1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau,
1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre
outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
O casal de esquilitos
Vivem nas árvores, perto do parque de brinquedos.
Quando as crianças se vão embora, eles descem.
Correm o chão à procura de alimento.
Convivem com a passarada miúda e as pombas ambulatórias.
Pacíficamente. Cada um no seu ofício.
Farejam a areia. Trepam aos bancos. Arrebitam as orelhitas e o pescoço. Miram em redor.
Sabem o que procuram.
Os passaritos, aos pares, esvoaçam de ramo em ramo.
Contentes, chilreiam todo o tempo.
Há um casal que vive infiltrado e em segurança, para lá dum buraco do prédio de habitações.
De vez em quando, poisam os melros pretos, muito vaidosos de como são.
E os corvos, em altos voos, lançam ufanos, para todo o lado, aquele grasnar rouco e pouco belo.
Indiferentes a todo o mundo. Como se mais ninguém aqui houvesse...
Berlim, 22 de Abril de 2019
9h26m
lindo dia de sol
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Meu pensamento
Monge vadio, meu pensamento,
Ave perdida
Seara de vento,
Emigrou do convento.
Sandálias nos pés.
Vestes pendentes.
Papiro enrolado.
De pena em punho.
Se fez ao caminho.
Vendo o presente.
Ouvindo as ideias,
Lembrando o passado.
Perscrutando o futuro
Claustros herméticos.
O silêncio um sepulcro.
Horizonte sem cores.
Definharam-lhe os sonhos.
Paraíso perdido.
Agora é livre.
Plana no alto.
Alcançando o mundo.
Sem mãos a medir.
O vento o sopra.
Se enche de cores.
Escreve o que sente.
Parece arder.
Por tudo se interessa.
Sente gosto em viver.
A vida é fugaz.
Tão rico o mundo
Não se pode perder.
Têm graça os rios,
De ventre bojudo,
Banhando as margens,
Correndo para o mar.
As aves nos céus
Que voam tão leves,
Vivendo a cantar.
As fontes jorrando,
Sem nunca parar,
Saciando as gentes.
As nuvens no céu,
Com formas bizarras,
Parecem paradas.
Deixam na terra
O que tiram ao mar.
Fico pensando
Que parar é morrer...
Berlim, 24 de Abril de 2019
10h17m
Dia de sol
Jlmg
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As fontes de prazer
Cansadas de dar prazer ao mundo, sem nada receber,
decidiram uma revolta.
Todas secaram até ver o que acontecia.
Uma nuvem negra e espessa de desencanto cobriu a terra.
Foi-se a alegria e a vontade de lutar.
Para quê comer se a comida não sabia a nada.
Se esmigalharam os casais. Para quê viver lado a lado, sem nada cobrar?
Para que serve tentar crescer harmoniosamente e fazer por parecer bem?
É melhor parar quieto e deixar correr o tempo.
Que importam as estações do ano com suas variações de oferta?
Para quê o vinho e a fruta?
A trabalheira que dá criá-las.
Em pouco tempo tudo ficou num ermo. Apático. Estéril e incolor.
De tal modo que as fontes sentiram pena.
Retomaram derramar prazer.
Com, depressa, tudo mudou.
Afinal, é o prazer que comanda o mundo, mas com equilíbrio, para não lhe ficar escravo...
Berlim, 26 de Abril de 2019
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19704: Blogpoesia (616): "Melaço", "Os astros", "Fugazmente..." e "Variedade...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Mais um belo poema do Mendes Gomes! Nem sei como comentar, estou a escrever só para que se veja que os teus poemas são lidos, apreciados e comentados, precisamos disto para viver melhor e com tranquilidade.
Não conheço Berlim, mas fascina-me esta cidade.
Se eu soubesse fazia também poemas destes, simples, inteligentes, compreensíveis para todos os leitores.
Parabéns e um abraço,
Virgilio Teixeira
Um grande abraço, Virgílio.
Joaquim
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