado com opiniões céticas, a argumentação usualmente apresentada tinha a ver com o lugar de Cabo Verde como entreposto negreiro ao longo dos séculos, Cabral dizia sem hesitação que Cabo Verde era uma cultura eminentemente africana, com predomínio de mestiços e poucos brancos. Nunca ousou pôr no seu elenco de argumentos o problema linguístico, religioso e cultural, tratou sempre lateralmente o contencioso entre o guineense e o cabo-verdiano. No fundo, Cabral precisava de como pão para a boca dos quadros cabo-verdianos e temia que se Cabo Verde permanecesse sob administração portuguesa estaria sempre em risco a independência de Guiné e até de outros países; e não poucas vezes argumentou que a questão económica da unidade entre os dois futuros países traria vantagens mútuas. E desde cedo que encontrou contestação às suas teses a começar por José Leitão da Graça, cabo-verdiano, estrénuo defensor da independência de Cabo Verde, rejeitando a união política com a Guiné, sublinhava que eram dois povos com personalidades distintas, chegando mesmo a falar do conflito entre guineenses e cabo-verdianos originado pelo papel assumido pelos ilhéus na ocupação efetiva do território guineense. Cabral nunca cedeu, toda a propagando do PAIGC, incluindo a sua ofensiva diplomática era laudatória a este tipo de unidade. Na propaganda, foram utilizados todos os argumentos emocionais para mexer com a alma cabo-verdiana: a emigração para S. Tomé; a escassez de chuvas em Cabo Verde e as concomitantes carístias, responsabilizando-se sempre as autoridades coloniais pelo modo de exploração do solo, indutor de permanentes penúrias. E como diz o autor, “igualmente relevante no dispositivo argumentativo utilizado pelo PAIGC na mobilização dos cabo-verdianos para a causa da independência foi a perceção das desigualdades existentes entre a população, de que avultam as diferenças salariais entre metropolitanos e ilhéus no desempenho da mesma categoria profissional, e nas discrepâncias na distribuição da terra, detida por uma minoria de proprietários”. A reação das autoridades de Lisboa dirigia-se sobretudo para os seus aliados: o posicionamento de Cabo Verde no Atlântico Norte, ser um porta-aviões indestrutível, um ponto de interação e de apoio nas comunicações marítimas e aéreas Norte-Sul no Oceano Atlântico, etc. Para consumo interno, pôs-se a questão das ilhas, a necessidade de estar atento a qualquer desembarque de guerrilha, de ter uma fiscalização política muito severa e de estrangular à nascença quaisquer formas de agitação e da presença de sublevadores do PAIGC.

O autor dá-nos um quadro correto do que se procurou fazer, a nível do PAIGC, para mobilização e agitação política no arquipélago, os seus principais intervenientes, a lógica do trabalho, em sucessivas etapas (entre 1959 e 1963; entre 1963 e 1968; e entre 1968 e 1974), inclui os principais nomes, com Jorge Querido e Abílio Duarte à cabeça. Leitão da Graça fica de fora nesta movimentação, ele tem o seu próprio partido para a independência de Cabo Verde. Houve planos de desembarque para Cabo Verde, mandava o bom senso que não havia condições para desembarcar tropas e fomentar a guerrilha; a despeito da falta de condições favoráveis, Cabral tinha que dar gestos de que animava os cabo-verdianos à luta. Entre 1966 e 1968 mais de 30 elementos, todos de origem cabo-verdiana foram preparados em Cuba para a luta armada a desencadear no arquipélago, entre eles: Pedro Pires, Silvino da Luz, Manecas, Agnelo Dantes. Receberam, treino militar envolvendo o manuseamento de armas ligeiras e de vários tipos de canhões e explosivos, foram submetidos a aulas de natação e desembarque noturno, para além de terem recebido assistência política e ideológica. A formação em marinha de guerra também foi dada pela União Soviética, foi uma preparação que durou dois anos e decorreu nas águas do Mar Negro, no porto de Odessa. Osvaldo Lopes da Silva foi o responsável que chefiou este grupo. Queria o destino que inviabilizada a operação de desembarque, todos estes quadros iriam ter posições relevantes no desfecho da guerra.

Abertos os dossiês, décadas depois, há hoje informação bastante fidedigna para se dizer que as atividades de cariz político desenvolvidas no interior do arquipélago nunca terão atingido o nível desejado, quer pela direção superior do partido quer pelos militantes nacionalistas ali colocados. Cabral tinha que estar permanentemente a aplacar a impaciência dos jovens cabo-verdianos, a tentar os melhores apoios para a sua preparação. A queixa dos cabo-verdianos era permanente: “Porque é que o nosso partido faz tanto para a Guiné e tão pouco para Cabo Verde?”. A impaciência era legítima mas nunca se comprovou incúria por parte de Cabral. Terá talvez o autor razão que está nesta situação o crescimento de um partido em crise, e que há duas dimensões da contestação ao líder ao mesmo tempo que crescia a tensão entre guineenses e cabo-verdianos.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17040: Notas de leitura (928): “O PAIGC perante o dilema Cabo-Verdiano (1959-1974)”, por José Augusto Pereira, Campo da Comunicação, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Com Pedro Pires, é caso para dizermos «como meia dúzia de Caboverdeanos tentaram enganar os Guineenses», não é grande Beja Santos?

A conversa dele: Uma pequena nota banal, mas que tinha influência junto das populações: os produtos comercializados pelos Armazéns do Povo e postos à disposição dos combatentes e das suas famílias eram de melhor qualidade que os vendidos nas lojas do lado português. Isso causava cobiça e motivava assaltos às populações das zonas libertadas pelos supletivos coloniais".

Pois é Beja Santos, quem como nós sabemos como os Caboverdeanos foram mais ou menos ostracizados pelo povo na Guiné no 14 de Novº/80, o que não aconteceu no 25 de Abril com os comerciantes tugas, que até foram acarinhados para não abandonarem a Guiné, como ao fim destes anos Pedro Pires quer escrever uma história que nenhum guineense acredita?

Nem os guineenses acreditam, nem os milhares de Caboverdeanos que nunca acreditaram naquelas políticas de Cabral.

Pedro Pires, sabe que ao afirmar estas coisas os velhos régulos e aquelas gerações além de não saberem ler já morreram todos, não o vão chatear.

Esta das lojas do português, foi das coisas mais recordadas com saudade, na rádio e na rua pelo povo, quando da revolução do 14 de Novº/80, contra Luís Cabral e os caboverdeanos que alinhavam naquelas ideias Cabralistas.

Um argumento do povo a favor das lojas coloniais contra os armazens do povo, era esta: Naquele tempo, comprávamos o arroz à medida do nosso dinheiro e quando queriamos, não havia forma (Bicha) para o racionamento dos Armazéns do Povo.

Agora, só há arroz quando sobra dos desvios pelos «membru» para vender no Senegal, e que tenha cumbu para comprar um saco inteiro ou passa fome, balança cá tem, queixava-se o povo em 1980.

Tantos estudantes do Império, grandes portugueses, dos melhores, gente boa principalmente de Caboverde, e apareceu esta meia dúzia de gente duvidosa a aproveitar aqueles ventos da história...mas que na realidade fizeram história, como muitos outros ultramarinos já tinham feito, noutros moldes.

Cumprimentos