terça-feira, 30 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17409: Os nossos seres, saberes e lazeres (214): Um passeio aos Alpes Bávaros (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)



1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 25 de Maio de 2017, onde nos fala da Baviera.

Estamos em Maio, um mês da Primavera que, na Baviera onde me encontro, parece querer prolongar o Inverno, ainda com algum rigor do clima frio do norte da Europa. Apesar disso hoje está um lindo dia de sol para realçar toda a beleza da paisagem circundante A vista navega pelo lago de águas calmas, repousa na ilha para onde o barco se dirige e alonga-se pelas encostas das montanhas, que rodeiam o horizonte, onde a neve refulge como prata. A esta luz clara do Sol, os Alpes Bávaros desdobram-se em quadros que a natureza selvagem pinta em imagens de uma beleza extraordinária formada por planícies verdes, águas e serras nevadas.


O barco que nos transporta a nós e algumas centenas de pessoas, navega pelo lago Chiemsee e dirige-se à ilha de Herreninsel. A maior ilha das três existentes no maior lago da Baviera e onde vamos caminhar, contemplando a sua beleza natural, feita de muitas árvores de pequeno e grande porte e de relvados extensos, e apreciar o Palácio Neues Schloss Herrenchiemsee, mandado construir por Ludwig II da Baviera, um rei excêntrico, protector das artes, construtor de palácios, construtor de fantasias, mitos românticos, amado pelo povo pela sua espontaneidade, pela sua juventude, pela proximidade de relações que cultivava com os bávaros, que o humanizava aos olhos do povo simples e revelava a sua loucura aos olhos da nobreza.



Este palácio mandado construir, entre 1878 e 1886, teve como modelo o Palácio de Versalhes em homenagem ao rei Luís XIV de França que ele admirava.

Esta ilha é chamada Herreninsel (em português ilha dos homens) porque existe lá há longos anos um mosteiro de frades, hoje desabitado e ocupado em parte por um museu regional. Próximo existe a Fraueninsel (em português ilha das mulheres) porque existe lá um convento de freiras beneditinas, que ainda o habitam. Cá como lá a religiosidade é maior entre as senhoras do que entre os homens

O palácio Herrenchiemsee ficou inacabado, das setenta salas somente vinte ficaram prontas e decoradas, numa primeira fase porque se acabou o dinheiro para a sua construção e numa segunda fase pela morte prematura do rei, por acidente segundo a versão oficial, assassinado segundo outros testemunhos da época. Procura imitar o Palácio de Versalhes e por vezes excede-o em beleza e grandeza como na grande Galeria dos Espelhos, por exemplo, maior que a sua equivalente do palácio francês, e a sua Sala-de-Jantar tem um gigantesco lustre em porcelana de Meissen, o maior do mundo. 

A acrescentar à beleza natural dos Alpes Bávaros formada por planícies verdes, lagos, montanhas muito tempo brancas pela neve acumulada nas estações frias, existe a beleza construída pela mão do homem composta por casas, moradias, castelos, mosteiros e igrejas.

Este rei bávaro, por alguns considerado imaturo, irresponsável e louco, mandou construir mais dois palácios onde, tal como neste, foi utilizada a melhor arquitectura, engenharia, tecnologia e arte do seu tempo e que hoje perduram como sendo os palácios mais belos de toda a Alemanha:

O castelo de Neuschwanstein, que embora grande, parece um ninho de águias ou um castelo de fadas pois foi edificado nos píncaros de um monte e tem a arquitectura graciosa e rebuscada própria dos castelos de fadas, duendes e outros seres imaginários que povoam as histórias e os sonhos das crianças.


Já o visitei mas porque a fila de turistas era tão grande não entrei no seu interior. Fica para a próxima vez.

O outro é o palácio Linderhof, o mais pequeno, que nunca visitei, mas que pelo que já li merece também uma visita demorada.


A Baviera é o maior estado da República Federal Alemã, com uma área um pouco inferior à de Portugal Continental e com um número de habitantes um pouco superior. Durante séculos foi um reino independente até à sua integração já nos finais do século XIX no Império Alemão. Para além do seu património paisagístico, turístico, arquitectónico e cultural a Baviera tem um vasto património industrial sendo uma das regiões mais ricas da Alemanha e da Europa. Os seus habitantes são católicos e talvez pelas guerras e pela proximidade com os seus vizinhos alemães protestantes mais a norte procuram vincar essa diferença manifestando-a culturalmente de uma forma tão audível que os sinos das igrejas aos sábados e domingos, quase não param de tocar. Pela sua independência secular e pelas invasões e cruzamentos de povos do seu território os bávaros são um povo distinto dos outros alemães e orgulhoso do seu passado, das suas tradições que gostam de evidenciar, tanto nos costumes como nos trajes típicos. Nos trajes regionais, no carácter reservado que se torna ruidoso nas manifestações festivas que eles gostam de cultivar, parece ser um povo antigo com raízes rurais muito profundas. Por vezes parecem ter semelhanças com os transmontanos mas são mais ricos, nota-se pela forma como vestem.

A capital da Baviera é Munique, uma cidade imensa, onde destaco Marienplataz a praça central e ruas próximas, o rio Isar, alimentado pelo degelo dos Alpes, caudaloso até no Verão, ladeado de árvores altas e caminhos para corredores, caminhantes e ciclistas, e o English Garden, um enorme parque da cidade, onde corre um canal de água em fúria, alimentado pelo rio Isar, com árvores grandes e outras em crescimento, com relvados enormes onde as pessoas fazem nudismo ou apanham sol e com os inevitáveis Biergarden onde se podem comer alguns petiscos e beber “eine grosse bier” uma boa caneca de litro de cerveja.

Gosto muito de Munique, onde vamos com frequência eu e a minha mulher, matar saudades da nossa família mista, portuguesa e alemã, sempre tão simpática e hospitaleira mas que não dispensa uma mala de porão, que leva sempre bacalhau, chouriços, algum vinho, bolos de bacalhau, rissóis, presunto, pasteis de nata, húngaros e outros mimos que o seu paladar recorda com saudade.


Desde a época dos descobrimentos, nos séculos XV e XVI os portugueses tomaram o gosto pela viagem e pela aventura da descoberta. Pela aventura e pela necessidade de sobrevivência, no passado de barco, de automóvel, de comboio, hoje sobretudo de avião, há um movimento contínuo de famílias para destinos europeus e mundiais. Os aviões sempre cheios, levam pintores, serralheiros, médicos, enfermeiros, estucadores, empregadas domésticas, jardineiros, engenheiros, padeiros, pedreiros, electricistas, arquitectos, cientistas, investigadores e outros profissionais.

Os portugueses da diáspora que inventaram a palavra saudade evocam-na como quem procura o afecto e o calor da Pátria. Há nela um sentimento doce porque nos faz recordar bons momentos passados com pessoas que estimamos muito. Há nela um sentimento amargo, que nos magoa pela distância que interpõe entre uns e outros, que só se acalma nos reencontros possíveis entre abraços e beijos, nessa proximidade física que os portugueses como povos latinos adoram.

Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17391: Os nossos seres, saberes e lazeres (213): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (3) (Mário Beja Santos)

8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Francisco, estás em casa, não podes o teu mix, de alma transmontana em corpo bávaro.. Adorei a tua crónica, soberbamente bem escrita, assertiva, informativa, apelativa... Fico com ganas de ir lá, é um parte da Alemanha que não conheço e contra a qual tenho, estupidamemte, alguns "pré-conceitos"... Afinal, foi em Munique que tudo começou... O mesmo se passava com Braga, onde afinal tudo começou, quero eu, dizer a Ditadura Militar e o Estado Novo, com o golpe de estado de 28 de maio de 1926...

Magistral a tua definição de saudade:

"Os portugueses da diáspora que inventaram a palavra saudade evocam-na como quem procura o afecto e o calor da Pátria. Há nela um sentimento doce porque nos faz recordar bons momentos passados com pessoas que estimamos muito. Há nela um sentimento amargo, que nos magoa pela distância que interpõe entre uns e outros, que só se acalma nos reencontros possíveis entre abraços e beijos, nessa proximidade física que os portugueses como povos latinos adoram."

Bom regresso à tua primeira casa... è bom ter duas ou mais casas... Xicoração. Luis

José Botelho Colaço disse...

Caro amigo Francisco Baptista não vou adjectivar a tua narrativa sobre a Baviera e os seus palácios, somente um agradecimento por tão resumida e elucidativa cronica. Um abraço.

Anónimo disse...

Pois, que hei de acrescentar ao rigor, ao pormenor e á clareza da tua descrição dessa rica e asseada região da Baviera ?

Um abração

carvalho de Mampatá

Anónimo disse...


Parabéns!

Tudo bem, tudo bom e tudo belo.Que mais poderíamos acrescentar a este pedaço de prosa Paradisíaca?
É por estas e por outras que, por vezes, dou comigo a pensar: - Como é que este "gajo" tão perfeito na escrita e tão assertivo nas suas considerações se poderá enquadrar no grupo dos Bandalhos?
´Cada vez compreendo melhor o problema do nosso Presidente Bandalho em arranjar-te um Pelouro compatível com a tua grandeza.

Um abraço

José Ferreira disse...

Anónimo disse...

Parabéns!

Tudo bem, tudo bom e tudo belo.Que mais poderíamos acrescentar a este pedaço de prosa Paradisíaca?
É por estas e por outras que, por vezes, dou comigo a pensar: - Como é que este "gajo" tão perfeito na escrita e tão assertivo nas suas considerações se poderá enquadrar no grupo dos Bandalhos?
´Cada vez compreendo melhor o problema do nosso Presidente Bandalho em arranjar-te um Pelouro compatível com a tua grandeza.

Um abraço
José Ferreira

Anónimo disse...



Camaradas e amigos:

Luís, meu mestre e comandante, tu consegues pôr um transmontano a sonhar que consegue arrumar as palavras para construir alguma ideia diferente e alguma beleza. Obrigado pelos instantes de ilusão que me consegues criar mas eu sou filho duma terra dura e pobre e como tal tenho alguma facilidade em regressar à razão e à realidade da minha condição de escrevinhador, às vezes um pouco pretensioso. Quanto à beleza dos Alpes Bávaros o que possa afirmar é que ela é bem maior do que aquilo que eu consegui descrever. Terás visto, como eu esse grande filme idílico " Musica no Coração", filmado na cidade e nas montanhas alpinas de Salzburo, na Austria. Os Alpes Bávaros são a continuação dessa cadeia de montanhas e têm a mesma beleza e configuração. Mas mais do que eu possa dizer, transmitem as fotografias.
O xicoração que envias, quero retribuir-to pela tua amizade desinteressada e pelo ânimo que me procuras dar. O José Colaço e o Carvalho, meus amigos de sempre, talvez com uma sensibilidade muito próxima da minha, fazeis-me o favor de valorizar bastante o que escrevo e tendes a gentileza de mo manifestar. Muito obrigado caros amigos.
José Ferreira, meu amigo, é sempre muito agradável receber um elogio de alguém com um livro editado e que me parece brevemente irá lançar o segundo. Sobre os Bandalhos posso dizer que é uma "tropa" da mais aprumada, bem vestida e organizada que eu conheço. Só por ironia é que alguém, inclusivé os próprios, os poderá tratar dessa forma. Bandalho sou eu, pelo desaprumo, pelo desarrumo, pela anarquia de ser e de estar. Eu compreendo muito bem a dificuldade do Querido Presidente "Vitalício" em arranjar um pelouro para mim.
A todos um grande abraço.
Francisco Baptista


Hélder Valério disse...

Meu bom amigo Francisco Baptista

Faz tempo que não comento um post teu.
Faz tempo também que, para além dos cumprimentos de aniversário, pouco me tenho alongado, embora vá acompanhando de perto o que se vai publicando.
Hoje temos este teu relato da Baviera e onde, habilmente, não deixas de fazer referências ao intercâmbio luso-alemão.
De facto é como dizes, desde a época das 'descobertas' (eu diria até mesmo antes, lembra-te daquele Príncipe que andava por fora e depois foi Rei), que os portugueses demandam as diversas partes do Mundo levando e recebendo influências.
Por acaso também conheço (pouco...) Munique, estive lá 1 dia e 1 noite numa viagem daquelas à "Europa Central". Saímos depois bordejando esse lago, almoçando num restaurante numa das suas margens e depois seguimos para Salzburg.
Foi no ano do centenário de A. W. Mozart, "o Divino".
Só que foi no Verão.... finais de Julho, mas não impediu que tivesse ficado encharcado pois chuviscou desde a saída de Munique até uma verdadeira 'carga de água' em Salzburg aquando da visita ao Palácio Mirabell e seus jardins.

Abraço.
Hélder Sousa

Anónimo disse...



Hélder, meu grande amigo

Muito faltou por dizer no texto que escrevi sobre a Baviera, porque resumi em poucas linhas um tema que se prestava a uma deambulação mais alargada pela história, pela geografia, pela religião, pela etnografia e folclore, e até pela perigosa deriva radical, que o Luís Graça aflora, que começou nessa terra mítica.
Para o viajante que gosta do ar livre e das paisagens que esse meio oferece direi que, do que conheço, a Baviera a norte de Munique apresenta uma paisagem verde bastante monótona de planícies extensas cultivadas. Muito diferente do teu Alentejo que se estende por quilómetros, em ondulações suaves e onde as searas coexistem com montados de sobreiros e azinheiras, vinhedos e olivais. O reino encantado da Baviera onde Ludwig II esse rei louco e romântico quis adensar mais a lenda e o mistério com a construção dos seus castelos que parecem surgir das nuvens ou das neves brancas, está situado a sul de Munique, confina e prolonga-se ainda pela Austria. O romantismo que nasceu na Alemanha como movimento artístico, filosófico, literário e cultural vai influenciar, já no seu declínio, esse rei jovem que procura viver uma vida à medida dos heróis das grandes obras românticas do século XIX. Os Alpes Bávaros são o grande palco com muitos cenários que a natureza pintou com as melhores cores do céu e da terra , onde ele procura projectar a grandeza dos seus sonhos e o seu protagonismo.
Já vai longo, este texto, para comentário, pensei noutro, mas fui escrevendo e saiu-me este. Escrevi-o como que a falar contigo, porque tu és, sempre foste um amigo muito atento e simpático.
Um abraço. Francisco Baptista