domingo, 31 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19636: Blogpoesia (614): "De S. Bento à Régua e ao Pinhão", "Desaires" e "Nostalgia", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Estação de S. Bento. Neste mesmo local esteve instalado o Convento de S. Bento da Avé Maria
Com a devida vénia a Ncultura


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:

 
De São Bento à Régua e ao Pinhão

Anos cinquenta.
Uma constante romaria no átrio e nos cais da estação de São Bento.
A vozearia alegre daquela gente que ia e vinha de além do Douro.
Tanto açafate. Tanta cesta de vime. Tanta maleta.
Havia de tudo. Bela hortaliça.
Ridente fruta. Até galinhas.

Gente nova. Gente antiga.
Vestes largas. Saias bordadas.
Blusas com rendas.
Lenços campestres.
Rostos sadios.
Crestados de sol.

Andavam cheios todos os vagões.
Bancos de pau. Lugares à farta.
Nem se via o chão.
Coitados dos revisores.
Cada encontrão.

E a locomotiva negra, com porte altivo,
vomitando fumo e soltando gritos,
arrancava forte e se engalfinhava no túnel.
Tantas faúlhas. Lá se ia o chique.

Vinha Valongo. Gostosa regueifa.
Vinha Caíde d'El Rei. E mais um túnel negro.

Depois era o Douro. Em majestade verde.
Corria barrento.
Barcaças negras. Pejão à frente.
Que belas encostas, socalcos longos, cheias de vinho.
Casinhas perdidas. Rodeadas de hortas.
Casas fidalgas. Jardins à frente.
À custa das uvas. Vinho do Porto.

Estâncias termais. Caldas de Aregos.
Frente a Resende.
Lindas estações. Quadros campestres.
Em azulejo azul.

Por fim a Régua. Cidade ao sol.
Um céu azul.
Ó quem me dera voltar a vê-la!...

Berlim, 27 de Março de 2019
9h33m
Jlmg

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Desaires

Passadas em falso.
Quem as não deu.
Pareceram em vão.
Se aprende errando
E se erra aprendendo.

O progresso faz-se perdendo e ganhando.
Com humildade.
Quem tudo quer, num repente,
Se arrisca a tudo perder.

Quem caiu e voltou a levantar-se,
Mais perto ficou de chegar e vencer.
Desistir é próprio dos fracos.
Destes a história se cala ou lamenta.

Quem não arrosta a bravura do mar, só lavrador.
Marinheiro é que não...

Berlim, 30 de Março de 2019
6h26m
Dia nasceu com sol
Jlmg

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Nostalgia

Na senda da vida, surgem factos bons e outros não.
Trava-se um combate permanente, no nosso íntimo, entre a ordem do bem e do mal, mascarado sempre do que convém.
Tanta vez é este que sai vitorioso.
Se instala como rei.

Nos desvia para bem longe.
Se protege de muralhas ilusórias.
Simula horizontes de felicidade que nos atraem.
Cada queda nos deixa mais confuso e enfraquecido.
A resistência diminui a cada instante.

Uma onda dolorosa de desespero e nostalgia nos afoga a existência.
Até que chega a hora em que só a ajuda esforçada do pai ou dum amigo é capaz de nos valer...

Berlim, 27 de Março de 2019
8h14m
Dia cinzento e frio
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19618: Blogpoesia (613): "Estou pobre...", "Perceber o mar..." e "Abrir alas...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarada Mendes Gomes,
Não posso deixar de dizer algo sobre esta bela fotografia, da nossa grande obra da cidade do Porto, a minha cidade. Não sei se a foto está actual, a sua envolvente, pois não vejo as entradas do Metro existentes ali na Praça Almeida Garrett. Já nos anos 55 em diante, por ali passava todos os dias, eu trabalhava ali na Batalha e ao fundo da Rua de Santo António - ou 31 de Janeiro - ali estava eu nesta estação a ver aqueles movimentos, diariamente, tal e qual como está descrito nos excelentes versos. E assim foram desde 55 a 66.

As viagens pelo Douro, para cima e para baixo, são isso mesmo, e também ali nessa época se apanhava o comboio para Lisboa, antes de emergir Campanhã. Passados mais de uma dúzia de anos, em 1967, ali ao lado da estação, paravam as camionetas do Barraqueiro, vindas de Mafra e Lisboa, com a malta que vinha passar os fins de semana ao Porto e Norte, e 24 horas depois voltávamos, eu e todos os outros a embarcar, no mesmo sitio, nas mesmas camionetas, com o mesmo destino. Foram 6 meses sempre iguais, talvez umas 25 viagens de ida e volta, a dormir, ou não, dentro das camionetas, velhas, sujas, barulhentas, por estradas de curvas e contra curvas, os vómitos, sei lá! Isto dava um verso mas não sei fazê-los.

Em frente fica a não menos bela Igreja dos Congregados, e dizia-se quando alguém nos pedia alguma coisa, para 'ir pedir para a porta dos Congregados'. Ali paravam os pedintes.

Hoje visito São Bento para ver o frenesim da confusão das pessoas a correrem para apanhar
mais um comboio, agora a 'Diesel' para Norte ou Para Sul. Que tempos!

Tinha tanto para falar, o DOURO, a Régua, o Rio, as Vinhas o Alto Douro vinhateiro.

Ficamos por aqui, e aproveito para dizer que leio com prazer todos os versos publicados a partir de Berlim, Mafra e outros sítios, mas não comento porque ultrapassa os meus modestos conhecimentos de poesia.
Um abraço,

Virgilio Teixeira

Joaquim Luís Mendes Gomes disse...

Obrigado, Virgílio

Um comentário enriquecedor, aliás, como é teu jeito.

A gente gosta sempre que nos leiam e digam alguma coisa. É humano.


Um grande abraço.
Joaquim Mendes Gomes

Anónimo disse...

Não tens de agradecer Joaquim Mendes Gomes, quando me enche as medidas, e sei dizer alguma coisa, tenho de escrever, e não fui dormir antes de acabar de escrever aquilo que me veio à minha inspiração.

Só depois, já na cama me lembrei que me faltou dizer, que isto é também,

NOSTALGIA.

Um grande abraço,

Virgilio Teixeira