domingo, 7 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18184: Blogpoesia (547): "O primeiro poema...", "Começou a viagem", e "Despedida do passado", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


O primeiro poema...

Sem casca nem gema, pégo na pena.
Procuro abrir a porta fechada.
Mudo de chave. Ensaio e tento.
E em remoinho me bailam ideias.
De repente, há um vulto que chega.
Uma pomba com uma prenda no bico.
Desato-lhe os laços.
Abro a caixa.
Um papelinho de bordos doirados,
dobrado em quatro.
Sustenho o ar.
O estendo e fico a lê-lo, primeiro para mim:
Medito. Vem do além.
- Não temas. Avança. Confia.
Lança-te à água.
Deixa esta margem.
Pró lado de lá.
De longe, tudo assume a forma
e ganha sentido.
O essencial avulta.
O acessório se esvai e reduz.
A distância e a luz fazem brilhar.
Surgem os tons.
O claro e o escuro.
As cores.
Palpita a vida nos seres.
Uma brisa leve e fresca se solta. O silêncio bafeja.
A alma sobe e medita.
A verdade do ser.
O passado se esquece.
Olha-se além.
Se rasgam caminhos.
Em passadas seguras no chão,
O futuro acontece e se escreve.

Berlim, 1 de Janeiro de 2018
10h39m
Jlmg

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Começou a viagem

Começou a viagem. Sem destino marcado.
Vamos todos, mundo afora.
Um mar de incertezas.
Ronca o motor.
Depósito cheio.
Se sobe e se desce.
Um dia. Uma noite.
Um dia. Uma noite.
Trabalha e descansa.
Viver é fugir com a sorte.
A morte, real ou aparente,
Se esquece que espera.
Sem bagagem. Sem armadura.
O motor acelera ao sabor da luz e do gosto de viver.
A esperança é a brisa. Refresca e consola.
A sede se mata e renasce.
O dia tem cor. A noite só é negra sem sonho.
Às vezes, cair acontece.
Se chora e se ri. E se colhe.
A marcha prossegue. Sem conta nem dúvida.
Se trava e acelera. Conforme o declive.
A mente sadia repara e conduz.
Um veto. Olhar o passado.
O que conta é o passo da hora que vem.
Para todos é assim. É lei…

Berlim, 2 de Janeiro de 2018
7h57m
Jlmg

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Despedida do passado

Foram ínvios os seus caminhos.
Nasceu no sítio ou no tempo errado.
Menino prendado se abalançou ao sonho que despertou na sua mente e foi.
Deixou o seu torrão.
Arrostou de frente como outro qualquer os dissabores da vida.
Afinal, tudo não passava duma quimera.
Eram falsas as pessoas.
Se revelou um palco a vida onde singra só quem é arrogante.
Frustrações atrás de frustrações.
Solidão e desespero foram a calda azeda em que cresceu.
Até que atingiu o seu limite.
E desapareceu do palco.
Abandonou a cena.
Aí errou. Em vez de trocar de campo,
Onde imperasse a natureza,
Em estado mais puro,
Despiu a camisola e lançou-se, sózinho, ao mar do mundo.
Rumo a um objectivo incerto e indefinido.
Insegurança e crueldade.
Sobreviver em cada dia e assegurar o futuro da melhor maneira, foi sua ventura.
Respeitando sempre sua identidade.
E, assim foi.
Hoje, o passado é uma fonte de pesadelos.
Uma tormenta diabólica em cada noite.
Por fim, livrou-se dela, com uma catarse profunda ao seu percurso.
Juntou tudo, fez um monte, chegou-lhe o fogo.
Ao cabo de umas horas, tudo era cinza.
E assim, ficou mais leve para viver a vida, instante a instante.

Ouvindo Sibelius, sinfonia nº 6
Berlim, 6 de Janeiro de 2018
6h25m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18156: Blogpoesia (546): "Diante duma tela em branco...", "As obreiras do Natal...", "Fábrica da amizade..." e "Último dia...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

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