Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 24 de maio de 2017
Guiné 61/74 - P17391: Os nossos seres, saberes e lazeres (213): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (3) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 16 de Fevereiro de 2017:
Queridos amigos,
Quando vos ocorrer organizar uma estadia nos Açores, lembrem-se de São Miguel e do Vale das Furnas. O casario do Vale é mimoso, a autarquia é infatigável a ajardinar, o Parque Terra Nostra está esmeradamente cuidado, a Poça de Dona Beija é uma permanente atração turística, nada mais desafiador no Inverno que estar dentro de uma água a 39 graus, com hipóteses de saltar de piscina em piscina, e um passeio pela lagoa é imprescindível, depois de ver as caldeiras é impossível não ficar rendido à planície extensa de águas espelhadas, à mata jardim José do Canto e o ao património construído que ele legou para bem do legado cultural micaelense, como tesouro artístico português de que nos devemos orgulhar.
Um abraço do
Mário
São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (3)
Beja Santos
O viandante acordou determinado: a direção é a Lagoa das Furnas, prova de resistência, ida e volta a pé algo como 14 quilómetros, com visita a pontos de referência obrigatória: a mata jardim José do Canto; e a capela de Nossa Senhora das Vitórias, nesta estão sepultados Maria Guilhermina Taveira Brum da Silveira e o seu marido, o incansável desenvolvimentista agrário, José do Canto. Nada com apresentar o local. A lagoa situa-se na cratera de um vulcão, é uma planície extensa de águas espelhadas, rodeada de montes arborizados, guarda na sua margem sul a vasta e bela propriedade de José do Canto. O viandante começa-se por entreter com um campo de inhames ainda no parque Terra Nostra, mete-se ao caminho, há muito a palmilhar, não há sol nem chuva, nem calor nem frio, segue-se por veredas firmes, as passadas esmagam a bagacina, a paisagem abre-se e súbito avista-se a lagoa e as fumarolas, sente-se que há desvelos próprios de parque natural, e deambula-se pelas caldeiras, algumas delas ao serviço da restauração.
Recomenda-se, a quem queira conhecer a personalidade extraordinária de José do Canto o livro “Os Cantos”, de Maria Filomena Mónica, Alêtheia Editores, 2010. Desde a primeira hora do povoamento que a ilha suscitou a atração pelas imensas potencialidades que o solo oferece: as madeiras como a faia; o pastel, as pastagens. António Feliciano de Castilho viveu três anos em São Miguel, coadjuvando José do Canto, “um dos homens de mais saber e gosto daquele arquipélago e que perfeitamente justifica a parcialidade que a fortuna tem para com ele. É o rico mais benéfico e de melhor gosto de quantos tem conhecido”, escreveu o poeta, que fundou uma sociedade dos Amigos das Letras e Artes em São Miguel. Entre 1852 e 1863, em terrenos de autêntica pedra-pomes, criou uma das mais belas propriedades dos Açores. Tem mata jardim, chalé franco-suíço, situado perto de outro edifício, construído pouco antes, e de estilo completamente diferente (flamengo), que é atualmente a Casa dos Barcos, a capela de Nossa Senhora das Vitórias iniciou-se em 1864.
O viandante não resistiu ao jogo da representação sobre a representação, havia na mata jardim uma exposição fotográfica e esta fotografia da casa dos barcos pareceu-lhe inexcedível. O que a mata oferece é um estadear de espécies: camélias, macieiras, fetos, tudo decorado a preceito dentro de alamedas, é um projeto original francês que serve para deslumbrar o visitante.
A ermida é um belo edifício neogótico, manifestação artística que floresceu na segunda metade do século XIX, principalmente em França e Inglaterra, e que hoje tem grandes apreciações cáusticas, os puristas entendem que tudo não passa de uma cenografia sem originalidade. Entra-se na capela, hoje usada para certos eventos, e depara-se-nos uma sobriedade tocante nos vitrais, nos altares, no púlpito, no lajedo. Sentiu-se o viandante muito bem e curvou-se respeitosamente junto dos túmulos daquele casal que se envolveu num espantoso projeto agrícola. Agora que se anda à procura de empreendedores devia-se estudar a preceito o dinamismo e a ousadia de José do Canto. Quando o viandante se despede da sua entusiasta cicerone, alegando que tem umas horas de marcha pelo caminho, a bondosa senhora prontamente atalhou conversa, tinha que vir até as Furnas, contasse com a boleia. E lá vieram a tagarelar, deu tempo ao viandante comer uma boa sopa de grão e um hambúrguer, prato típico para turistas e sinal de que a colónia açoriana nas américas deixou aqui legado. E não se resistiu a tirar fotografias a uma bela montra de casa comercial, exibindo cestos de fruta e legumes. Se já se vinha de uma originalidade, agradeceu-se mais esta. E o passeio no Vale das Furnas vai prosseguir.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 17 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17366: Os nossos seres, saberes e lazeres (212): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (2) (Mário Beja Santos)
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