Papel timbrado do PAIGC, com sede em Bissau, Guiné "Portuguesa", secretariado geral, delegação no Senegal, B.P. 2319 - Dakar.
I. Afinal havia ou há, no Arquivo Amílcar Cabral, mais duas referências ao Rendeiro, de seu nome completo, Rodrigo José Fernandes Rendeiro, o comerciante que alguns de nós conhecemos em Bambadinca (e com quem incluive convivemos, algumas vezes, entre 1969 e 1971).
Eis o comentário que o Jorge Araújo, [, vd. fóto à direita],
nosso colaborador permanente, ex-fur mil op esp, CART 3494 (Xime, Enxalé e Mansambo, 1972/74), colocou no poste P17920 (*),
Certamente que me cruzei com o Rendeiro, em Bambadinca, entre 1972 e 1974, mas nunca privei com ele.
Quanto ao solicitado pelo Luís, aqui vai o que consegui apurar nos «Arquivos», citando o seu conteúdo e referindo as respectivas fontes.
1. Em texto assinado por Pedro Pires, dactilografado em impresso timbrado do PAIGC, datado de Outubro de 1963, refere-se o seguinte:
1. Em texto assinado por Pedro Pires, dactilografado em impresso timbrado do PAIGC, datado de Outubro de 1963, refere-se o seguinte:
“Timóteo e Rendeiro – De facto foram à Gambia. O Rendeiro deve ter seguido para Bissau. O Timóteo voltou a Dakar. Tentou entrar, às escondidas, no lar por duas vezes. Penso que ele continua em Dakar. Estou à procura de uma pequena informação que falta para ir à “Sureté” [Segurança].
Eles devem ter tido contactos com os elementos da URGP [Union des Ressortissants de la Guinée Portugaise ou UNGP – União dos Nativos da Guiné Portuguesa]. Penso isso pelos panfletos que têm saído ultimamente.
Soube que o Timóteo disse à prima que não saiu de livre vontade. Que foi obrigado a sair”.
Fonte: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36579
2. No relatório manuscrito e
assinado por Pedro Pires, datado de 26 de outubro de 1963, é referido o seguinte:
Eles devem ter tido contactos com os elementos da URGP [Union des Ressortissants de la Guinée Portugaise ou UNGP – União dos Nativos da Guiné Portuguesa]. Penso isso pelos panfletos que têm saído ultimamente.
Soube que o Timóteo disse à prima que não saiu de livre vontade. Que foi obrigado a sair”.
Fonte: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36579
2. No relatório manuscrito e
assinado por Pedro Pires, datado de 26 de outubro de 1963, é referido o seguinte:
“Timóteo e Rendeiro – tudo o que aconteceu foi devido a informações incompletas vindas do interior.
Depois de algumas averiguações soube que tiveram contacto com 4 cabo-verdianos que trabalham pela [para a] PIDE e que estes foram ao Consulado da Suíça e conseguiram salvo-condutos para os dois e pagaram-lhes as passagens para a Gâmbia. Tenho o nome dos cabo-verdianos e do local onde se reuniam”.
Depois de algumas averiguações soube que tiveram contacto com 4 cabo-verdianos que trabalham pela [para a] PIDE e que estes foram ao Consulado da Suíça e conseguiram salvo-condutos para os dois e pagaram-lhes as passagens para a Gâmbia. Tenho o nome dos cabo-verdianos e do local onde se reuniam”.
Fonte: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41413
II. Comentário de LG:
No mesmo relatório, do Pedro Pires, de 26 de outubro de 1963, há um ponto interessante que merece também ser reproduzido, porque vem esclarecer qual o verdadeiro estatuto que o PAIGC queria dar a pessoas como o Rodrigo Rendeiro: o de "refugiados políticos", civis, distinto da figura do "desertor", militar (!)... Diga-se, "en passant", que a expetativa do Pedro Pires, de ter muitos desertores portugueses, saiu gorada,,,
"2. Refugiados portugueses - O problema dos refugiados portugueses deve ser estudado com as autoridades senegalesas. Se continuar como está, será muito maçador para o Lourenço [Gomes], além do tempo que tem de estar fora do seu posto, [o] que é muito prejudicial para nós.
Parece-me que há grandes possibilidades de deserção de soldados portugueses para o Senegal, mas teremos possibilidades materiais de os manter no Senegal ? Não seria bom ver o que pensa[m], nesse sentido, as autoridades senegalesas ?
Não seria possível manter os desertores no mato, criando uma base só para esse fim ?
Quanto aos desertores, espero que me digam o que devo fazer com eles. Será necessário façam uma declaração para ser distribuída no interior ? Ou uma declaração para ser distribuída à presse [imprensa] ? Enfim, mandem-me instruções.
Quanto aos desertores, tratam-se do alferes miliciano Fernando Vaz e do sargento miliciano Fernando Fontes.
Disseram-me que só na 4ª feira, poderão continuar a ouvir os desertores e o Lourenço" (...)
Quanto ao nosso Rendeiro, ele parece não ter voltado para Porto Gole... Pelo menos em 1966, já não estava lá, a avaliar pelo comentário do nosso camarada José António Viegas (ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68):
Quanto ao nosso Rendeiro, ele parece não ter voltado para Porto Gole... Pelo menos em 1966, já não estava lá, a avaliar pelo comentário do nosso camarada José António Viegas (ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68):
"Em Porto Gole nos anos em que lá estive, entre 1966/68, havia a Casa Gouveia em que estava à frente um cabo.verdiano que se chamava Albertino que vivia com a mãe. Em frente havia outra casa comercial de um tal João, que me parece que era de Braga, esse sim jogava com o pau de dois bicos. Ainda cheguei a ter discussões com ele na altura da compra do arroz, que ele pagava o preço do arroz limpo pelo mesmo preço do arroz com casca, além da pesagem que era sempre a enganar.
"Se bem que raramente via pagamento em dinheiro, era a troca por folha de tabaco e outros géneros que os Balantas necessitavam . Depois de sair de lá, acho que a tropa o prendeu, não voltei a ter mais informação. " (*)
Ainda estou por descobrir quando é que ele se fixou em Bambadinca... (Em 1963, não me parece que tivesse casa ou loja em Bambadinca, a avaliar pelas memórias do nosso camarada Alberto Nascimento) (**). De qualquer modo, o Rendeiro foi à luta e teve que reconstruir a sua vida. Como muitos outros comerciantes e colonos (metropolitanos, cabo-verdianos, sírio-libaneses...) de quem pouco ou nada a História fala... Temos a obrigação também de lhes dar "voz"...
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 31 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...
(**) Vd. poste de 14 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3059: Memória dos lugares ( 9): Bambadinca , 1963 (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)
(*) Último poste da série > 31 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...
(**) Vd. poste de 14 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3059: Memória dos lugares ( 9): Bambadinca , 1963 (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)
6 comentários:
Há uma informação na Net sobre um dos filhos do Rendeiro, Álvaro Henrique, futebolista porfissional (chegou a jogar na I Liga, no CD Feirense, em 1989/90)... O Álvaro nasceu a 8 de Dezembro de 1964, não na Guiné, mas em Moçambique...
Este filho, também da Auá Seidi, para ter nascido em Moçambique, é porque os pais viajaram para lá e lá viveram algum tempo... Será que o Rendeiro tentou recomeçar a vida em Moçambique ? Julgo que também lá tinha conterrâneos e parentes... Por outro lado, em Moçambique ainda não havia guerra, em finais de 1963 e princípios de 1964... A guerra colonial aqui teve início "oficial" em 26 de setembro de 1964...
Tudo indica que o Rendeiro (e a família) se instalaram em Bambadinca em 1965 ou a partir de 1965...
Leopoldo:
Tu foste amigo do Rendeiro e da família... Foste inclusive ao seu funeral. Deves ter convivido com ele, com algumna regularidade, quando estiveste em Bafatá... Ele era da Murtosa, e parte da família deve viver por lá. Deves ainda ter constactos com os descendentes. Quanto à Auá Seidi, presumo que também já tenha morrido.
Ele alguma vez te falou da sua "odisseia" como "refém" do PAIGC ? Vivia em Porto Gole, quando, ao fim da tarde de 3/9/1963, o bigrupo do Caetano Semedo (que me parece ter ligações de parentesco com o "velho" Inácio Semedo, de Bambadinca), o "obrigou", com toda a "delicadeza", a ir até Dacar apresentar a sua ficha de inscrição no PAIGC, numa viagem de mil km (um quinto dos quais a penantes)... Acabou por ser um estorvo para os homens do PAIGC em Dakar: Pedro Pires, Lourenço Gomes...
Esta situação de guerra, aos 37 anos, de que ele nunca me/nos falou, em Bambadinca, em 1969/71, nos famosos almoços e jantares de "chabéu de galinha", deve ter sido muito traumática para ele e para a família. Conseguiu voltar a casa, dois ou três meses depois, mas, desgostoso da Guiné, ruma até Moçambique onde nascerá o seu filho Álvaro Henrique, em finais de 1964... (Não sabia, mas o miúdo foi futebolista profissional, em clubes da zona centro; terá hoje 52 anos).
Sabias desta história ?... Com o início da guerra em Moçambique, no 2º semestree 1964, o Rendeiro deve ter decidido regressar à Guiné e refazer a sua vida. já com seis filhos... É nessa altura (c. 1965) que se instala em Bambadinca... Só o conheci em julho de 1969... O nosso camarada Alberto Nascimento, bambadinquense de 1963, não se lembra dele nem da casa dele, o que faz sentido: estava estabelecido, até setembro de 1963, em Porto Gole...
Bate certo ?
Leopoldo, espero que estejas bem de saúde. Mandei-te um anterior mail sobre este assunto, que tem alguma delicadeza. Como sabes, há uma enorme cortina de silêncio sobre estes homens (e mulheres e crianças), ligados ao comércio a retalho, que, no interior da Guiné, viveram e sofreram a violência da guerra.
Temos, no mínimo, a obrigação de não os esquecer.
Um grande abraço, Luís
Este Leopoldo, a quem é dirigida a mensagem, é o Leopoldo Correia, de quem menos de 20 referências no blogue:
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Leopoldo%20Correia
O Leopoldo Correia foi fur mil art, CART 564, Nhacra,Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto,Encheia e Mansoa, 1963/65. Recorde-se aqui alguns factos da história de vida do Leopoldo:
(i) Nasceu em Lisboa em 14/3/1941;
(ii) Por motivos de saúde e pela situação do após guerra, a família transfere-se para Estarreja, terra natal do pai;
(iii) Lá cresceu e se fez gente, como ele próprio nos diz... Tirou o Curso Industrial de Electricidade na Escola Industrial do Infante D. Henrique, no Porto;
(iv) O curso deu-lhe a a oportunidade de entrar na CNE - Companhia Nacional de Eletricidade, criada em 1947, na sequência da aprovação do plano de eletrificação do país (hoje REN);
(v) Em 1963 é incorporado no Curso de Sargentos Milicianos, passando por Mafra e Tavira;
(vi) Seguiu para a Guiné em Outubro do mesmo ano;
(vii) Fez parte da CART 564 que na Guiné, como companhia independente, teve um ano os seus militares espalhados por diversas zonas;
(viii) Pela sua parte, esteve em Nhacra, Binar, Teixeira Pinto, Mansoa;
(ix) Regressou em 1965; [e tenho ideia, por uma conversa telefónica, que ainda viveu e trabalhou em Angola antes da independência;]
(x) Ainda hoje tem familiares ligados ao comércio em Bafatá;
(xi) Está reformado da EDP;
(xii) Vive em Águas Santas, Maia.
Devia conhecer o Rendeiro de Estarreja, e não de Bafatá. Um fanuiliatr seu é que esteve em Bafatá.
E VERDADE! E OS LIBANESES?
DE SONACO A BAFATÁ, DE NOVA LAMEGO A MUITAS OUTRAS TERRAS DO LESTE DA GUINÉ, O QUE É FEITO DELES.
SEMPRE TIVE MUITO BOA IMPRESSÃO DESTE POVO, E A SUA VIDA NA GUINÉ-BISSAU.
PASSEI UM FINAL DE ANO 1969/70, COM ALGUMAS FAMÍLIAS LIBANESAS, NO CLUB DE NOVA LAMEGO, ONDE ESTAVAM MULHERES BONITAS E AMÁVEIS, E QUE JAMAIS ESQUECEREI, POIS ESTAVA DE SERVIÇO AO PERÍMETRO DE NOVA LAMEGO, MAS COMO JÁ TINHA COMPRADO ENTRADA, MAIS O CUNHA E O VALDEMAR, LÁ NOS DESENRASCAMOS, E APARECEMOS. COISAS DE GAROTOS.
Duarte
Grande deveria ter sido o 'bioxene' que não me lembro desse acontecimento.
Não me lembro de ter estado no Club de Nova Lamego e, por incrível, das libanesas.
Ainda agora faço um grande esforço de memória, mas não me lembro de nada.
Lembro-me do libanês de Piche que quando fechava mais cedo o seu estabelecimento, ao lado do Quartel, à noite havia 'embrulhanço'.
Quanto ao resto, com certeza que havia os chamados 'agentes duplos' com aproveita- mento dos dois lados do conflito, bom para o nosso lado, quando se tratava de evitar ou estarmos preparados para grandes ataques de surpresa
Abraços
Valdemar Queiroz
Abílio e Valdemar, temos cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue, aos "libaneses"... Pena é que não tenhamos ninguém, na Tabanca Grande, a representá-los. Estão ainda 200 a viver hoje na Guiné-Bissau, sobretudo na capital...
Infelizmente, muitas memórias desta comunidade perderam-se ou vão se perder... Alguns serviram no exército português e foram grandes combatentes como o Zacarias Saiegh, fuzilado depois da independência. Conmheci-o em Missiorá, no Pel Caç Nat 52 e depois na 1ª Companhia de Comandos Africanos (Fá Mandinga e Bambadinca).
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/libaneses
Vd. também:
15 DE JULHO DE 2014
Guiné 63/74 - P13400: Dossiê Os Libaneses, de ontem (e de hoje), na Guiné-Bissau (1): Quem eram, onde viviam e trabalhavam, quando chegaram, etc. Propostas de TPC estival: factos, gentes, histórias, fotos... precisam-se!
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2014/07/guione-6374-p13400-dossie-os-libaneses.html
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